OPINIÃO
- * Por Leticia Lefevre
Cuidar de uma pessoa com deficiência é uma tarefa que exige muito esforço físico e emocional.
Mães e familiares que assumem esse papel muitas vezes enfrentam uma sobrecarga significativa, o que pode ter um impacto negativo em sua saúde mental e física.
A realidade das mães e familiares de pessoas com deficiência é marcada por uma rotina intensa e desafiadora. Eles frequentemente precisam lidar com demandas constantes de cuidado, como alimentação, higiene, medicação, terapias e acompanhamento médico. Além disso, muitas vezes enfrentam dificuldades financeiras, falta de apoio e isolamento social.
Essa sobrecarga pode levar a intercorrências de saúde mental, como estresse, ansiedade, depressão e exaustão emocional. Muitas mães e familiares relatam sentir-se constantemente preocupados, cansados e sobrecarregados. A falta de tempo para si mesmos e para cuidar de sua própria saúde também pode levar ao desagaste físico, como dores musculares, problemas de sono e enfraquecimento do sistema imunológico.
Além disso, a falta de apoio e compreensão da sociedade pode agravar ainda mais a situação. Muitas vezes, as mães e familiares de pessoas com deficiência enfrentam estigmas e preconceitos, o que pode aumentar o sentimento de isolamento e dificultar a busca por ajuda e suporte, principalmente, quando o assunto é ele: o cuidador.
É fundamental que as mães e familiares de pessoas com deficiência que exercem os cuidados diários tenham acesso a apoio e recursos adequados. Isso inclui serviços de respiro, que permitem que eles tenham um tempo para descansar e cuidar de si mesmos, além de suporte emocional, como grupos de apoio e aconselhamento psicológico.
Também é importante que a sociedade reconheça e valorize o trabalho dessas mães e familiares. É necessário promover uma cultura de inclusão e respeito, que reconheça o esforço e dedicação dessas pessoas e ofereça suporte e compreensão.
Esses familiares não são exemplos de superação, nem super-heróis, são pessoas comuns que em grande parte das vezes são esquecidas e negligenciadas pela sociedade, sob o manto velado da falta de políticas públicas e de proteção a eles.
Grande parte das mães e familiares de pessoas com deficiência vive de benefício assistencial, o BPC/LOAS, em razão de não ter com quem deixar seus filhos, como também pelo medo de arriscar-se no mercado de trabalho para complementar a renda e “perderem” o benefício que muitas vezes é a única fonte de recurso financeiro da família.
E ainda tem que lidar com vieses do capacitismo, quando ouvem: “Deus só dá uma cruz dessa para quem pode carregar”, filho = cruz, nunca, filho é amor, é cuidado, é afeto.
Cuidar de quem cuida é essencial para garantir o bem-estar das mães e familiares de pessoas com deficiência. A saúde mental e física de quem cuida é fundamental para que elas possam continuar oferecendo o melhor cuidado possível para seus entes queridos com deficiência.
Primeiramente, vale lembrar que de acordo com a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, a Lei nº 12.764/2012, em seu artigo 1º, § 2º, a pessoa com Transtorno do Espectro Autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais, então todos os direitos aplicados para a pessoa com deficiência devem ser aplicados para as pessoas com autismo, estendendo a seus cuidadores.
No artigo 2º, VII, da Política está previsto incentivo à formação e à capacitação de profissionais especializados no atendimento à pessoa com transtorno do espectro autista, bem como a pais e responsáveis.
Mas e aí Dra. Leticia, quem cuida das pessoas com deficiência e autismo, tem algum direito?
Que pergunta difícil! Queria eu poder falar que SIM, confirmando essas três letras maiúsculas, mas infelizmente o que temos é muito pouco.
Já falamos o que há na Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.
Agora, falaremos sobre a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a Lei nº 13.146/2015 que reconhece o papel dos cuidadores e estabelece alguns poucos direitos a eles.
Contudo, para entendermos quem são os cuidadores é necessário que compreendamos o que significa “cuidador” na LBI.
A Lei não define cuidador literalmente, mas deixa entender, que ele pode ser o atendente pessoal ou acompanhante. O artigo 3º da LBI define a nomenclatura quem são essas pessoas:
- atendente pessoal: pessoa, membro ou não da família, que, com ou sem remuneração, assiste ou presta cuidados básicos e essenciais à pessoa com deficiência no exercício de suas atividades diárias, excluídas as técnicas ou os procedimentos identificados com profissões legalmente estabelecidas;
- acompanhante: aquele que acompanha a pessoa com deficiência, podendo ou não desempenhar as funções de atendente pessoal.
Ao analisarmos a LBI encontramos no artigo 9º, § 1º alguns direitos em relação ao atendente pessoal e ao acompanhante da pessoa com deficiência, são eles:
- proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
- atendimento em todas as instituições e serviços de atendimento ao público;
- disponibilização de recursos, tanto humanos quanto tecnológicos, que garantam atendimento em igualdade de condições com as demais pessoas;
- disponibilização de pontos de parada, estações e terminais acessíveis de transporte coletivo de passageiros e garantia de segurança no embarque e no desembarque;
- acesso a informações e disponibilização de recursos de comunicação acessíveis.
Lembrando que, para a aplicação desses direitos o acompanhante ou atendente pessoal deve estar junto à pessoa com deficiência e/ou autismo.
Continuando, no artigo 17 da LBI está previsto que os serviços do SUS (Sistema Único de Saúde) e do Suas (Sistema Único de Assistência Social) deverão promover ações articuladas para garantir à pessoa com deficiência e sua família a aquisição de informações, orientações e formas de acesso às políticas públicas disponíveis, com a finalidade de propiciar sua plena participação social.
Esses serviços podem fornecer informações e orientações nas áreas de saúde, de educação, de cultura, de esporte, de lazer, de transporte, de previdência social, de assistência social, de habitação, de trabalho, de empreendedorismo, de acesso ao crédito, de promoção, proteção e defesa de direitos e nas demais áreas que possibilitem à pessoa com deficiência exercer sua cidadania.
Temos também o direito a jornada especial e redução de jornada de trabalho sem redução de salário que consiste na garantia do servido público com deficiência, direito estendido às mães e familiares responsáveis a redução ou flexibilização de jornada de trabalho sem a redução do salário, de acordo com o Decreto 6.949/2019 e o Tema nº 1097 do STF.
Outro ponto em relação ao direito do trabalho é a garantia aos trabalhadores com deficiência às mães e familiares responsáveis por eles a prioridade no preenchimento de vagas para atividades que possa ser efetuadas por meio do teletrabalho ou trabalho remoto.
Em relação à saúde dessas mães e familiares, no artigo 18, §4º inciso V da LBI é assegurado o atendimento psicológico para os familiares de e atendentes pessoais da pessoa com deficiência.
Infelizmente, além desses direitos acima, nas Leis Federais (aquelas que são válidas no Brasil inteiro) não há outros tipos de proteção legal para esses cuidadores.
Contudo, vale citar a iniciativa do estado do Mato Grosso do Sul onde há a Lei nº 6.128/2023, que instituiu o Programa Cuidar de Quem Cuida, com objetivo de contribuir com a promoção da dignidade da pessoa humana mediante o pagamento de benefício social a cuidadores não remunerados de pessoas com deficiência, visando à melhoria da qualidade de vida das famílias vulnerabilizadas pela pobreza e pela exclusão social. Todavia essa lei só é válida nesse estado.
No estado de São Paulo há o Projeto Lei nº 863/2023 de proposição da Deputada Andréa Werner que dispõe sobre a criação do Programa “Cuidar de quem cuida”, dirigido pelo Sistema Único de Assistência Social – SUAS, no Estado. O programa consiste na priorização de atendimento médico e hospitalar às pessoas que prestam cuidados às pessoas com deficiência, doentes ou idosos.
No entanto, esse projeto de Lei está tramitando, ou seja, ele não se tornou lei ainda. Ele só se tornará Lei após aprovado pela Câmara de Deputados Paulista e sanção (aprovação) do governador do estado.
Uma dúvida muito recorrente é em relação ao acréscimo de 25% a aposentadoria. De acordo com a Lei nº 8.213/91, no art. 45 é previsto o acréscimo de 25% no valor da aposentadoria por incapacidade permanente (aposentadoria por invalidez) do segurado que necessitar de assistência permanente de outra pessoa. Em outras palavras, esses 25% destinam-se apenas aos aposentados com “invalidez“, que necessitam de em “cuidador”.
O Anexo I do Decreto 3.048/99 traz a relação das situações em que o aposentado por incapacidade permanente (aposentadoria por invalidez) que terá direito a esse aumento de 25%.
Vale ressaltar que desde 2020 o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral da matéria, por meio do julgamento do tema 1095 onde foi NEGADO o direito à extensão do benefício aos demais tipos de benefícios tais como aposentadorias por idade, tempo de contribuição, pensão por morte, auxílio por incapacidade temporária ou benefícios assistenciais, tais como o BPC, entre outros.
Destaca-se que, apesar de pouquíssimos direitos em relação aos cuidadores de pessoas com deficiência, não podemos esquecer que acima de tudo eles têm direito a respeito, empatia e reconhecimento pelo trabalho que realizam.
A sociedade deve valorizar e apoiar essas pessoas, pois elas desempenham um papel fundamental na vida das pessoas com deficiência.
Portanto, é essencial que essas pessoas sejam reconhecidas pela lei, garantindo direitos básicos para que possam desempenhar suas funções com o mínimo de dignidade. Afinal, cuidar de uma pessoa com deficiência é uma tarefa desafiadora e que exige muito amor, dedicação e esforço.
- * Leticia Lefevre é Advogada especialista em inclusão e direitos da pessoa com deficiência, em advocacy, membro efetivo da Comissão de Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB/SP e membro representante do estado de São Paulo da Comissão Nacional dos Direitos dos Autistas da ABA (Associação Brasileira de Advogados), Community Manager da Comunidade Crianças Especiais.