Segundo dados do Índice Global de Desigualdade de Gênero publicado pelo Fórum Econômico Mundial em 2021, o Brasil tem a segunda pior desigualdade de gênero na América Latina — e não fez progressos significativos nos últimos anos. A questão é ainda mais preocupante para meninas e mulheres com fissura labiopalatina não tratadas, que enfrentam dificuldades sociais, físicas e psíquicas.
“Além das dificuldades em ouvir, falar, comer e até mesmo respirar, o estigma relacionado à condição prejudica a autoestima e o desenvolvimento social. O tratamento multidisciplinar é essencial e permite mais qualidade de vida”, explica Daniela Tanikawa, cirurgiã plástica craniofacial e membro do conselho médico consultivo da Smile Train, maior organização do mundo dedicada à causa da fissura labiopalatina.
A fissura ocorre quando certos elementos e estruturas do corpo não se fundem durante a gestação e acabam afetando a formação do lábio e/ou o céu da boca. O tratamento adequado é determinante para a recuperação dessas pacientes que estão predispostas a vivenciar situações à margem da sociedade. Em um recorte de gênero, a desigualdade, discriminação e falta geral de oportunidades que as mulheres enfrentam quando comparadas aos homens, se tornam ainda maiores quando não recebem o tratamento multidisciplinar de que precisam, ficando suscetíveis a vivenciar episódios violentos como estigma, assédio e isolamento.
“Para uma questão complexa, existe um tratamento eficaz. Mas é necessário que as informações cheguem aos familiares e cuidadores, assim como saber que existe uma rede de apoio para as mães que ficam responsáveis pelos cuidados integrais de seus filhos fissurados”, reforça a especialista, que é uma das representantes de um contingente de mulheres à frente do setor de saúde no Brasil.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres representam 65% dos mais de seis milhões de profissionais da saúde dispostos nos setores público e privado no país, em todos os níveis de complexidade da assistência. São elas que também lideram as iniciativas e pesquisas voltadas para o tratamento da fissura labiopalatina.
Os desafios de gênero dessas profissionais consistem no reconhecimento do mercado de trabalho, bem como remuneração compatível a seus pares masculinos em cargos iguais. “Dar voz às mulheres, sejam elas pacientes, mães, cuidadoras e/ou profissionais da saúde é uma forma legítima de empoderamento. Estando saudáveis e plenas, com acesso à saúde e ao tratamento multidisciplinar de que necessitam, é possível lutar por um mundo melhor”, finaliza Daniela.
Sobre a fissura labiopalatina: as fissuras atingem uma criança a cada 650 nascidas no Brasil. Elas afetam os aspectos estético, funcional e emocional dos indivíduos. Esteticamente, podem deformar as feições do paciente. Funcionalmente, acarretam dificuldades para sucção, deglutição, mastigação, respiração, fala e audição. Do ponto de vista emocional, as fissuras podem comprometer o ajustamento pessoal e social do indivíduo.