*** Por Paola Zucchi, Maykon Anderson Pires de Novais, Maria Aparecida Ferreira de Mello, Frederico Cohrs, Alessandra Paula Ferreira Moreira Neumann, Maria Cecília Martinelli e Luiz Ramos
Após pressão internacional de organizações científicas e da sociedade civil, a Organização Mundial de Saúde decidiu não classificar velhice como doença. Esta inclusão no novo Código Internacional de Doença — CID 11, poderia impedir a investigação das reais causas de doença, identificando e quantificando as mais prevalentes e permitindo seu melhor conhecimento e, consequentemente, a elaboração e efetivação de políticas públicas relacionadas à saúde do idoso e uma assistência à saúde mais adequada.
Em 2020, a Assembleia Geral da ONU declarou 2021–2030 como a Década para um Envelhecimento Saudável reunindo governos, sociedade civil, agências internacionais, profissionais, academia, mídia e o setor privado para melhorar a vida dos idosos, de suas famílias e comunidades.
Entendendo Envelhecimento Saudável como o processo de promover e manter a capacidade funcional que permita o bem-estar na velhice e que a capacidade funcional é ter os atributos que permitem que todas as pessoas sejam e façam o que é importante para elas (OMS), esta ação deverá ser a principal estratégia para construir uma sociedade para todas as idades prevendo quatro grandes ações:
I. Mudar a forma como pensamos, sentimos e agimos com relação à idade e ao envelhecimento;
II. Garantir que as comunidades promovam as capacidades das pessoas idosas;
III. Entregar serviços de cuidados integrados e de atenção primária à saúde centrados na pessoa e adequados à pessoa idosa;
IV. Propiciar o acesso a cuidados de longo prazo às pessoas idosas que necessitem.
Desta forma, as implicações das mudanças demográficas e a transição epidemiológica são determinantes para que as sociedades se preparem para cuidar adequadamente dessa população.
No Brasil, a legislação define toda pessoa acima de 60 anos como idosa e segundo o Estatuto do Idoso é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Assim, indo de encontro às Resoluções da Década para um Envelhecimento Saudável torna-se importante ressaltar alguns pontos.
O país vive uma transição demográfica, com forte crescimento da expectativa de vida e da população idosa. A expectativa de vida ao nascer passará de 80,5 anos em mulheres e 73,5 em homens, em 2021, para 84,2 e 77,9 anos respectivamente em 2060. A população de idosos com 65 anos ou mais aumentará de 10,2% em 2021 para 25,5% em 2060, enquanto a população de jovens até 14 anos, diminuirá de 20,6% para 14,7% respectivamente, e a população em idade ativa — PIA (15 a 64 anos) terá uma redução de 69,2% para 59,8% no mesmo período.
Estes dados apontam uma conquista social e melhoria das condições de vida, acesso a serviços de saúde, saneamento básico, escolaridade e renda, porém o processo de envelhecimento da população deverá produzir demandas que requerem políticas sociais e novas formas de cuidado, especialmente com os cuidados prolongados e atenção domiciliar, com foco na reabilitação física e cognitiva, além de desafios futuros referentes a políticas de saúde, de assistência e previdência social visando ampliar o acesso as demandas dessa população que possui características peculiares ou maior vulnerabilidade a eventos adversos, necessitando de ações com foco no cuidado.
Para entendermos as suas necessidades futuras, este texto apresenta alguns dados sobre produção ambulatorial e hospitalar com base nos dados do DataSuS, da Pesquisa Nacional de Saúde — PNS e do IBGE.
A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), inquérito de base domiciliar, de âmbito nacional, realizada pelo Ministério da Saúde em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2019, mostra que 28,7% da população de 65 anos ou mais referiu possuir algum tipo de deficiência, e 10,6% da população de 60 anos ou mais teve algum tipo de internação hospitalar por 24 horas ou mais. É importante observar que na própria PNS há uso de termos inadequados como deficiência ao invés de incapacitação ou funcionalidade, o que demonstra claramente o despreparo dos atores do sistema de saúde com relação à pessoa idosa com algum tipo de limitação física ou cognitiva. Esses dados mostram ainda que 78% da população entre 60 e 74 anos e 84% com 75 anos ou mais, relataram algum diagnóstico de doença crônica não transmissível (DCNT).
Com as taxas de mortalidade diminuindo e a expectativa de vida aumentando, as doenças crônicas não transmissíveis tornaram-se o maior contingente do estudo Global Burden of Disease. Globalmente, entre 1990 e 2016, dor nas costas, migrânea e perda auditiva foram as três doenças crônicas com mais anos de vida vividos com incapacidade tendo sido o maior aumento, em relação a estudos anteriores, nas pessoas de 40 a 69 anos.
As DCNTs devem ser encaradas como um problema de saúde pública que podem resultar em incapacidades para as atividades cotidianas e, consequentemente, diminuição da qualidade de vida.
Diante deste cenário que indica um crescimento do número de idosos no Brasil, torna-se urgente avaliar a realidade de saúde desses indivíduos frente às DCNTs e fatores de riscos relacionadas a elas e as possíveis perdas funcionais associadas, para que o sistema de saúde acompanhe as mudanças populacionais e para que a nova perspectiva possa instruir políticas de saúde e medidas preventivas e de intervenções voltadas para a manutenção da capacidade funcional dessa população.
Na análise do número de internações no SUS no período de 2017 a 2021, 28% ocorreram na população de 60 anos e mais, representando 39% dos valores gastos com atendimento hospitalar no mesmo período. Ao projetarmos essa mesma população para 2060, esses valores passarão para 62% das internações e 85% dos valores gastos, representando um crescimento importante e assustador.
Ao analisar a produção ambulatorial, nota-se que não é possível coletá-la por faixa etária, dificultando assim a total compreensão do que acontece com o atendimento do idoso na rede ambulatorial. Ao utilizar a rubrica de seleção no SIA/SUS “Atendimento/Acompanhamento em saúde do idoso”, no período de 2018 a 2021, observamos que somente 0,001% do total de atendimentos ambulatoriais são especializados em saúde do idoso. Isto não significa que o idoso não é atendido, mas que este atendimento se dá de forma geral e não em programas próprios para esta população. É realizado por profissionais que não são treinados para tal e em programas não específicos para esta população.
Ao fazermos um exercício utilizando a média de atendimentos realizados por toda a população no período, que é de 15,86 atendimentos per capta, teríamos que este atendimento passaria de 0,001% para 14,9% do total. Quando projetamos essa população de idosos para 2060 os atendimentos na rubrica seriam de 32,2%. Percebemos também que somente 0,6% dos atendimentos destina-se a reabilitação, que representa 1,6% dos valores gastos. Com isso, podemos pensar que o atendimento ambulatorial deve ser revisto para que se torne mais adequado a especificidades dessa população e que estes números estão muito abaixo da real necessidade, ainda mais no cenário futuro dessa população.
Para finalizar este cenário do atendimento à pessoa idosa no SUS, é importante contextualizar o que ocorre com os estabelecimentos de saúde voltados a esta população. Dados do Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde — CNES mostram que, quando pesquisado pela rubrica de estabelecimentos em “Centro referência atenção à saúde idoso”, encontram-se somente 46 unidades em 2021, 0,2% de todos os estabelecimentos de saúde no Brasil e estão presentes em somente 12 dos 26 estados da federação, com uma concentração de 46% deles no Estado de São Paulo. Por outro lado, quando pesquisado as unidades de reabilitação, encontramos 110 unidades, representando 0,5% do total.
Estes dados demonstram o descompasso existente entre o atendimento ambulatorial e de internação, a falta de equipamentos de saúde destinados a reabilitação e um atendimento não especializado aos idosos, sendo premente a reorganização do sistema e a aplicação das políticas de saúde dos idosos de forma mais adequada.
A transição demográfica, para o envelhecimento da população, impactará em vários aspectos da sociedade e criará novos desafios para os sistemas de saúde e assistência social. Neste sentido, devemos assumir uma abordagem transformadora na maneira como os sistemas de saúde e os serviços serão planejados para garantir cuidados de alta qualidade, integrados, acessíveis e focados nas necessidades e direitos das pessoas idosas, como atendimento integrado para idosos e pessoas com condições crônicas de saúde.
Visto isto, torna-se importante pensar estrategicamente no envelhecimento da nossa população, suas necessidades de saúde e na estrutura de atendimento montada para este propósito. Nessa circunstância, cabe ressaltar que o fator socioeconômico está diretamente associado com maior satisfação com a saúde entre idosos, e esta necessidade tem levado muitos idosos a recorrer a várias fontes de renda em busca de uma vida digna e de qualidade.
É urgente pensar no papel da Universidade Pública na formação de recursos humanos especializados, ensino, pesquisa e assistência para um atendimento mais adequado à população idosa e a criação de centros especializados que consigam distribuir conhecimento e cuidado com esta população.
* *Paola Zucchi, Maykon Novais, Maria Mello, Frederico Cohrs, Alessandra Neunamnn, Maria Martinelli e Luiz Ramos compõem o Grupo de Trabalho do Centro de Longevidade da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp).
- * OPINIÃO reflete apenas e somente a posição de seus autores.
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Fonte: https://unifesp.medium.com/