- Por Fernanda Bianchini
Em uma das cenas mais icônicas do cinema internacional, sempre presente na memória dos amantes da 7ª arte, Frank Slade, um coronel cego e já aposentado, personagem que conferiu a Al Pacino o Oscar de melhor ator em 1993, surpreende a jovem e encantadora Donna, interpretada por Gabrielle Anwar, ao convidá-la para dançar.
Composto por Carlos Gardel, “Por una Cabeza” – tango visceral que resume a melancólica característica desse gênero – é a música que direciona a coreografia para Pacino encantar a plateia mediante a sua deficiência visual, demonstrando total controle em relação ao espaço, ritmo e condução da sua parceira.
Sem dúvida, uma cena encantadora e estimulante, porém, longe de refletir a realidade enfrentada pelos deficientes visuais, principalmente em países com altos índices de desigualdade social, no tocante ao acesso a atividades artísticas, como a dança por exemplo, que, além de promover a inclusão, colabora para complementar e estimular os resultados terapêuticos.
Apesar do último Censo do IBGE apontar que existiam mais de 6,5 milhões de pessoas com deficiência visual severa em 2010, o Brasil ainda caminha lentamente nesse sentido, embora o país ser pioneiro no desenvolvimento de um método de ensino de dança para deficientes visuais e contar com a única Cia de Ballet composta por profissionais cegos em todo o mundo.
Uma das principais e mais democráticas manifestações artísticas da humanidade, presente nas mais diversas culturas e também no dia-a-dia das pessoas que não resistem ao sedutor chamado de uma boa música, a dança, além da genuína vocação de aproximar pessoas, celebrar encontros e revelar talentos, tem o poder transformador de resgatar sentimentos de acolhimento, autoestima e pertencimento, ou seja, resume as principais demandas da população cega brasileira.
Para tanto, precisamos do entendimento dessas necessidades por educadores, bailarinos, professores, empresários e da sociedade como um todo para inserir a dança como importante ferramenta de inclusão e auxílio terapêutico para os deficientes visuais.
Escolas, academias, centros sociais, comunidades, associações e ONGs, ou qualquer lugar que utiliza a dança como fator de confraternização social ou terapia, podem acolher os cegos e suas infinitas possibilidades de contribuição.
O método brasileiro de ensino de dança para cegos, único no mundo, está disponível gratuitamente nas plataformas digitais, com orientações e técnicas para incluir esse público nesse universo que pertence a todos.
Essa metodologia de ensino, pioneira e reconhecida mundialmente ao promover a integração social de deficientes visuais por meio da dança, proporciona às pessoas cegas melhoria postural, sensorial e espacial, além de ganhos à autoestima e autoconfiança, assim como colabora para ampliar a visibilidade dessa população e minimizar os preconceitos existentes.
Acredito que abraçar a dança para os cegos como um pequeno passo, mas um grande salto para um mundo de todos e para todos, é uma maneira acessível e transformadora para, cada vez mais, contarmos com mais bailarinos nessa linda e dinâmica coreografia da vida.
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- Fernanda Bianchini é Fisioterapeuta e fundadora da Associação Fernanda Bianchini