Em São Paulo as pessoas com deficiência poderiam ter a isenção do pagamento de pedágio, mas o então governador José Serra vetou a concessão.
Vez ou outra temos informações sobre a apresentação de Projetos de Lei ou aprovações em Comissões Permanentes de temas relacionados a isenção do pagamento de pedágio para as pessoas com deficiência nas praças das rodovias sob concessão
Temos que ter muita cautela. Dependendo da maneira como se faz esse tipo de divulgação, muitas pessoas pensam que a partir do dia seguinte essas regras estão valendo. Mas os responsáveis por essas divulgações deveriam ter um pouco mais de cautela.
Apresentar um Projeto de Lei e ter a publicação em Diário Oficial é coisa bem fácil. O papel aceita tudo. Parlamentares de todas as casas legislativas podem apresentar qualquer proposta – decente ou indecente, mas terão a certeza de que todas estarão nas páginas da imprensa oficial e lançada como ‘trabalho apresentado’ enquanto parlamentar.
Já sobre as aprovações de temas nas Comissões Permanentes é apenas mais uma etapa de tantas que um projeto precisa percorrer. Regimentalmente, praticamente em todas as casas legislativas, um tema precisa tramitar por pelo menos 3 (três) Comissões Permanentes – receber e ter aprovado os relatórios, para só depois o projeto aguardar a votação em plenário. Se aprovado, o assunto ainda dependerá de sanção do Poder Executivo, ou até mesmo do veto.
Para apontar um caso específico sobre a isenção do pedágio para as pessoas com deficiência em São Paulo, o Deputado Estadual Rafael Silva apresentou o Projeto de Lei 312, ainda no ano de 2005, que pretendia isentar do pagamento de pedágio os veículos automotores de propriedade de pessoas com deficiência ou de seus responsáveis legais em rodovias estaduais.
“A medida em questão, absolutamente justa, não representa impacto significativo na arrecadação das concessionárias de rodovias estaduais. Entretanto, é de imenso e importante impacto social. Tão necessária se faz esta proposição devido à precariedade do sistema de transporte público, ainda mais cruel com quem possui dificuldades locomotoras, recordando, inclusive, a falta de ônibus adaptados para pessoas com deficiência. É oportuno ressaltar, que a isenção aqui preconizada poderá, inclusive, servir como forma de compensação aos gastos acarretados com os tratamentos e despesas da pessoa com deficiência”, afirmou Rafael Silva como justificativa para a proposta.
O tema precisou ser debatido na CCJ – Comissão de Constituição e Justiça, CTC – Comissão de Transportes e Comunicações e CFO – Comissão de Finanças e Orçamento. Em 2007 foram aprovados os três pareceres favoráveis ao projeto. Em abril de 2008 a proposta foi aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
Mas a decepção estava por vir.
Em setembro de 2008, o então governador José Serra vetou totalmente o projeto.
“No mérito, a Secretaria dos Transportes, ao posicionar-se contrariamente à medida, asseverou que, relativamente às rodovias concedidas, o acolhimento da proposta implicará na revisão dos contratos, devido aos reflexos financeiros negativos, e, quanto à malha rodoviária administrada diretamente pelo DER ou pela DERSA, poderá acarretar redução de arrecadação, em prejuízo da qualidade e a manutenção de serviços, uma vez que a cobrança de pedágio constitui modo de remuneração do Poder Público ou das concessionárias pelos investimentos feitos, incluindo obras, serviços e conservação”, afirmou Serra para justificar o veto.
Contrariando todo o trâmite na Assembleia Legislativa, inclusive passando pela aprovação em 3 (três) comissões permanentes, José Serra alegou ainda no veto que “nos termos em que formulada, a propositura interfere nos respectivos contratos de concessão, adicionando elemento novo na equação econômico-financeira, não previsto nas condições da licitação. Nessa medida, mostra-se materialmente inconstitucional, visto que os parâmetros de atuação das concessionárias estão contemplados em contratos em vigência, não sendo permitido à lei nova promover sua alteração, sob pena de ofensa, ainda, ao artigo 175 da Constituição da República”.
E se não bastasse, acabou dando um puxão de orelhas nos parlamentares estaduais. “Nesse aspecto, o texto aprovado traduz indevida ingerência do Poder Legislativo em campo próprio da atividade administrativa, o que configura afronta ao princípio da harmonia entre os Poderes, previsto no artigo 2º da Constituição Federal e no artigo 5º, “caput”, da Constituição do Estado. Quanto à malha rodoviária administrada sob o regime de concessão, mediante fiscalização pela Agência Reguladora de Serviços Delegados de Transportes do Estado de São Paulo – ARTESP, a isenção de tarifa de pedágio decorre dos termos ajustados no contrato de concessão firmado entre a Administração Pública e a empresa concessionária, em conformidade com critérios de conveniência e oportunidade definidos pelo Poder Executivo”.
Para desqualificar ainda mais a proposta aprovada pela ALESP, o Governador José Serra afirmou que “a Administração Pública tem a prerrogativa de fixar as condições para cobrança do pedágio, que deve ser suportado pelo usuário do sistema viário, em harmonia com a política tarifária prevista no ordenamento constitucional. A eventual concessão de isenção configura decisão administrativa, verdadeiro ato de gestão, que evidentemente envolve juízo de oportunidade do Poder Executivo, sob pena de ficar desfigurada a sua própria natureza constitucional de Poder ao qual incumbe a função precípua de administrar”.
Em junho de 2015 os Deputados Estaduais tiveram a opção de ‘derrubar’ o veto do Governo Estadual e manter o projeto aprovado, entretanto, a decisão foi favorável a José Serra. Em junho de 2018 o projeto foi arquivado e está empoeirando na caixa 015.01.113.
Assim como este projeto segue por todo o Brasil outras iniciativas parecidas, com um bom e merecido argumento, mas que esbarra na competência de quem realmente deve determinar a suspensão do pagamento de pedágio.
De nada adiantará os parlamentares apresentarem a proposta. O tema será longamente debatido, e pode até ser aprovado nas Comissões e pelas casas legislativas, mas pode ter o mesmo final: vetado.
Talvez seja uma ótima oportunidade para que o segmento – se realmente se unir, cobrar dos candidatos aos Governos Estaduais e a Presidência da República que revejam todos os contratos de concessões com concessionárias por todo o Brasil e insiram nos contratos termos que conceda a isenção do pedágio para as pessoas com deficiência.
Se não, apenas serão ‘balões de ensaios’ e muitas vezes com o intuito de atrair a atenção dos eleitores (PcD), mesmo os autores sabendo que o tema é inconstitucional.
José Serra é senador da República desde 2015. Em 2022 deve buscar a reeleição.