Dia 1° de maio é tradicionalmente uma data para debater os direitos dos trabalhadores. Afinal, o trabalho é um direito de todos. Apesar disso, muitas pessoas enfrentam barreiras e preconceitos na tentativa de conseguir uma oportunidade de emprego. Um público que historicamente sofre com essa questão são as pessoas com deficiência.
Os números mostram que o Brasil ainda tem muito a evoluir: segundo a última Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada em 2019 e divulgada em agosto de 2021 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma a cada quatro pessoas com deficiência com 14 anos ou mais estão desocupadas — o que representa mais do que o dobro dos desocupados sem deficiência.
Quando se trata de deficiência intelectual, os números são ainda mais preocupantes. De acordo com dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) – um relatório de informações socioeconômicas solicitado pelo Ministério do Trabalho e Emprego anualmente às empresas – em 2019, as pessoas com deficiência ocupavam 1,09% das vagas de empregos formais. Em 2020, caiu para 1,07%. Em relação ao estoque de empregos por tipo de deficiência, os trabalhadores com deficiência intelectual ocupam o último lugar do público contratado (9,23%), antecedidos por aqueles com deficiência visual (16,68%), auditiva (17,89%) e física (44,46%).
Desde 1991, existe no Brasil a Lei nº 8.213, conhecida como Lei de Cotas, que determina que toda empresa com 100 ou mais funcionários é obrigada a preencher de 2% a 5% dos seus cargos com pessoas com deficiência. Recentemente, em março, o estado de São Paulo oficializou a Política Estadual de Trabalho com Apoio, buscando ampliar as condições e as oportunidades de empregabilidade para as pessoas com limitações permanentes ou duradouras.
“A inclusão de pessoas com deficiência no mundo do trabalho ainda é um desafio marcado por barreiras e preconceitos. É claro que os avanços na legislação são importantes, mas é fundamental ter fiscalização. No caso da Lei de Cotas, apenas em 2001, aproximadamente 10 anos depois da criação da lei, iniciaram-se as fiscalizações e aplicações de multas. Para termos noção do impacto e da importância disso, tomando como referência o estado de São Paulo, que hoje concentra cerca de 30% da contratação profissional de pessoas com deficiência no país, em 2001, tínhamos 601 pessoas com deficiência trabalhando no estado. Já em 2020, a medição apontou para 156.227 mil pessoas com deficiência contratadas”, analisa Victor Martinez, supervisor do Serviço de Inclusão Profissional e Longevidade do Instituto Jô Clemente (IJC).
Referência nacional na inclusão de pessoas com deficiência intelectual, Transtorno do Espectro Autista (TEA) e doenças raras, o IJC tem na inclusão profissional, uma de suas principais áreas de atuação. Desde 2013, foi adotado pela Organização o uso da metodologia do Emprego Apoiado, utilizada em diversos países, na qual jovens e adultos com deficiência são incluídos e recebem apoio técnico no próprio local de trabalho por pelo menos 12 meses. Com isso, pessoas que historicamente encontravam dificuldades para o trabalho recebem o suporte necessário para sua efetiva inclusão e permanência no emprego.
Desde então, o IJC já realizou mais de quatro mil inclusões profissionais de pessoas com deficiência. Apenas em 2022 foram 517 em empresas e instituições públicas parceiras do Instituto em 13 cidades de sete estados brasileiros (São Paulo, Minas Gerais, Pará, Rio de Janeiro, Bahia, Paraná e Pernambuco).
“Além disso, realizamos intensa busca ativa em diferentes territórios, procurando as pessoas nas suas regiões, muitas das quais haviam desistido de tentar uma oportunidade de trabalho. Nos últimos dois anos, a taxa de retenção dessas pessoas no emprego foi de 94,2%, o que comprova o sucesso da metodologia. Afinal, a inclusão não está em simplesmente contratar uma pessoa com deficiência, mas sim, em promover a capacitação para que ela possa de fato ser parte daquele ambiente. Incluir pessoas com deficiência que precisam de apoio em seu desenvolvimento profissional é, acima de tudo, humanizar as relações de trabalho”, completa Victor.
Um exemplo prático desse trabalho de inclusão profissional realizado pelo IJC está na La Casa de Carlota, um estúdio de design com sede em Barcelona, na Espanha, e que desde 2019 tem um escritório em São Paulo (SP). A parceria com o IJC tem sido fundamental para contribuir com a inclusão dentro da organização.
“Quando a La Casa de Carlota aterrissou no Brasil, há quatro anos, o seu primeiro destino foi o Instituto Jô Clemente (IJC). Acreditamos na neurodiversidade como estratégia criativa. Estávamos em busca de pessoas com deficiência intelectual e que tivessem uma proximidade com a arte para compor o nosso time criativo. Portanto, a parceria com o IJC foi fundamental para encontrar esses profissionais, já que todos eles tinham experiência com diferentes técnicas como pintura, colagem e grafismo, entre outras”, diz Luiza Laloni, sócia fundadora da La Casa de Carlota.
“Outro aspecto importante que buscamos durante o processo de seleção – e que o trabalho feito pelo IJC facilitou muito – é a abertura desses profissionais para trabalhar de forma colaborativa. Entendemos que a combinação de diferentes cérebros nos leva a alcançar lugares criativos que nenhum outro estúdio no mercado consegue chegar. Estamos muito contentes com o trabalho de todos eles e esperamos poder crescer ainda mais nos próximos anos. Esperamos também que o trabalho da La Casa de Carlota possa inspirar o mercado a trazer diversidade e inclusão de forma genuína para suas empresas”, finaliza Luiza.