ATUALIZAÇÃO ÀS 13h47 – 10/02/2023
Pelas redes sociais, o governo de São Paulo escreveu. “Erramos. É importante esclarecer que o entendimento do Governo de São Paulo é que o diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista é permanente e, portanto, os direitos serão definitivos. Falhamos ao deixar passar uma redação que não deixasse clara essa postura. Agora, vamos aperfeiçoar o projeto, ampliar e incluir outras deficiências neste laudo definitivo. Para isso, vamos chamar a sociedade civil e entidades para discutir com responsabilidade o assunto e trabalhar para avançar com políticas públicas efetivas.
O governador de São Paulo Tarcísio de Freitas enfrenta um segundo embate com o segmento da Pessoa com Deficiência em menos de 45 dias de governo. O primeiro foi quando decidiu transformar a Secretaria Estadual da Pessoa com Deficiência em uma Coordenadoria. Manifestações aconteceram em todo o Brasil e ele manteve a pasta.
O novo embate passou a ser travado com parte da comunidade autista.
Nesta semana o governo paulista causou novo descontentamento em todo o Brasil após tomar a decisão de vetar o prazo de validade indeterminado aos laudos médicos que atestem o TEA – Transtorno do Espectro Autista que havia sido aprovado pela ALESP – Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
O executivo vetou o Projeto de Lei 665/2020 do Deputado Estadual Paulo Correa Junior afirmando que “vejo-me compelido a vetar totalmente a propositura, em razão do inafastável vício de inconstitucionalidade que contém e por contrariar o interesse público”.
Em entrevista, o parlamentar responsável pela proposta disse que “tenho convicção de que ele não viu, foi uma orientação da área técnica. O que deve ter ocorrido foi um erro da área técnica que ele não viu”.
Andrea Werner – eleita deputada estadual em 2022, afirmou que “assim que eu tomar posse em 15 de março, pretendo protocolar um projeto de lei para que todas as deficiências permanentes tenham laudo com prazo de validade ilimitado no estado, e gostaria muito que o governador reconsiderasse a decisão neste novo PL”.
Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde, que sugeriu o veto ao governador, “esclarece que a forma como foi redigido o parecer pode dar margem para uma interpretação equivocada em relação ao que entende a Secretaria sobre as questões relacionadas ao transtorno do espectro autista (TEA), que é uma deficiência crônica e permanente. A SES está em tratativas com o poder legislativo a fim de realizar uma discussão mais ampla sobre o tema. Além disso, a SES também entende que é necessário ampliar a discussão para que outras deficiências consideradas permanentes cujos atestados ainda não possuam prazo de validade indeterminado, sejam igualmente beneficiadas com a medida”.
O apresentador de televisão Marcos Mion, pai de Romeo (com TEA) se manifestou nas redes sociais. “Mais uma vez estou aqui pra comentar a decisão do Governo do Estado de São Paulo, liderado pelo governador Tarcísio de Freitas, que é um dos maiores desserviços que eu já vi na minha vida. O Governo afirma que diagnóstico de Autismo é mutável e pode deixar de existir. Isso é um absurdo. Essa fala veio depois de eles darem uma negativa para aprovar um Projeto de Lei que previa a validade indeterminada para laudos médicos que atestem o TEA. Que tristeza ouvir isso. Que fique claro: autismo não é uma doença governador e por isso não tem cura, não passa como uma dor de cabeça e já era”.
Já para Fábio Cordeiro – Presidente da ONDA-Autismos – Organização Neurodiversa pelos Direitos dos Autistas, “tal decisão é extremamente prejudicial à comunidade do autismo que já passa diariamente pela falta de acesso aos serviços e direitos por causa das muitas barreiras que enfrentam na sociedade. O laudo por tempo indeterminado seria uma manobra de acessibilidade legal que traria menos empecilhos para as famílias e ajudaria muito na causa. O Autismo não é uma doença, mas sim uma condição de existência e uma deficiência, inclusive com previsão na constituição federal, logo, não caberia tal argumento. Também, por fim, não cabe a afirmação do veto de que o autismo ‘pode passar’ após determinada idade já que as evidências científicas já trazem muito claramente como uma condição de ordem genética e que acompanha o indivíduo por toda sua vida. Preocupante o fato de que, segundo as informações, essas justificativas foram colocadas pela área técnica da área de saúde do Governo do Estado. A ONDA-Autismos, entendendo que tal veto tenha ocorrido por uma má orientação, coloca-se a disposição, com todo seu conselho de profissionais especialistas na área para esclarecimentos acerca do tema”.
Silvana Kruger Frizzo, neuropediatra, afirma que “sobretudo em casos leves, se a criança for tratada precocemente e aprender com as terapias, ela consegue se adaptar e contornar os sintomas. Mas vai ter autismo para o resto da vida, porque é crônico. Não quer dizer que a pessoa regrediu, mas aparecem novidades esperadas do transtorno, porque cada paciente tem seu combo de sintomas. Ela não piorou, porém surgiu algo na vida que ela não conseguiu lidar e está sintomatizando”.
Em entrevista, Rudimar Riesgo, neuropediatra e professor de Medicina da UFRGS, disse que “sob ponto de vista neuropediátrico, não existe possibilidade de que deixe de existir, mesmo nas suas formas leves e tratadas adequadamente. Realmente o TEA pode ser mutável. Mas ele não se extingue, em absoluto. Todas as formas de terapia para o TEA servem, em última análise, para minimizar os sintomas dos casos graves e moderados, bem como propiciar para a criança os recursos para viver com a maior independência possível”.
Mudando de posição
Com a forte repercussão sobre a decisão em vetar o prazo indeterminado para o laudo, o governo já admite ser favorável ao projeto e apoiar a validade indeterminada dos laudos, mesmo considerando “conveniente uma revisão dos casos em que o diagnóstico inicial tenha sido realizado antes dos 18 meses”.
Interlocutores de Tarcísio afirmam que ele prepara uma estratégia para derrubar o próprio veto, pedindo que os parlamentares de sua base na ALESP derrubem a decisão. Hoje existem – ao menos, mais de 500 assuntos na pauta para que a os parlamentares discutam como manutenção ou derrubada de veto. O início da manobra seria colocar o tema como prioridade no parlamento.
O governo também admite elaborar uma proposta mais ampla, que proponha prazo de validade indeterminado para todas as deficiências consideradas permanentes.