O Diário PcD teve acesso ao Parecer da CMC – Comissão de Acompanhamento e Monitoramento da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, que emitiu um “parecer jurídico opinativo formulado em atenção às diferentes manifestações da sociedade civil que chegaram ao conhecimento deste Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – (CONADE), diante de ação de fiscalização do trabalho, em que se visava apurar a existência de trabalho análogo ao de escravo, com participação do Ministério Público do Trabalho, Defensoria Pública da União, Polícia Federal, sob a coordenação do Ministério do Trabalho e Emprego, para apurar a existência de trabalho análogo
ao de escravo, em que a vítima seria pessoa com deficiência”.
A manifestação se refere a “conforme consta do Inquérito Civil nº 001055.2022.12.000/3, conduzido pela Procuradoria Regional do Trabalho de 12ª Região, a Sra. Sonia Maria de Jesus foi resgatada em situação análoga à escravidão na cidade Florianópolis/SC, na residência dos Srs. Jorge Luiz de Borba e Ana Cristina Gayotto de Borba. O Sr. Jorge Luiz de Borba ocupa o cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, o que, por sua vez, atraiu a competência do Superior Tribunal de Justiça para apurar a ocorrência dos fatos amplamente noticiados, bem como a incidência ao caso do tipo penal previsto no art. 149 do Código Penal. Tem-se que a Sra. Sônia Maria de Jesus foi resgatada devido à diligência executada no cumprimento de mandado de busca e apreensão expedido no âmbito do Pedido de Busca e Apreensão Criminal nº 65/DF, de Relatoria do Exmo. Min. Mauro Campbell Marques (Superior Tribunal de Justiça-STJ)”.
Na fundamentação da Comissão, prescreve que “a sra. Sônia havia sido acolhida pelo sistema de proteção social e estava em processo de ressocialização, frequentando a Associação de Surdos da Grande Florianópolis. Além de aulas de libras, português e artes, a Sra. Sônia experienciava convivência
comunitária, adquirindo capacidades básicas para comunicação e integração à sociedade. Os investigados, por sua vez, requereram a restituição do ´´convívio familiar´´, bem como a informação do nome e endereço da instituição para onde a Sra. Sônia foi conduzida para que fosse facultado o acesso dos investigados em dia, hora e períodos determinados. O Exmo. Ministro Relator do inquérito proferiu decisão acolhendo tais requerimentos, estabelecendo regramento específico para a realização de visitas. Contra a referida decisão, a Defensoria Pública da União (DPU) impetrou o Habeas Corpus nº 232.303, de
Relatoria do Exmo. Min. André Mendonça, sustentando, em síntese, constrangimento ilegal, considerando a violação ao sistema de proteção da mulher vítima de violência e direitos fundamentais da pessoa com deficiência. Em setembro de 2023, o Exmo. Min. André Mendonça proferiu decisão indeferindo a medida liminar pleiteada contra ato de relator no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que permitia a visita do desembargador Jorge Luiz de Borba, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC), e de sua esposa, Ana Cristina Gayotto de Borba, à instituição onde está Sônia Maria de Jesus, desde que preenchidos certos requisitos. O Ministro Relator sustentou que o Exmo. Ministro Relator do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é a autoridade mais próxima dos fatos, com melhor capacidade de avaliar os elementos constantes do processo, não cabendo a superação de etapas, como pretendida pela Defensoria Pública, reafirmando que não houve, ainda, manifestação colegiada do Superior Tribunal de Justiça acerca do ato”.
Segundo o expediente do Ministério Público do Trabalho, Sônia não era tratada como um membro da família, tão somente em 2021, portanto com mais de 40 anos de idade e tendo estado desde os 9 anos com a mesma família, passou a ter CPF, RG, Título de Eleitor e plano de saúde. Nunca teve instrução formal, não aprendeu a ler e escrever, sequer foi alfabetizada na língua brasileira de sinais (libras), conseguia se comunicar precariamente, de forma rudimentar por gestos simples, só entendidos por quem convivia com ela dentro da residência, não possuía convívio social fora do ambiente da família Borba.
Sônia tem 50 (cinquenta) anos, é pessoa com deficiência auditiva, possui surdez desde a infância e não domina a língua brasileira de sinais. Tal condição, indubitavelmente, a coloca em uma situação de vulnerabilidade social, que enseja a atenção e a participação do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CONADE) no acompanhamento da grave situação noticiada.
De acordo com o parecer, “e preocupante o fato de que, segundo a denúncia do Ministério Público do Trabalho (MPT), cujas conclusões foram corroboradas pela Auditoria Fiscal do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego e pela Defensoria Pública da União, uma pessoa com deficiência estivesse sendo mantida em situação análoga à de escravo e que, por sua deficiência auditiva, se visse impedida de se
comunicar por não lhe ter sido propiciado dominar a Língua Brasileira de Sinais. Assim, poderia retornar ao local em que teriam ocorrido as violações de direitos, sem que houvesse a oitiva prévia de especialistas ou garantia de que a decisão da vítima não estaria viciada. Ou seja, não lhe foi permitido acessar possibilidade mínima de se expressar, direito linguístico, direito de comunicação. Assim, esse CONADE reafirma a necessidade da atenção à singularidade da situação de múltipla vulnerabilidade. Preocupanos o retorno ao local em que teriam ocorrido as violações de direitos, sem que houvesse o devido tempo para realização de um acolhimento que permita condições de elaboração da situação vivenciada e condições de relatá-la, mediante oitiva de especialistas, garantindo-se que a decisão da vítima não estaria viciada”
No documento, a Comissão conclui que:
“A Comissão de Acompanhamento e Monitoramento da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência – CMC opina pelo encaminhamento do caso ao preclaro Ministro dos Direitos Humanos, com a sugestão de provocar a Procuradoria Geral da República para acompanhar atentamente o caso, exercendo seus papéis primordiais de custos legis e guardião dos vulneráveis. Diante do exposto, o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CONADE) conclui pela gravidade dos fatos
noticiados, instando os órgãos e autoridades adiante nominados a adotarem todas as medidas legais cabíveis no âmbito de suas respectivas atribuições, para apuração do ocorrido, proteção da vítima e aplicação das sanções legalmente previstas aos responsáveis pelos crimes e violações de direitos constatados:
I – Ao Ministro dos Direitos Humanos, para que acompanhe o caso e garanta os direitos da vítima, com a sugestão de provocar a Procuradoria Geral da República para acompanhar atentamente o caso, exercendo seus papéis primordiais de custos legis e guardião dos vulneráveis;
II – À Procuradoria Geral da República (PGR), para que investigue os crimes e promova a responsabilização penal dos envolvidos;
III – Ao Ministério Público Federal, para que apure e processe civil e administrativamente os responsáveis pelas violações;
IV – À Polícia Federal, para que dê continuidade às investigações, apure os fatos e aponte os responsáveis;
V – Ao Ministério Público do Trabalho, para que dê continuidade às investigações e apure os fatos e responsáveis;
VI – Ao Conselho Nacional de Justiça, para que fiscalize a atuação do Judiciário;
VII – Ao Ministério das Mulheres, para atenção à vítima;
VIII – À Presidência e a todas as Exmas. Sras. Ministras e Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), considerando a tramitação naquela corte do processo HC no 232303, da relatoria do Exmo. Min. André Mendonça;
IX – À Presidência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Exmo. Min. Mauro Campbell, considerando a tramitação naquele Tribunal do processo de Busca e Apreensão Criminal nº 65/DF;
X – Aos Conselhos Estadual de Santa Catarina e Municipal de Florianópolis dos Direitos das Pessoas com Deficiência, para que acompanhem todas as diligências realizadas pelas autoridades e órgãos públicos estaduais e municipais referentes ao tema, auxiliando, assim, no âmbito de suas respectivas competências, com o envio periódico de informações atualizadas, o CONADE no monitoramento do caso.