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  • sáb. nov 23rd, 2024

AMPID aponta discriminação em concurso público para ingresso na carreira de juiz do trabalho

AMPID aponta discriminação em concurso público para ingresso na carreira de juiz do trabalho

O Diário PcD teve acesso a NOTA DE REPÚDIO AO EDITAL N° 1/2023 DO II CONCURSO PÚBLICO NACIONAL UNIFICADO PARA INGRESSO NA CARREIRA DA MAGISTRATURA DO TRABALHO QUE PRIVILEGIA PESSOAS COM VISÃO MONOCULAR PARA A RESERVA DE CARGOS DENTRE CANDIDATOS E CANDIDATAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL (ITEM 4.3, ALÍNEA E).

No documento, a AMPID – Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Idosos (AMPID) afirma que tomou “ciência do Edital n° 1/2023 do segundo concurso público nacional unificado para o ingresso na carreira da magistratura do trabalho e verifica que permite somente pessoas com deficiência com visão monocular serem candidatas às vagas reservadas, dentre as pessoas com deficiência visual, conforme se lê no item 4.3, alínea e do referido edital”.

Confira a íntegra da NOTA DE REPÚDIO:

1. DA AVALIAÇÃO BIOPSICOSSOCIAL

Verifica-se que muito embora o artigo 73, parágrafo 1º, da Resolução n° 75/2009 do CNJ, alterado pela Resolução n° 208/2015, conceitue a deficiência segundo o modelo biopsicossocial, decorrente da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) e Lei n° 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), segundo o qual considera-se deficiência os impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas, o item 4.2 do Edital menciona, tão somente, o Decreto n° 3.298/1999 que contém o antigo e revogado modelo médico, e a súmula 377 do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

4.2 Consideram-se pessoas com deficiência aquelas que se enquadram nas categorias definidas no art. 4º do Decreto Federal nº 3.298/1999 e na Súmula nº 377 do Superior Tribunal de Justiça – STJ.

Embora o edital faça referência a outras deficiências no item 4.3.2, ao expressar o item 4.2, ignora a definição biopsicossocial que tem caráter constitucional e deixa de considerar a pessoa com transtorno do espectro autista que tem previsão própria na Lei nº 12.764/2012 (artigo 1º parágrafo 1º).

2. DO PRAZO DE VALIDADE DO “ATESTADO MÉDICO”

O item 4.3.2 do Edital prevê que o atestado médico deverá ter sido emitido em no máximo, 30 dias antes da data da publicação do edital para pessoas com deficiência visual e 6 meses para pessoas com deficiência auditiva:

4.3.2 O atestado médico, que deverá ter sido emitido, no máximo, 30 (trinta) dias antes da data da publicação deste edital, deverá conter:

a) a espécie e o grau ou nível da deficiência, com expressa referência ao código correspondente da Classificação Internacional de Doença – CID, bem como a causa da deficiência;

b) a indicação de órteses, próteses ou adaptações, se for o caso;

c) a deficiência auditiva, se for o caso, hipótese em que o atestado deverá estar acompanhado de audiometria recente, datada de até 6 (seis) meses antes, a contar da data de início do período de inscrição;

d) a deficiência múltipla, constando a associação de duas ou mais deficiências, se for o caso; e

e) a deficiência visual, se for o caso, devendo o laudo estar acompanhado de acuidade em pelo menos um dos olhos, patologia e campo visual.

Embora conste da Resolução n° 75/2009, o prazo de 30 dias é exíguo para a apresentação de laudo biopsicossocial (ou atestado médico) e implica ônus desproporcional à pessoa com deficiência, pois o pequeno tempo de validade do documento não permite a utilização de laudos obtidos em um passado próximo. Lembremos que a pessoa é considerada com deficiência quando o impedimento é de longo prazo para todas as naturezas sensorial, físico, mental ou intelectual. Assim, um laudo emitido há 3 anos, por exemplo, terá o mesmo efeito que aquele produzido há 30 dias.

A exigência de laudo médico como único documento hábil a comprovar a deficiência igualmente contraria o modelo biopsicossocial e implica em indevido e injustificável retrocesso ao modelo médico da deficiência, já superado.

3. DO IMPEDIMENTO DE PESSOAS CEGAS SE INSCREVEREM NO CONCURSO PÚBLICO PARA MAGISTRATURA DO TRABALHO

O item 4.3.2 do edital exige que a deficiência visual seja acompanhada de laudo que apresente acuidade em pelo menos um dos olhos:

e) a deficiência visual, se for o caso, devendo o laudo estar acompanhado de acuidade em pelo menos um dos olhos, patologia e campo visual;

Isso significa dizer que estão excluídas do certame público TODAS PESSOAS CEGAS?

Sim, pois se exige acuidade visual em pelo menos um dos olhos. Tal exigência não encontra amparo constitucional e legal e possibilita apenas a participação de pessoas com visão monocular, estando excluídas as pessoas com cegueira total e as pessoas com cegueira legal, ou quem ainda conserva algum resíduo visual, sem contudo poder ler textos em papel/tinta. Para qualquer das situações, não há justificativa para excluir a participação de pessoas sem acuidade visual e/ou permitir a participação daquelas pessoas que, mesmo com alguma escassa acuidade, também não possa realizar a leitura visual.

Embora o artigo 74 da Resolução n°75/2009 elenque documentos adicionais que podem ser exigidos da pessoa com deficiência como o de preencher outras exigências ou condições constantes do edital de abertura do concurso (inciso II, artigo 74), referidas exigências devem ser interpretadas segundo o princípio da legalidade, ao qual está adstrito a Administração Pública, e terem o amparo da lei além de não colidir com o princípio da proporcionalidade.

Lembre-se que a CDPD no artigo 27, parágrafo 1º, alínea a, proíbe a discriminação baseada na deficiência em relações de emprego, incluídas as condições de recrutamento, contratação e admissão.

Lembre-se, também, que em dois dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRF3 e TRT-9ª) há desembargadores federais cegos (sem nenhuma acuidade visual) que autorizam a concluir que pessoas cegas podem ser magistradas e que não podem ser excluídas de certames públicos devendo lhes ser colocadas à disposição todos os recursos de acessibilidade, adaptação razoável e tecnologia assistiva para a realização das provas.

Observe-se, por último, que referida exigência de acuidade em pelo menos um dos olhos parece colidir com a disposição do item 4.13 do Edital, que enuncia que “A avaliação sobre a compatibilidade da deficiência com a função judicante será empreendida no estágio probatório a que se submeterá o(a) candidato(a) aprovado(a)no certame”, além da avaliação por equipe multiprofissional de apoio ao concurso público, prevista no item 4.14 do Edital: O(A) candidato(a) com deficiência submeter-se-á, na mesma ocasião do exame de sanidade física e mental, à avaliação da Comissão Multiprofissional quanto à existência de deficiência e sua extensão, nos termos do art. 75 da Resolução nº 75/2009 do CNJ.

A AMPID espera sejam procedidas as alterações quanto aos itens 4.2, 4.3.2, 4.3.2.e – este último desproporcional e violador do princípio da igualdade – pois as inscrições para o concurso público ocorrem no período de 09.01.2023 a 15.02.2023, tendo 300 vagas para o cargo de Juiz e Juíza do Trabalho Substituto(a), das quais 5% estão reservadas para candidatas e candidatos com deficiência.

Brasília, 18 de janeiro de 2023.

Cristiane Lucas Branquinho – Presidenta

Fernando Gaburri de Souza Lima – Diretor/Nordeste

Maria Aparecida Gugel – Conselho Científico

Para acessar  o documento em PDF, clique aqui: NotaPublica_ConcursoJuizTrabalho_2023

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