O universo gamer é uma das áreas que mais vem crescendo nos últimos anos e concomitantemente a isso, também é responsável por inúmeros avanços em torno da busca pela diversidade. O setor está proporcionando cada vez mais pluralidade e inclusão, com a visão de atração de novos jogadores. No entanto, ainda existem inúmeras barreiras.
Um estudo recente da Royal National Institute of Blind People (RNIB) de julho deste ano, mapeou que entre os cerca de 500 entrevistados, mais de 70% acreditavam que os videogames ainda não tinham recursos de acessibilidade suficientes e embora haja uma movimentação de empresas e da indústria como um todo na melhoria de serviços quanto ao seu uso, ainda há muitas dificuldades, tanto em relação à introdução aos jogos quanto a prática diária para as Pessoas com Deficiência.
Existem poucas pessoas que conseguem furar essa “bolha” e uma delas é Gabriel Machado Cabral, o “Machadinho”, influencer de 22 anos e produtor de conteúdo da TropiCaos, organização de esportes eletrônicos e entretenimento.
Aos 2 anos de idade foi diagnosticado com Amiotrofia Muscular Espinhal (AME), uma doença degenerativa que afeta principalmente os braços, as pernas e a coluna e aos 6 anos passou por uma cirurgia de escoliose, por possuir muitas dores na espinha dorsal. Entretanto, o procedimento deu errado quase culminando em sua morte. “A barra de ferro perfurou minhas costas, ficou bem exposta. Foi uma época difícil para minha família. Se não me engano, também atingiu gravemente um dos meus pulmões”, conta.
O “start” nos games
Recuperado física e psicologicamente do trauma, Machadinho encontrou apoio nos videogames. Segundo ele, o universo digital tornou-se uma “válvula de escape” por conta da falta de acessibilidade nas ruas e pelas dificuldades logísticas do dia a dia. Influenciado em grande parte pelo seu irmão mais velho, que trazia seus amigos para jogarem em casa, Gabriel foi criando uma relação cada vez mais íntima e afetiva com os jogos.
Em 2014, participou de uma competição de bocha adaptada, onde disputou a seletiva nível escolar do Estado de São Paulo, ficando em 1º lugar e depois, foi classificado para as Paraolimpíadas Escolares, na qual alcançou a 3ª posição em nível nacional. Com a conquista, Gabriel recebeu uma bolsa atleta, na qual rendia aproximadamente uns 450 reais por mês, valor que utilizou para comprar o seu primeiro computador por 4 mil reais em 2017.
Desde então, o jovem vem se dedicando a criar conteúdo gamer, sempre trazendo um espectro de proporcionar uma visão mais analítica e crítica sobre a acessibilidade. Com passagem pela Detona, Machadinho se tornou referência como streamer, até que em agosto de 2021, recebeu convite do João Gabriel (Jotinha), Diretor Esportivo da TropiCaos para se tornar o novo membro da equipe. A sua primeira iniciativa como parte da organização foi a divulgação promocional da equipe de Rainbow Six City, realizada na Max Arena, na Mooca. “Conheci a parte da infraestrutura e tivemos uma reunião, na qual foi me apresentado todo o staff, com isso pude ter um primeiro contato com pessoas que ainda não tinha visto pessoalmente. Foi muito gratificante perceber o enorme esforço que fizeram para me ter. Desde o início me senti acolhido, a TropiCaos tinha um plano de carreira muito interessante para mim e para a comunidade da PcD como um todo”, relata.
Nada de game over
Embora tenha se tornado rapidamente uma referência do universo dos games e conquistado muito público através do seu carisma, Machadinho ainda recebe injúrias por conta da sua deficiência, o que resultou em uma crise de Síndrome de Burnout. Para superar esse momento difícil, o jovem conta que encontrou suporte em sua família, amigos e na TropiCaos que foram fundamentais para que passasse por esse momento turbulento e retomasse o gosto pelos esportes eletrônicos.
“De volta ao jogo”, Machadinho agora faz planos ainda mais ousados. Seu maior objetivo atualmente é que as pessoas com deficiência façam cada vez mais parte dos eSports. Para isso, ele planeja fazer campeonatos voltados para esse público e criar campanhas que pressionem as grandes corporações a focar seus esforços na construção desse cenário. “Ser gamer basta se conectar, seja para competir ou jogar casualmente, fazer amizades, contar e desbravar histórias, criar marcos, quebrar recordes! Você não precisa ser bom para ser considerado gamer, basta apenas jogar, jogar com amor”, conclui.
Apesar de ser reconhecido em diversos eventos, como a própria BGS e já ter conquistado uma legião de fãs, Machadinho não gosta de pensar ser uma inspiração para outros jogadores que possuem suas mesmas dificuldades, mas mais um apoiador da causa que luta incessantemente pelo direito à igualdade de oportunidades para as pessoas com deficiência. Quanto ao futuro, o jovem reforça que é importante lutar pelos seus sonhos e jamais desistir diante das adversidades. “Se ouvisse muitas pessoas nunca estaria onde estou hoje. No início tudo parece difícil, mas com perseverança uma hora as coisas acontecem”, finaliza.