* Por Carolina Ignarra
Historicamente, o capacitismo sempre foi uma barreira que atrasa ou impede a chegada das pessoas com deficiência ao mercado de trabalho, de forma justa, digna e com a equidade necessária. Há quase duas décadas trabalhando para levar e aprimorar a cultura de inclusão nas empresas, nas escolas, nos hotéis etc. percebemos que a disposição para a inclusão tem de fato aumentado. Pode ser efeito da onda ESG que tem aberto esse diálogo mais efetivamente nas empresas.
O estudo ‘Radar ESG 2023’, realizado pela Infosys (NYSE: INFY), empresa de consultoria e serviços digitais, aponta que os investimentos em ESG nas organizações devem chegar a US$ 53 trilhões até o ano de 2025. O estudo contou com mais de 2,5 mil executivos de empresas com receita anual superior a US$ 500 milhões, de países como EUA, Reino Unido, Alemanha, França entre outros.
Para 90% das pessoas entrevistadas, as iniciativas de ESG geram retornos financeiros para as empresas e, na opinião de 41% deles, esses retornos aconteceram de dois a três anos. Outro dado que chama a atenção no estudo é o que aponta que as empresas ainda focam mais nos benefícios para a marca do que nos resultados financeiros, o que tratamos conceitualmente como atitude inclusiva por conveniência. Além disso, o estudo identificou que as empresas atuam com mais intensidade nas questões ambientais. Porém, o levantamento deixa evidente que aquelas que se dedicam mais às iniciativas sociais e de governança geram melhores lucros. Mas, qual a relação desse cenário com o capacitismo?
O fato é que os dados revelam quantas oportunidades existem ainda a serem captadas por meio do investimento no “S” da sigla ESG. Uma delas, sem dúvida, será deixar de direcionar recursos para treinar comportamentos. O capacitismo custa caro para aquelas que estão dispostas a promover a inclusão de pessoas com deficiência de forma produtiva. O comportamento anticapacistista também deverá, cada vez mais, tornar-se uma ‘softskill’ em ascensão e valorizada pelo mercado.
Essa cultura já está amadurecendo nas empresas que valorizam a inclusão nos seus propósitos. Mais que abrir vagas e criar grupos de afinidade para manter o tema vivo nas empresas, é preciso aumentar as oportunidades para fazer as pessoas com deficiência chegarem aos cargos de liderança. Por que elas ainda não estão lá?
Colocar essa trilha da inclusão numa linha do tempo nos traz a percepção de quantas processos e fases amadurecemos. O que antes era apenas uma imposição de lei — a Lei de Cotas — também se tornou a porta de entrada para avançar em processos seletivos mais inclusivos, diálogos sobre inclusão com equipes e gestão, sensibilização das diretorias para foco no tema, até mesmo unir forças com ONGs e Institutos especializados em formação profissional para aprimorar a qualificação e aumentar as oportunidades das pessoas com deficiência.
Ainda com tantos novos processos, a inclusão de pessoas com deficiência sempre estaciona no mesmo lugar. A continuidade de carreira. Para avançar mais nesse tema, é preciso atuar na atitude mais transformadora contra o capacitismo: a convivência. Conviver com pessoas com deficiência é a melhor forma de conhecê-las para incluí-las de forma natural.
Subestimar uma pessoa por sua deficiência é tão capacitista quanto superestimá-la. As pessoas com deficiência não têm superpoderes só porque trabalham. O que as pessoas com deficiência precisam é ser encarados com naturalidade, considerando as suas limitações.
A prática do capacitismo atinge a pessoa com deficiência de diferentes maneiras, como o acesso ao meio físico e a criação de barreiras para que exerçam atividades independentes e barreiras socioemocionais, quando são tratadas como incapazes, dependentes, sem vontade ou capacidade para tomar decisões.
Temos que assumir que somos capacitistas em desconstrução e a melhor forma de fazer isso é buscar informação, ler bons livros sobre o tema, seguir nas redes sociais as pessoas com deficiência que trazem informação de qualidade, contribuem para essa construção e devem ser compartilhadas.
Precisamos promover mais esse “letramento” de inclusão por meio do aumento da convivência. É assim que os gestores e as equipes vão compreender que a deficiência não tem relação alguma com a eficiência de uma pessoa. Daí para frente, ficará mais fácil cancelar os vieses do capacitista que impedem os talentos de avançar em suas carreiras, com a sensação de pertencimento e acolhimento.
Ainda há muito a ser feito para aumentar a inclusão. As iniciativas precisam contemplar a cultura de inclusão lá na ponta, desde a escola. Pois assim, os esforços que realizam hoje para aplacar os efeitos do capacitismo nas empresas seriam melhores empregados.
Não basta ser anticapacitista. É preciso ser atuante dentro e fora da empresa no desbloqueio do potencial de profissionais que podem e devem ser protagonistas de suas próprias carreiras, de seus talentos, para que possam consumir, movimentar a economia do país e buscar a dignidade, o reconhecimento e o direito de se desenvolverem como pessoas e como cidadãos.
*Carolina Ignarra é CEO e fundadora da Talento Incluir, consultoria que já incluiu mais de 8 mil profissionais com deficiência no mercado de trabalho. É influencer do LinkedIn e está entre as 20 mulheres mais poderosas do Brasil da revista Forbes em 2020. Em 2018, foi eleita a melhor profissional de Diversidade do Brasil, segundo a revista Veja, da editora Abril.