Com uma fila de espera que praticamente dobrou nos últimos cinco anos e um volume de procedimentos que ainda não retomou os níveis pré-pandemia de covid-19, os transplantes de córnea no Brasil exigem ações por parte do Estado, que é responsável por organizar o atendimento das demandas da população por esse tipo de assistência. O desafio é grande. Os dados mostram que o número de pessoas (nas redes pública e privada) que aguardam por uma cirurgia foi de 12.212, no ano de 2019, para 23.946, atualmente. Por outro lado, o total de intervenções realizadas no Sistema Único de Saúde (SUS), em 2022, ainda é menor do que o era executado no início da década passada.
Para o Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), o aperfeiçoamento do modelo em vigor depende da adoção de medidas consideradas fundamentais para mudar esse cenário. A entidade reconhece que o Sistema Nacional de Transplantes (SNT) tem buscado superar os problemas que afetam o segmento. Porém, o CBO entente que ainda é preciso agir para, por exemplo, facilitar a capitação de tecidos e melhorar a logística de transporte das córneas, sobretudo no Sistema Único de Saúde (SUS).
As conclusões foram apresentadas após a divulgação de relatório no qual o CBO faz um perfil sobre a performance dos transplantes de córnea na rede pública. O trabalho é o primeiro fruto do Observatório CBO, plataforma criada pela entidade médica para monitorar e dar visibilidade aos resultados alcançados pelas políticas focadas na oftalmologia. De acesso público e gratuito, o website Link agrupa informações sobre consultas, exames, cirurgias e transplantes realizados por essa especialidade, dando transparência aos números da gestão.
Patamar – Na apresentação do relatório sobre transplantes, o CBO apontou que o número de transplantes de córnea no Sistema Único de Saúde (SUS) recuou ao patamar do que era executado em 2013. Em 2020, durante a pandemia de covid-19, a série histórica registrou o seu pior desempenho (4.374 cirurgias) na década. Desde então, em 2021 e 2022, os números seguiram o caminho da recuperação, mas ainda continuam abaixo do que era feito na fase pré-pandemia.
Diante da gravidade do problema, o presidente do CBO, Cristiano Caixeta Umbelino, enfatiza a importância de serem realizadas campanhas de massa para incentivar as doações de córnea, informando a população a respeito do funcionamento desse processo. “A doação de córnea só é possível após o falecimento do doador, ou seja, ela não pode ser doada em vida. É um ato de generosidade, que ajuda a transformar vidas. Vale lembrar que a doação precisa ser autorizada pela família e que a técnica cirúrgica não deixa vestígios”, esclarece.
Concentração – Ainda, segundo o levantamento do CBO, entre 2012 e 2022, a rede pública realizou cerca de 86 mil transplantes de córnea no Brasil. No entanto, as cirurgias estão concentradas no Sudeste, que responde por 46% do total de procedimentos. Na sequência, aparecem o Nordeste, com 25%; Sul (13%); Centro-Oeste (9%); e Norte (5%).
Quando os dados são avaliados do ponto de vista de produção por Estado, as unidades da Federação que possuem mais Bancos de Tecidos Oculares têm melhor desempenho. É o caso de São Paulo, que contabiliza nove unidades e responde por um terço das cirurgias desse tipo no período analisado, ou seja, 29,9 mil intervenções entre 2012 e 2022. Nas posições subsequentes, mas com números modestos, aparecem: Pernambuco (5.770), Minas Gerais (5.696), Paraná (4.946) e Ceará (4.727).
Na outra extremidade desse ranking, estão Tocantins (145), Acre (237), Rondônia (569), Alagoas (625) e Paraíba (1.115). No Brasil, 24 estados possuem pelo menos um Banco de Tecidos Oculares na rede pública. Essas estruturas não foram instaladas ainda no Acre, Amapá e Roraima.
Perfil – Em termos gerais e em nível nacional, o volume de transplantes é dividido praticamente ao meio entre homens (50,7%) e mulheres (49,3%). Porém, nas regiões geográficas, essa proporcionalidade muda. Os homens são maioria entre os beneficiados no Norte (59%), Centro-Oeste (56%), Sul (53%) e Nordeste (51%). Apenas no Sudeste, a população feminina apresenta percentual ligeiramente maior, com 51% dos casos.
Outro ponto que os números destacam é o volume significativo de intervenções nas faixas etárias de 40 a 69 anos (39,2%) e de 20 a 39 anos (27%). Para Wilma Lelis, 1ª secretaria do CBO, isso demonstra o valor social desses procedimentos. “São pessoas que, com os transplantes, recuperam sua visão e podem retomar suas vidas, produzindo, trabalhando, estudando”, disse. Outros grupos também são favorecidos, como idosos com mais de 70 anos (25% dos casos) e crianças e adolescentes (8,4%).
Tempo de espera – Durante a apresentação dos dados do Observatório do CBO, também foram abordadas as circunstâncias relacionadas à demora na realização dos transplantes de córneas no Brasil. Números do Sistema Nacional de Transplantes (SNT) revelam que, atualmente, há 24.319 pacientes à espera de um procedimento nas córneas. Esse número quase dobrou, com relação a 2019, quando eram 12.212 indivíduos na fila. Em 2020, esse total já era de 16.337 e, em 2021, um total de 20.134. Esses dados se referem a atendimentos feitos no SUS e nas redes privada e suplementar.
De acordo com o SNT, o tempo de espera por um transplante de córnea é de 13,2 meses, em média. No entanto, esse índice varia, de acordo com o estado. No Pará, é de 26,2 meses, no Maranhão, 22,6; no Rio de Janeiro, 21,4; Rio Grande do Norte, 18,4; e Alagoas, 17,7. Por outro lado, a demora registrada é menor no Ceará (1,2), Amazonas (2,2), Santa Catarina (4,9), Mato Grosso (6,1) e Paraná (6,5).
Para Frederico Pena, diretor-Tesoureiro do CBO, o volume de transplantes e a celeridade no atendimento das demandas está diretamente vinculada à existência de uma rede ativa de capitação de córneas em cada localidade. Segundo ele, “esse trabalho é fundamental para que o Brasil aumente a produção desse tipo de procedimentos”.
Fonte: Sistema Nacional de Transplantes; março de 2023.