** Por Por Carolina Ignarra
Setembro verde, iniciativa que tem como objetivo reforçar a importância da acessibilidade e da inclusão da pessoa com deficiência. O mês foi escolhido por ser comemorado, no dia 21 de setembro, o ‘Dia Nacional da Luta das Pessoas com Deficiência’ (21/9) e ouso dizer que a verdadeira busca das pessoas com deficiência continua sendo a acessibilidade em todas as suas esferas. Sem acessibilidade não há inclusão e vai muito além de uma rampa ou um banheiro acessível. Segundo Romeu Sassaki, especialista em inclusão, a acessibilidade ocorre em sete dimensões: atitudinal, arquitetônica, programática, metodológica, instrumental, comunicacional e natural.
É por meio da promoção da acessibilidade que a gente mede a real intenção da inclusão. Ela é um direito e não privilégio. É fundamental para nos ajudar a ultrapassarmos as barreiras que nos excluem do mercado de trabalho, das escolas, dos espaços para entretenimento, cultura, lazer etc.
A falta de acessibilidade nos oprime e nos impede de estarmos mais presentes na sociedade, nos priva de tantos direitos inclusivos e direitos de consumir. E se não somos percebidos, não somos considerados. Nós queremos e precisamos dessa visibilidade, para aumentarmos nossa representatividade, não só em setembro. O ano todo.
A própria medição do tamanho da população com deficiência aqui no país é um desafio. Os números são incongruentes. O último Censo, realizado em 2010, apontou que o Brasil contabilizava 45 milhões de brasileiros com deficiência, cerca de um quarto da população do país. Porém, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) feita pelo próprio IBGE em 2019, apontou que somente cerca de 17,3 milhões, ou seja, 8,4% da população brasileira com idades acima dos dois anos têm algum tipo de deficiência.
Mesmo assim, o Censo 2022 vai questionar se há ou não pessoas com deficiência nos domicílios apenas a cada 10 casas entrevistadas. O que mais uma vez pode distorcer a realidade sobre essa contagem. A falta de dados precisos atrapalha a inclusão produtiva. Em tempos de eleições, é preciso lembrar que essa parcela importante da população também tem demandas urgentes com a saúde, a educação, a economia, a mobilidade urbana e o mercado de trabalho.
Outros desafios estão no desbloqueio de vieses que as pessoas que não convivem com as pessoas com alguma deficiência criam por falta de entendimento sobre nossas capacidades.
A Lei de Cotas é uma das ações mais afirmativas que esse país já criou para estimular a inclusão. Ela tem aberto vagas nas empresas e, a partir delas, têm aberto também o entendimento sobre equidade e sobre como a diversidade pode ser benéfica para inovações e reputação mais cidadã das empresas.
Mais que contratar, a inclusão de pessoas com deficiência tem aberto um caminho importante para a inclusão produtiva. Desde o processo seletivo inclusivo até o acompanhamento regular do desenvolvimento de carreira de cada profissional. Somos profissionais e a deficiência é uma das nossas características. Não tem nada a ver com a eficiência ou a falta dela.
Mesmo com a lei, 46,98% das empresas no Brasil ainda resistem em aumentar a inclusão das pessoas com deficiência e não cumprem a Lei de Cotas. Segundo os últimos dados da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais solicitada pelo Ministério do Trabalho e Emprego) de 2019, das 9 milhões de pessoas com deficiência aptas para o trabalho, apenas 530 mil estão empregadas no país. A qualidade dessas vagas também é outro desafio. Não podemos apenas servir aos cargos iniciais. Podemos e devemos ter acesso aos cargos de liderança.
Precisamos estar nos debates políticos, nos cinemas, nos teatros, nas academias, nas escolas, nas ruas, nas campanhas publicitárias, nas novelas. Estamos vivenciando diariamente situações que excluem as pessoas com deficiência trabalhos artísticos. É o que ficou conhecido como ‘cripface’, uma prática capacitista em que os personagens com deficiência são interpretados por atores sem deficiência em peças, novelas, propagandas, modelos fotográficos. Essa atividade, além de não representar a realidade, exclui ainda mais os atores com deficiência dessa atividade e impede o desenvolvimento de novos talentos.
O cripface é expressão que surgiu nos EUA, derivada da junção de duas palavras em inglês: crippled (sinônimo de disable, que significa deficiência) e face (rosto). É inspirada em outra expressão que também é de origem norte-americana, o Blackface, quando artistas brancos pintavam o corpo e o rosto de preto para representar pessoas negras.
Há mais de duas décadas, a Oficina dos Menestréis, grupo de teatro dirigido bravamente por Deto Montenegro, oferece cursos e oficinas para pessoas com diversas deficiências atuarem e se apresentarem em espetáculos de arte e a deficiência faz parte dos artistas. É assim que se promove a inclusão. Mudando de atitude e acreditando que uma pessoa tem seus talentos, além das suas características.
Para entender sobre nossos desafios, é preciso que cada um meça seu nível de inclusividade e se construa novamente, reagindo contra os preconceitos e se convertendo de fato para a inclusão, agora na posição de aliado que, além de aplausos, abre caminhos para a acessibilidade de todas e todos, independente de religião, gênero, raça, cor e deficiência. Assim, o mundo inclusivo será o melhor mundo para qualquer pessoa, não apenas em setembro.
- * OPINIÃO reflete a posição de seu autor
- ** Carolina Ignarra é CEO e fundadora da Talento Incluir, consultoria que já incluiu mais de 8 mil profissionais com deficiência no mercado de trabalho. É influencer do LinkedIn e está entre as 20 mulheres mais poderosas do Brasil da revista Forbes em 2020.