- * Por Profª Dra Solange Bricola
A Organização Mundial da Saúde (OMS) foi levada a decretar Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, no início de março de 2020, por ocasião da disseminação da Covid-19, uma doença causada pelo vírus SARS-cov-2. Desde então, foram criados protocolos preventivos com o intuito de auxiliar no controle e propagação da doença, como o isolamento social e o uso de medidas de proteção individual.
Esses parâmetros isolaram as pessoas de seus convívios sociais, laborais e ocupacionais, levando ao aumento do sofrimento psicológico, da ansiedade, do medo, bem como da insônia.
Pesquisas comprovam um aumento de até 113% na procura por medicamentos destinados ao tratamento de insônia, ansiedade e depressão, isso comparado aos seis meses anteriores à pandemia.
O hemitartarato de zolpidem pertence ao grupo das imidazopiridinas, isso implica em uma estrutura diferente dos benzodiazepínicos e barbitúricos. Esses psicofármacos atuam no Sistema Nervoso Central (SCN) e acabam por diminuir a latência do sono, regulando sua qualidade e tempo de duração. Essa seletividade da molécula de zolpidem é responsável por um sono profundo.
O uso terapêutico dessa substância é indicado principalmente para tratamento da insônia, pois esse medicamento apresenta curta vida plasmática, melhorando o tempo de indução e duração do sono, reduzindo o número de despertares noturnos, além de propiciar maior qualidade em pacientes com história de insônia crônica.
Entre 2012 e 2021, as vendas do medicamento no Brasil aumentaram 676%, demonstrando que o fármaco muitas vezes é indicado por diversas especialidades médicas, atuando como adjuvante no tratamento de diversos transtornos psiquiátricos, especialmente a depressão e a ansiedade, que cursam com insônia durante essas condições clínicas.
O fato é que se não bem indicado e monitorado durante o uso, pode levar a consequências indesejáveis, apresentando algumas reações adversas a medicamentos (RAM), que são amplamente pesquisadas com o uso de psicofármacos.
Em relação ao zolpidem, o surgimento de alucinações chama a atenção e está em estudo pela farmacovigilância de países como França, Suíça e Alemanha. Outra RAM ligada ao uso do medicamento é o comprometimento cognitivo e das disfunções no equilíbrio, sobretudo em pacientes jovens.
Há relatos de aumento de casos de parassonias, um tipo de sonambulismo, após a ingestão do medicamento pela manhã. Isso fez com que órgãos de farmacovigilância realizassem revisões dos dados de eficácia e segurança desse psicofármaco, principalmente em relação às doses de 10 a 20 mg.
Outra observação importante está nos riscos de associar o medicamento a outras substâncias: zolpidem com álcool, com outros psicofármacos, anti-histamínicos e até mesmo a melatonina, por exemplo. A literatura traz 174 casos de RAMs associadas ao uso concomitante de zolpidem e álcool, situações em que dois desses pacientes desenvolveram comportamentos suicidas.
Para além das reconhecidas e inadvertidas práticas de automedicação e do uso irracional dos medicamentos, vale ressaltar que os dados sobre abuso de psicofármacos no Brasil constituem-se com um problema de Saúde Pública, como o observado com a oxicodona nos EUA.
O zolpidem, em doses elevadas, possui alto potencial de abuso, sendo recomendado por no máximo quatro semanas, conforme bula do medicamento, devendo ser monitorado pelo prescritor, ressaltando o risco iminente de causar interações com outros medicamentos psicotrópicos e com álcool.
Essa condição do uso concomitante com álcool pode influenciar na dependência física do paciente, causando abstinência quando o tratamento for interrompido.
Para fins recreativos, os dependentes de outras drogas também são um grupo de vulnerabilidade à dependência do zolpidem, já que em quantidades elevadas o medicamento pode causar efeito de euforia.
Outro ponto de extrema relevância é que, no Brasil, por meio da Portaria 344 de 1998, o zolpidem é classificado como um medicamento de receituário de controle especial tipo B1, possibilitando um período de tratamento de até 60 dias.
Essa condição se opõe frontalmente ao prazo de tratamento estabelecido pela OMS e FDA, já que a atribuição do zolpidem como B1 possibilita a prescrição de um tratamento acima do prazo seguro e recomendado, que é de quatro semanas.
A dispensação desse tipo de medicamento deve ser realizada exclusivamente por um farmacêutico. Além disso, tanto médicos quanto farmacêuticos devem orientar e advertir sobre o uso correto, cuidados no armazenamento, interações diversas e reações adversas. Sugere-se ainda que os órgãos regulamentadores brasileiros façam a alteração da prescrição para receitas do tipo A3, que possuem o tempo de tratamento para 30 dias.
Diante disso, torna-se imperativo uma ação de Saúde Pública para detectar, avaliar e monitorar o uso do zolpidem pela população em geral, fortalecendo as medidas de controle para segurança e eficácia no uso desse medicamento.
- * Profª Dra Solange Bricola é Docente das disciplinas de Saúde Pública, Patologia e Farmácia Hospitalar e Clínica do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).