O Diário PcD teve acesso a manifestação de entidades que divulgaram uma “Carta Aberta: denúncia de Capacitismo, racismo estrutural, Assédio Moral, violação de privacidade contra Aluna PCD da Faculdade de Direito da UERJ”.
O fato envolve uma aluna da instituição, que não teve seu nome divulgado, mas provou a ação de 8 (oito) movimentos sociais que denunciam o fato e apoiam a aluna.
Assinam o documento as entidades:
1 – Coletivo de Mulheres Nathália Souza, da Faculdade de Direito da UERJ
2- Coletivo LGBTheusa, da Faculdade de Direito da UERJ
3- Movimento Anticapacitista Glória Schaper
4- Coletivo Negro Patrice Lumumba
5 – Pasta de Acessibilidade do Diretório Central dos Estudantes da UERJ
6 – Centro Acadêmico Luiz Carpenter
7- União da Juventude Comunista – UJC RJ
8- Movimento por uma Universidade Popular (MUP RJ)
Confira a íntegra da manifestação:
Nós, membros dos coletivos e movimentos estudantis e de trabalhadores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, escrevemos conjuntamente esta carta para expressar nossa profunda preocupação e repúdio em relação aos sucessivos e recentes episódios de capacitismo, racismo estrutural, assédio moral e a violação da privacidade ocorridos contra uma aluna da graduação.
Para preservar a integridade da vítima não citaremos o seu nome.
A aluna, pessoa com deficiência oculta e estudante da graduação da Faculdade de Direito, vem sofrendo e tendo seu desempenho acadêmico prejudicado e/ou impossibilitado pela negligência de suas necessidades específicas por parte da instituição e dos departamentos responsáveis.
Pela ausência de medidas efetivas dos departamentos que deveriam ser responsáveis pela promoção de acessibilidade, a estudante buscou suporte junto à Comissão de Acessibilidade da UERJ, que foi criada em março de 2023 justamente para solucionar e promover a acessibilidade nos espaços da universidade.
Contudo, novamente a estudante sofreu violações dos seus direitos, quando em um grupo de um aplicativo de troca de mensagens com cerca de 60 pessoas foi disponibilizado por uma funcionária pública da faculdade de Direito, dia 08/08/2023, às 12h59, um documento sigiloso contendo todas as informações da estudante sem sua autorização e consentimento.
Nesse documento, havia informações de cunho pessoal e sensível que de maneira alguma poderiam ser divulgadas, como o requerimento do Regime Excepcional de Aprendizagem e todos os laudos médicos com informações sensíveis sobre a condição de saúde e o tipo de deficiência da aluna.
É com pesar que relatamos que a aluna tem sido alvo de comentários depreciativos, tratamento diferenciado pejorativamente, diversas desvantagens e situações de constrangimento desde seu ingresso na universidade. Essas discriminações ocorrem por parte de funcionárias públicas da PR4/DASPB, professores e membros da faculdade de Direito.
Esses incidentes não apenas ferem a dignidade da aluna, mas também vão contra os princípios de igualdade, equidade, imparcialidade e respeito que deveriam nortear nosso ambiente acadêmico. Além disso, esses fatos, que não são isolados, trazem prejuízos à saúde física e mental não só da estudante, mas de outras pessoas com deficiência que vivenciam de alguma forma as mesmas violências por parte da instituição.
O referido vazamento de dados foi seguido de uma importunação de uma funcionária da instituição em uma conversa particular, no mesmo dia, por meio do mesmo aplicativo de troca de mensagens. Falas como “para militar, não basta viver o problema, assim como não devemos resolver nada sobre qualquer pessoa sem que a maior interessada participe. Devemos trabalhar em colaboração. Mas não podemos agir sem conhecer sobre o que discorremos. Sem conhecimento, corremos o risco de propagar informações sem fundamento! Em momento oportuno, com a tal ata em mãos, mostrarei para você o mar de erros e problemas gerados naquele documento, muito mais problemas que soluções” proferidas pela servidora do DASPB/PR4 tanto no grupo quanto na conversa privada, que trazem o silenciamento e a invalidação daqueles que experienciam na pele todos os dias e em todos os momentos o que é ser uma pessoa com deficiência.
O pedido de reunião virtual datado 14/08/2023, solicitado pela aluna foi questionado e negado, com a fala: “como você marca uma reunião dentro das férias?”. Porém, dia 11/08/2023 aconteceu um seminário virtual, convocado pela mesma funcionária.
O capacitismo, o racismo estrutural, o assédio moral e violação da privacidade atuam de modo constante e generalizado, criando barreiras atitudinais seccionalizadoras que impedem a participação plena e a autonomia de uma pessoa negra com deficiência. Porém, ressaltamos que essas atitudes violentas não podem ter lugar em nossa instituição de ensino. Como defensores/as dos direitos humanos e promotores/as de conhecimento, temos a responsabilidade de assegurar que todas as pessoas, independentemente de sua condição, raça, cultura e nível de conhecimento se sintam seguras, respeitadas e valorizadas em todos os campus da UERJ.
Como membros da comunidade acadêmica e cidadãos/cidadãs preocupados com a justiça, igualdade de direitos, participação plena e acessibilidade, repudiamos esses acontecimentos e nos sentimos na obrigação de denunciar tais comportamentos graves, prejudiciais e discriminatórios. Cobramos um posicionamento da UERJ quanto ao caso. Pela gravidade da situação, se nada for feito, ações legais podem ser tomadas.
Destacamos que qualquer iniciativa que vise “promover acessibilidade” mas na realidade produzem e reproduzem a segregação de pessoas com deficiência são ilegais e inconstitucionais. No Brasil, o capacitismo é crime, de acordo com o Estatuto da Pessoa Com Deficiência, lei 13.146 de 2015, cabendo, dessa forma, à instituição garantir e promover recursos e dispositivos que objetivam a ausência ou a diminuição das barreiras existentes no meio ou nas relações.
Cabe, ainda, destacar a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais- LGPD (Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018), que entrou em vigor em 18 de setembro de 2020 e visa proteger os direitos: segundo o Art. 1º ” esta Lei dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural”. Dessa forma, a atitude da funcionária da UERJ de compartilhar os documentos sigilosos da estudante fere os direitos de privacidade da vítima e configura crime, conforme a lei supracitada.
É importante mencionar que, frente ao dever da universidade de atender as necessidades específicas da estudante para exercer seu direito à educação, em meados do semestre passado foi planejada e agendada uma reunião para dia 29 de agosto de 2023 com a direção do curso de direito, o DEP/PR-1 e a COOPRB/PR-4 para tratar das demandas específicas da interessada, porém sem o conhecimento prévio da estudante. Apesar disso, a mesma solicitou no dia 09/08/2023 participação e somente dia no 23/08/2023 ela recebeu, por email, o convite com as informações do horário e local da reunião. A falta de transparência gera insegurança e deixa a aluna ainda mais vulnerável e excluída. Ressaltamos que esses sentimentos não são exclusivos da estudante que é o assunto desta carta, mas sim um sentimento de impotência e desamparo compartilhado entre todos os alunos e servidores com deficiência e/ou neurodiversos que habitam a Uerj.
Portanto, solicitamos que esta denúncia seja tratada com a devida seriedade e urgência. Pedimos que medidas sejam tomadas para investigar os incidentes mencionados, identificar os responsáveis e aplicar as sanções apropriadas de acordo com as políticas internas da instituição. Além disso, sugerimos que sejam implementadas ações de conscientização, treinamento e educação sobre a importância da inclusão e do respeito à diversidade. A lei Brasileira de Inclusão, 13.146 de 2015, art. 4° diz que toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação. Não buscamos privilégio ou regalias, apenas nosso direito de estudar e trabalhar na UERJ, sem que nossa condição de pessoas com deficiência configure, na comunidade acadêmica, um marcador de inferioridade.
O capacitismo, por ser estrutural e estruturante, constrói e molda as relações baseadas na concepção de que as pessoas com deficiência são incapazes, doentes e inferiores. Exatamente por isso, convidamos toda a comunidade uerjiana a refletir sobre como podemos ser aliados na construção de uma universidade anti capacitista. Melhorando assim a experiência acadêmica não só da aluna em questão, mas de todas as pessoas com deficiência de nossa universidade. Precisamos trabalhar juntos para criar uma cultura de respeito, igualdade e inclusão, onde todos possam prosperar. É fundamental que todos os servidores, professores e estudantes estejam cientes do impacto de suas palavras e ações, evitando estereótipos prejudiciais e mostrando empatia genuína. Educar-se sobre as necessidades e perspectivas das pessoas com deficiência é uma parte crucial desse processo e da nossa formação profissional e, principalmente, humana.
Acreditamos que nossa instituição pode e deve ser um exemplo de respeito, igualdade e diversidade. Esperamos que esta denúncia resulte em ações concretas para eliminar e combater todas as formas de opressão e discriminação dentro da Uerj.
Agradecemos antecipadamente pela atenção e ação em relação a esta questão grave. Estamos à disposição para colaborarmos no que for necessário para garantir um ambiente acadêmico mais justo e inclusivo.
Rio de Janeiro, 28 de agosto de 2023.
Assinam,
1 – Coletivo de Mulheres Nathália Souza, da Faculdade de Direito da UERJ (Instagram: @coletivo.nathaliasouza)
2- Coletivo LGBTheusa, da Faculdade de Direito da UERJ (Instagram: @lgbtheusa; Email: coletivolgbtdireitouerj@gmail.com)
3- Movimento Anticapacitista Glória Schaper (m.a.gloriaschaper@gmail.com)
4- Coletivo Negro Patrice Lumumba (instagram: @cnpatricelumumba – e-mail: coletivopretodireitouerj@gmail.com)
5 – Pasta de Acessibilidade do Diretório Central dos Estudantes da UERJ (Instagram: @dceuerj; Email: dce.uerj.comun@gmail.com)
6 – Centro Acadêmico Luiz Carpenter (Instagram: @caluizcarpenter; E-mail: caluizcarpenter@gmail.com)
7- União da Juventude Comunista – UJC RJ
8- Movimento por uma Universidade Popular (MUP RJ)
O Diário PcD aguarda manifestação da UERJ sobre a manifestação das entidades em apoia a aluna da Faculdade de Direito.