- * Por Abrão Dib
Sonhar ainda é possível e por enquanto não precisa pagar imposto.
Mas fazer alguém sonhar com ‘qualidade de vida’ me parece um pouco desleal.
No Brasil, enquanto pessoas com deficiência buscam ‘empréstimos’ em bancos para comprar uma cadeira de rodas ou cama motorizada, almofadas e equipamentos básicos para o dia a dia, veículos de comunicação e autoridades apresentam o ‘exoesqueleto’, uma máquina projetada para que pessoas com lesões medulares possam se moverem de forma multidirecional e independente, mesmo sem movimento de braços. Isso é sensacional – mas para populações de países desenvolvidos e que ofereçam dignidade para as pessoas.
Só para registrar: o Governo de São Paulo projeta comprar 3 (três) equipamentos, para deixá-los em centros de referências em reabilitação.
E ficarão nesses locais para quê? Talvez aqueles que esperam numa fila do serviço público por fraldas geriátricas e alimentação parenteral possam ficar ‘namorando’ esse equipamento, que foi exibido recentemente com destaque em emissora de televisão e redes sociais.
Esse modelo – o Atalante X, deve custar algo em torno de R$ 250 mil reais. E quem (e quantos) terão oportunidade de ter um desses em casa?
Mas preferem mostrar, exibir e fazer sonhar.
Será que o mesmo espaço destinado pelos veículos de comunicação e autoridades não poderia ser utilizado para mostrar como famílias sofrem em busca de um mínimo de qualidade de vida?
Prefiro ser realista, o que para alguns parece pessimista.
Fazer esse tipo de ‘publicidade’ direcionada ao segmento que é desrespeitado por todo o Brasil me parece ‘desleal’.
Muitas pessoas com deficiência vivem sem o mínimo de acessibilidade, mas acabam assistindo o ‘desfile’ de certas maravilhas, enquanto no guarda-roupa faltam fraldas que dê qualidade de vida. Isso, para mim, é um absurdo.
Talvez falte uma força-tarefa ou matéria com destaque para quem está na fila do INSS esperando por atendimento. O próprio Instituto afirma que um terço dos brasileiros na fila de espera para atendimento corresponde a pessoas com deficiência de baixa renda.
Essa fila atualmente tem em torno 1,3 milhão de cidadãos. São ao menos 435 mil pessoas (34%) aguardando pelo BPC – Benefício Assistencial à Pessoa com Deficiência, que sonham com a ajuda de um salário mínimo mensal de R$ 1.320. Infelizmente essa ainda é a realidade do brasileiro com deficiência que preferem esconder.
Prioridades deveriam existir para serem cumpridas.
No mínimo deveriam oferecer dignidade, com comida no prato, um teto digno para morar, educação, equipamentos e medicação adequados e acessibilidade.
Depois poderiam ‘exibir sonhos’.
Para essas pessoas, ver a ‘exibição’ do ‘exoesqueleto’ deve ter tido qual significado?
- * Abrão Dib é jornalista profissional diplomado e editor voluntário do Diário PcD