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OPINIÃO* – “Educação e Trabalho: direitos fundamentais para o exercício da cidadania”

OPINIÃO* - "Educação e Trabalho: direitos fundamentais para o exercício da cidadania"

** Marta Gil

O acesso à Educação e ao Trabalho é fundamental para que qualquer pessoa, sejam quais forem suas características, seja considerada cidadão, com os mesmos direitos e deveres.

Essa concepção ainda é recente, na história da Humanidade. Podemos tomar como marco a Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada pela Organização das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948.

Porém, parte da sociedade ainda reluta em reconhecer que grupos sociais, denominados “minoritários” têm exatamente os mesmos direitos de todos. O termo “minoritário” não representa o ponto de vista numérico, mas sim sua capacidade de incidência nas políticas públicas, de se fazer ouvir e de se representar.

Neste texto, vamos tratar do grupo formado pelas pessoas com deficiência que, em 2010, segundo o Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE, representava entre 23 e 25% da população total do país. Para alguns estudiosos, deve ter aumentado, em função da violência (em suas várias manifestações) e da condição de pobreza (com tudo o que acarreta) entre outras causas.

A garantia de direitos passa, obrigatoriamente, pela elaboração de marcos legislativos que respondam às novas situações.

A legislação brasileira passa a considerar as pessoas com deficiência, de forma mais assertiva, a partir de 1988 – data da promulgação da Constituição Federal em vigor que, por esta e outras razões, é denominada Constituição Cidadã. As pessoas com deficiência participaram ativamente de sua elaboração – pela primeira vez em nossa História.

Desde então, tornaram-se mais visíveis perante a sociedade e o ordenamento jurídico – certamente ainda não como seria desejável. Porém, já há conquistas e avanços, que merecem ser conhecidos e comemorados. A cronologia abaixo, bastante resumida, assinala pontos de inflexão, em relação aos direitos das pessoas com deficiência, fruto da combinação de esforços de pessoas com deficiência, familiares e amigos, formuladores de políticas públicas, operadores do Direito, pesquisadores, formadores de opinião – entre outros. É uma somatória de esforços, muitas vezes anônimos e invisíveis, compondo uma massa crítica que, gradualmente muda a imagem que a sociedade humana tem feito, ao longo de séculos, sobre essas pessoas: de inúteis, incapazes, coitadinhos para cidadãs e cidadãos, que têm muito a contribuir – justamente pelas habilidades adaptativas, resiliência e criatividade que precisaram desenvolver, para ocupar o seu espaço.

Dois documentos sobressaem: a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência/CDPD e a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência/LBI.

A CDPD resultou da reivindicação de diversos países junto à Organização das Nações Unidas/ONU por reconhecerem a sua capacidade de persuasão junto a governos e sua possibilidade de inspirar movimentos e entidades.

No Brasil, sua recepção foi rápida e vigorosa: em 2006, a CDPD foi homologada pela ONU; em 2007, o Brasil foi signatário; em 2008, o Decreto Legislativo 186 [1] ratificou-a com status de Emenda Constitucional e, em 2009, foi promulgada pelo Decreto Executivo 6.949[2], para fins internos.

Já a LBI vai além do âmbito da Convenção: qualquer Convenção, seja qual for o seu tema, traz valores e princípios gerais. Para que estes sejam aplicados, cada País (ou Estado Membro, na terminologia própria da ONU) deve transformá-los em lei. Esse é exatamente o motivo pelo qual a LBI foi elaborada: concretizar a CDPD, tornando-a aplicável à realidade nacional. É o que consta do Parágrafo único do Artigo 1:

Esta lei tem como base a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, ratificados pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n.o 186, de 9 de julho de 2008, em conformidade com o procedimento previsto no parágrafo terceiro do Art. 5.o da Constituição da República Federativa do Brasil, em vigor para o Brasil, n o plano jurídico externo desde 31 de agosto de 2008 e promulgados pelo Decreto n.o 6.949, de 25 de agosto de 2009, data de início de sua vigência no plano interno.

Legislação trabalhista: breve linha do tempo

1943

Decreto n.o 5.452[3]. Dispõe sobre a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), contendo artigos sobre Aprendizes com deficiência (Art. 27), empregados aposentados por invalidez (Art. 475) e trabalhadores readaptados, por motivo de deficiência física (Art.461), entre outros.

1988

Constituição da República Federativa do Brasil [4]

Dentre outros, mencionamos os seguintes Artigos:

  • Proibição de discriminação no tocante a salários e critérios de admissão (Art. 7, XXXI);
    • Proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência[5] (Art. 24, XIV);
    • Reserva de percentual de cargos e empregos públicos (Art.37, VIII);
    • Habilitação e reabilitação de pessoas portadoras de deficiência e promoção de sua integração à vida comunitária (Art. 203, V);
    • Garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (Art. 203, V);
    • Criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com eliminação dos preconceitos e obstáculos arquitetônicos (Art. 227, II).

1991

Lei nº 8.213[6], que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências.

O Art. 93 dessa lei é conhecido como “Lei de Cotas”, por sua importância: estabelece o percentual de pessoas com deficiência e reabilitadas que devem compor a reserva de vagas, para empresas com 99 empregados e mais.

2004

Decreto nº 5.296, conhecido como o “Decreto da Acessibilidade”, regulamenta as Leis nos 10.048/2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas com deficiência, idosos, gestantes, lactantes e com crianças de colo e n.o 10.098/2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências.

2008

Decreto legislativo n.o 186 [7] Aprova, com equivalência de Emenda Constitucional, o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e respectivo Protocolo Facultativo, adotada pela Assembleia Geral da ONU a partir de 13 de dezembro de 2006.

Destaques para o Art.9 (Acessibilidade), o Art. 26 (Habilitação e Reabilitação) e o Art.27 (Trabalho e Emprego).

2009

Decreto n.o 6.949[8]. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007.

2015

BRASIL. Lei nº 13.146[9]. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) [10].

Acesso à Educação

Para que as pessoas com deficiência tenham acesso ao mercado de trabalho e possam, além de ingressar, desenvolver uma carreira profissional é importante que tenham acesso à educação, que seja inclusivo, de qualidade e com condições de aprendizado ao longo de sua vida, como consta do Art. 24 da CDPD e do Capítulo IV da LBI – “Do Direito à Educação” (Art. 27 ao Art. 29).

Recorrendo à Constituição Federal (1988), constatamos que:

Art. 205: a educação é considerada como um direito de todos, garantindo o pleno desenvolvimento da pessoa, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho.

2008

Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva [11]

Esse documento contém diretrizes que embasam políticas públicas de  inclusão escolar.

Esclarece, ainda, que a Educação Especial é uma modalidade de ensino que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades; oferece o atendimento educacional especializado; disponibiliza recursos e serviços apropriados e orienta quanto a sua utilização no processo de ensino e aprendizagem no ensino regular.

Esse Documento está baseado na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

2013

Lei nº 12.796[12]Altera a Lei no 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), para dispor sobre a formação dos profissionais da educação e dá outras providências.

Os artigos que abordam a Educação Especial são

Art. 4 – Sobre Atendimento Educacional Especializado/AEE gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino;

Art. 58 – Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.

Art. 59 – Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação:

I – currículos, métodos, técnicas, recursos educativos específicos, para atender às suas necessidades;

II – terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados;

(…)

IV – educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora.

2019

Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica [13]. Resolução CNE/CP n º 2.

Elaborada pelo Ministério da Educação/ Conselho Nacional de Educação/ Conselho Pleno, define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação).

Concluindo, é possível constatar como Educação e do Trabalho, além de serem direitos inalienáveis e indisponíveis de todos – incluindo pessoas com deficiência e outras “minorias” – se complementam. Mais do que isso, são cada vez mais exigidas, no cenário posto pela Economia 4.0. Estatísticas oficiais comprovam o aumento contínuo de matrículas, desde 2008, em todos os níveis educacionais.

A partir da garantia de exercício destes direitos – permeados pela Acessibilidade, considerada um “direito-meio” – a pessoa com deficiência amplia perspectivas, autoestima e independência. Tem acesso a bens de consumo, lazer, cultura e desenvolve seu potencial. Um novo segmento de mercado começa a se constituir, com novos serviços e produtos.

Um círculo virtuoso vai se estabelecendo: pessoas até então vistas como “incapazes” passam a contribuir para o desenvolvimento social e a pagar impostos. São cidadãs. São personagens de novelas, estão nos shoppings centers, ruas, teatros e cinemas; estimulam o turismo e a indústria da moda, praticam esportes e participam de seminários. A sociedade ganha com a Inclusão!

Artigo publicado no volume 2 da coletânea “A Deficiência & os Desafios para uma sociedade inclusiva”, Editora Foco, 2022.

* OPINIÃO reflete apenas e somente o ponto de vista do autor. A reprodução é autorizada, desde que citada a fonte.

** Marta Gil é Socióloga graduada pela Universidade de São Paulo (USP). Fundadora e Coordenadora Executiva do Amankay Instituto de Estudos e Pesquisas, que atua na Comunicação e Disseminação de informações para inclusão de Pessoas com Deficiência sobre Educação e Trabalho; empreendedora social reconhecida pela Ashoka Empreendedores Sociais.

Projetos recentes: Coordenação e texto da publicação “Incluir, o que é, como e por que fazer?”, realização da Organização Mundial do Trabalho (OIT) e Ministério Público do Trabalho (MPT); Coordenação do curso “Inclusão com Acessibilidade no Trabalho”, realização do Ministério Público do Trabalho (MPT), com 26 videoaulas e respectivos textos.


[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/CONGRESSO/DLG/DLG-186-2008.htm  Consulta 20/03/2020.

[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm  Consulta 20/03/2020.

[3] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm Consulta 17/03/2020

[4] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Consulta 17/03/2020.

[5] “Pessoa portadora de deficiência” – nomenclatura utilizada na época. Termo utilizado atualmente: “pessoa com deficiência”.

[6] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm  Consulta 17/03/2020.

[7] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/CONGRESSO/DLG/DLG-186-2008.htm Consulta 17/03/2020.

[8] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm Consulta 17/03/2020.

[9] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm Consulta 17/03/2020.

[10] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm Consulta 20/03/2020.

[11] http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=16690-politica-nacional-de-educacao-especial-na-perspectiva-da-educacao-inclusiva-05122014&Itemid=30192 Consulta 20/03/2020.

[12] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/L12796.htm  Consulta 20/03/2020.

[13] http://portal.mec.gov.br/docman/dezembro-2019-pdf/135951-rcp002-19/file Consulta 20/03/2020.

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