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A evolução do cuidado multidisciplinar com a acondroplasia

A evolução do cuidado multidisciplinar com a acondroplasia

O gene FGFR3 exerce um papel importante no corpo humano: ele produz uma proteína que é essencial para o adequado crescimento dos ossos. Mas, quando ele sofre uma mutação, ainda na formação do gameta, pode fazer com que o indivíduo desenvolva uma doença chamada acondroplasia, a forma mais comum de nanismo[1,2]. “A acondroplasia não se caracteriza apenas por causar uma baixa estatura muito grave. Ela leva a várias outras disfunções do corpo e interfere profundamente na saúde física, mental e social do indivíduo. Por isso, as pessoas com acondroplasia requerem cuidados especiais de profissionais das diferentes áreas da saúde”, afirma Luiz Cláudio Castro, endocrinologista, pediatra e professor da Universidade de Brasília (UNB).

A baixa estatura na acondroplasia é chamada de desproporcionada por haver um importante encurtamento dos braços e pernas do indivíduo, sem comprometimento significativo do tronco. A média de estatura final nas mulheres desse grupo é de 124 cm e nos homens, 130 cm.[2] Isso provoca uma série de restrições físicas e gera um grande impacto na qualidade de vida, como necessidade de escadas para alcançar o vaso sanitário, a pia e as torneiras nos banheiros e em outros ambientes, necessidade de dispositivos para fazer a própria higiene pessoal, para alcançar botões dos elevadores, dificuldade para subir os degraus de escadas, de abrir portas com maçanetas redondas e até no lazer, sendo preciso, por exemplo, adaptação de bicicletas.[3]

Os indivíduos com acondroplasia ainda estão sujeitos a uma série de problemas de saúde. Segundo o pediatra o estreitamento de uma parte importante da base do crânio, por onde passa a medula espinhal, pode levar à hidrocefalia, ou seja, o acúmulo excessivo de líquido no cérebro. Ou ainda à apneia obstrutiva e ao aumento do risco de morte súbita, especialmente nos primeiros dois anos de vida.[1]

Outras alterações nos ossos do crânio, coluna vertebral e demais segmentos do corpo podem levar a otites de repetição, perda da acuidade auditiva, cefaleias crônicas, deformidades graves na coluna e nas pernas, problemas respiratórios por restrição de volume da caixa torácica e dificuldade para andar.[1]“Além de ser preciso enfrentar diariamente uma estrutura social nem sempre preparada e apta a aceitar e se adaptar às diferenças. Mas é importante frisar que apesar de todos esses aspectos, a capacidade cognitiva está preservada, assim como a autopercepção de todas essas limitações pelo paciente”, lembra o especialista.

Lifetime Impact Study for Achondroplasia (LISA – NCT03872531)[4], estudo realizado de forma observacional entre janeiro de 2018 e julho de 2021, com 172 pessoas com acondroplasia a partir de 3 anos de idade, residentes na Argentina, Brasil e Colômbia, em 4 centros de pesquisa, revelou que entre os pacientes de 8 a 17 anos o principal impacto à qualidade de vida é a dor. Cerca de 74% dos participantes dessa faixa etária relatam alguma espécie de desconforto em pelo menos uma área do corpo. Entre os adultos, 73,4% sentem dor diariamente.

“Muitas vezes pode ser preciso intervenção neurocirúrgica para assegurar inclusive a sobrevivência do paciente. Indivíduos com deformidades dos membros inferiores que limitam suas atividades, são submetidos a delicadas cirurgias ortopédicas corretivas”, explica o especialista. “Essas cirurgias são complexas e apresentam riscos. A anatomia dos pacientes com acondroplasia torna esses procedimentos mais desafiadores, aumentando o tempo de recuperação e o risco de complicações. Mas são ferramentas importantes para promover a qualidade de vida para os casos de alguns pacientes”, completa Luiz Claudio Castro.

Cuidado Multidisciplinar [5]

Em agosto de 2022, o primeiro guia de recomendações de cuidados multidisciplinares para acondroplasia foi publicado.3 Elaborado por especialistas da Argentina, Brasil, Chile e Colômbia, o estudo orienta uma abordagem abrangente no cuidado desse grupo de pacientes nas várias etapas da vida. Ele ressalta a importância da abordagem multidisciplinar aos pacientes para assegurar, resgatar e/ou minimizar o impacto da doença sobre a qualidade de vida, envolvendo as áreas da pediatria, genética, neurologia, neurocirurgia, ortopedia, otorrinolaringologia, nutrição, fisioterapia, fonoaudiologia, odontologia, enfermagem, entre tantas outras.

Um outro pilar para o cuidado adequado para crianças e adolescentes em fase de crescimento com acondroplasia é o tratamento medicamentoso. Em 2021, autoridades regulatórias da Europa (EMA), dos Estados Unidos (FDA), do Brasil (ANVISA), e do Japão (MHLW), aprovaram uma terapia que tem como resultado um aumento importante da velocidade de crescimento anual, dos pacientes tratados, com melhora significativa do ganho de estatura ao longo do tratamento comparados aos pacientes não tratados.[6,7]

“Essa conquista representa uma esperança renovada para os pacientes e suas famílias. Ao mesmo tempo, devemos reorganizar nossas estruturas sociais para oferecer a todos uma sociedade realmente inclusiva, ética, justa e acolhedora, respeitando e promovendo adaptações às limitações de quem as apresenta e estimulando a igualdade de oportunidades para todos”, finaliza Luiz Claudio Castro.


[1] Horton, W.A., J.G. Hall, and J.T. Hecht, Achondroplasia. The Lancet, 2007. 370(9582): p. 162-172. Available from: link.
[2]Pauli RM. Achondroplasia: a comprehensive clinical review. Orphanet J Rare Dis. 2019;14(1):1.
[3]Fano, V., Kim, CA, Rosselli, P. et al. Impacto da acondroplasia em pacientes latino-americanos: uma revisão sistemática e meta-análise de estudos observacionais. Orphanet J Raro Dis 17, 4 (2022). Link
[4]Lifetime Impact Study for Achondroplasia (LISA). NCT03872531. Link. Acesso em: outubro de 2023
[5]Llerena, J., Kim, CA, Fano, V. et al. Acondroplasia na América Latina: recomendações práticas para o atendimento multidisciplinar de pacientes pediátricos. BMC Pediatr 22, 492 (2022).
[6] Link. Acesso: agosto de 2023
[7] ANVISA: Link. Último acesso: outubro de 2023

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