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Objetivo de Desenvolvimento Sustentável n. 4 da ONU para inclusão de pessoas com autismo: consideração sobre diagnósticos tardios

ByJornalismo Diário PcD

jan 24, 2024
OPINIÃO - Objetivo de Desenvolvimento Sustentável n. 4 da ONU para inclusão de pessoas com autismo: consideração sobre diagnósticos tardios. * Por Mayara Lopes da Costa

OPINIÃO

  • * Por Mayara Lopes da Costa

Paulo Freire, visionário da educação como um dever de intervenção no mundo, não estabelecia fronteiras para solucionar o preconceito, a ignorância, e tantas outras questões. Pelo contrário, o mestre esclarece que as possibilidades são múltiplas na luta pela equidade e pela construção de uma cidadania potente. (FREIRE, 2019).

A Organização das Nações Unidas e seus parceiros no Brasil estão trabalhando para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. São 17 objetivos ambiciosos e interconectados que abordam os principais desafios de desenvolvimento enfrentados por pessoas no Brasil e no mundo.

O objetivo n. 4 é a educação de qualidade: está inclusa entre as submetas, até 2030, garantir que todos os alunos adquiram conhecimentos e habilidades necessárias para promover o desenvolvimento sustentável, inclusive, entre outros, por meio da educação para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida sustentáveis, direitos humanos, igualdade de gênero, promoção de uma cultura de paz e não violência, cidadania global e valorização da diversidade cultural e da contribuição da cultura para o desenvolvimento sustentável.

Há pouco tempo éramos governados por um presidente que dizia que a minoria deveria se curvar às maiorias. Ou seja, isto é um fator que potencialmente atrasa os diagnósticos de autismo, porque é por causa de pensamentos como esse que não é nem ao menos reconhecido que o diferente possa existir. Segundo dados do UOL (BRASIL, 2013), 90% dos casos de autismo não são diagnosticados no Brasil, e quando são estão no nível 1 de suporte, entre a classe média e a classe alta, ou seja, pessoas com condições de pagar testes e tratamentos neurológicos adequados ao seu nível de suporte.

Ainda, destes níveis 1 de suporte que são diagnosticados, quase sempre vêm a ser na vida adulta depois de uma série de entraves.

Não se pode negar que se vive em uma sociedade que espera um padrão de comportamentos das pessoas e a maior parte da população vai de fato conseguir se encaixar nesses padrões, mesmo que precisem adaptar seu comportamento um pouco, não se trata de desafios que prejudiquem significativamente sua qualidade de vida. A outra parcela da população vai apresentar um padrão de comportamento que vai em desencontro com esse padrão estabelecido pela sociedade e que poderá ser visto como errado, ruim, inútil, mau, anormal e muito provavelmente essa pessoa vai passar por inúmeras tentativas externas de ser encaixada em um molde esperado. Então, ao invés de essa pessoa ser vista como alguém com um cérebro divergente, vai ser vista como uma pessoa que eventualmente pode ser consertada, já que toda a nossa sociedade está construída e estruturada apenas para receber pessoas que atendem a esse padrão, e não tem estrutura pronta para receber pessoas que divergem disso. Ainda, essa relutância em aceitar que vão haver pessoas fundamentalmente diferentes do que a norma espera é um fator que atrasa o diagnóstico.

E qual a importância de um diagnóstico mesmo que tardiamente? É um direito humano de adaptação, de compreensão e de suporte que a pessoa infelizmente não pode acessar antes. Pelo diagnóstico há uma validação social de suas dificuldades e não vai apenas depender da pessoa provar que ela tem as dificuldades. Não terá apenas um manual, mas dois (DSM-V e CID-11) afirmando isso por ela cientificamente. A pessoa finalmente terá acesso a acompanhamento medicamentoso e terapêutico adequados e será protegida por lei contra atos discriminatórios, capacitismo e de exclusão social.

O ponto de partida para exploração do Direito Antidiscriminatório inicia com a definição do que é discriminação. Não há, no entanto, um conceito uno de discriminação, especialmente em função de como esta vem se modificando e atuando num corpo social cada vez mais global e interligado numa complexa sociedade em rede (CASTELLS, 2015, P. 37).

Consoante o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), conforme dispõe o artigo quarto, parágrafo primeiro, in verbis: “considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas” (BRASIL, 2015).

Ainda, para compensar anos de mal-entendidos, julgamentos, prejuízos na saúde mental e relacionamentos interpessoais afetados pela falta de um diagnóstico adequado precoce, ainda há a chance de adentrar uma comunidade podendo ter uma perspectiva de aceitação e representatividade.

Sendo assim, se o ideal seria receber o diagnóstico de TEA ainda na infância pelo profissional da saúde, se vivêssemos em uma sociedade educada para a equidade e inclusão, as pessoas não cresceriam sentindo-se desajustadas ao meio em que vivem, jogadas de um lado ao outro, debandando de grupo em grupo, com sentimento de não pertencimento, o que originaria a busca de um diagnóstico tardio na fase adulta. Vive-se em uma sociedade culturalmente construída para recorrer ao “efeito manada”, onde há certa tendência das pessoas a seguirem o comportamento e as opiniões da maioria, mesmo que isso signifique ignorar suas próprias crenças pessoais, rejeitando a possibilidade de existir o que é diversificado. Portanto, para haver melhora, deve-se galgar. É a série de fracassos infindáveis frente às demandas impostas pelo padrão social que origina a busca pelo diagnóstico tardio na fase adulta. É como se a sociedade dissesse a você: “vá procurar o motivo de você não se encaixar”, e aí, pronto.

Ainda, para concluir, nas palavras felizes de Boaventura Souza Santos: “As pessoas têm o direito de ser iguais quando a diferença as inferioriza, e o direito a ser diferentes quando a igualdade as descaracteriza”.

Bibliografia

SANTOS, Boaventura de Souza. As tensões da modernidade. Texto apresentado no Fórum Social Mundial, Porto Alegre, 2001.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. Paz e Terra, 2009.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

Referências

SILVEIRA , Julliane. Cerca de 90% dos brasileiros com autismo não recebem diagnóstico. Do UOL, em São Paulo 02/04/2013. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2013/04/02/estima-se-que-90-dos-brasileiros-com-autismo-nao-tenham-sido-diagnosticados.htm. Acesso em: 24/01/2024.

 Lei nº 13.146 de 06 de julho de 2015. Institui a lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência (estatuto da pessoa com deficiência). D.O.U de 07/07/2015, pág. nº 2.

Nações Unidas, Sobre o nosso trabalho para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Brasil, 2024. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs. Acesso em: 24/01/2024

  • * Mayara Lopes da Costa é Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Santos. Representou a Universidade em eventos científicos internacionais. Especialista em Direito Antidiscriminatório e Diversidades.

@mayaralcosta

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