Representantes da sociedade de diferentes regiões do Brasil encaminharam ao Ministro da Educação – Camilo Santana e a Secretária de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos,
Diversidade e Inclusão – Zara Figueiredo uma manifestação do GT Educação e Trabalho, formado por profissionais com e sem deficiência com o intuito de estudar, discutir e participar de temas ligados aos direitos das Pessoas com Deficiência à Educação e ao Trabalho vem, respeitosamente, ao Ministério da Educação manifestar-se CONTRA a homologação do Parecer 50/2023 do Conselho Nacional da Educação.
Confira a íntegra do documento que o Diário PcD teve acesso:
Iniciamos pelo final do Parecer 50/2023: “Compartilhamos, por fim, as duas perguntas que nos moveram a seguir em frente durante meses de reuniões, pesquisas, debates acalorados e consensos e que esperançamos que também sigam mobilizando outros tantos nessa caminhada em que todos têm uma importância fundamental: Se não formos nós, então quem? Se não for agora, então quando?”
Quem é esse “nós” que se arroga todas as verdades no campo da Educação Inclusiva?
São Pessoas com Deficiência? Professores de sala de aula? Implementaram a política de 2008 defendida pela gestão atual do MEC? Manifestaram-se contra o decreto 10.502/2020, que foi um retrocesso na Educação Inclusiva e contou com forte mobilização de Pessoas com e sem Deficiência, de instituições a favor da Educação Inclusiva e que foi revogado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, (Decreto 11.370/2023) imediatamente após sua posse?
E esse “quando”?
Temos desde 2008 a “Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva”, com instrumentos que garantem a inclusão de todos os estudantes. Já temos a previsão do projeto pedagógico que institucionaliza o Atendimento Educacional Especializado, o Plano de Atendimento Educacional Especializado, a oferta de serviços e recursos de acessibilidade que eliminem as barreiras e promovam a inclusão plena, a adoção de medidas individuais e coletivas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social dos estudantes com deficiência, do planejamento de Estudo de Caso, a participação da família, dos estudantes e da comunidade escolar na inclusão, de profissionais de apoio e de professores de atendimento educacional especializado;
O Parecer 50/2023 também contraria a “Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva” ao trazer o foco novamente para a mudança do comportamento do aluno autista, inserindo na escola documentos e pessoas estranhas à Política de 2008 e à Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (n.o 13.146/2015) como Acompanhantes Especializados (Agentes Terapêuticos) e Plano Individual Especializado.
Ele ignora o que já temos, como se trouxesse novidades e sugere que sua não homologação traria graves danos.
Porém, ainda mais preocupante é o que o Parecer 50/2023 traz de “novo”: apresenta ideias e propõe serviços com foco no autismo e não nas barreiras enfrentadas por alunos com autismo. Apega-se ao conceito médico da deficiência, agrupando todos os alunos com autismo em uma mesma categoria, como se suas necessidades fossem iguais e seus comportamentos tivessem que ser “normalizados”.
Apresenta conceitos e premissas já há muito ultrapassados ou até mesmo contestáveis, indo de encontro aos marcos legais vigentes. Como define a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006), (ratificada no Brasil e com status de Constitucional, “A Deficiência é um conceito em evolução” e “A Pessoa com Deficiência é compreendida como aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”
Assim, o Parecer 50/2023 ressalta o modelo médico da deficiência e sugere um documento específico para o autismo. Será que o Conselho Nacional de Educação pensa em criar documentos baseados em todos os impedimentos, como Documentos de Orientações Específicas para o Público da Educação Especial: Atendimento de Estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA), de estudantes cegos, surdos, com deficiência física, mental e intelectual?
O que todas as Pessoas com Deficiência têm em comum? BARREIRAS.
O que uma Política de Educação Inclusiva deve atacar? BARREIRAS.
Cada Pessoa com Deficiência, ainda que com o mesmo impedimento, enfrenta barreiras diferentes e de formas diferentes. Toda pessoa é única. Daí a importância do Plano de Atendimento Educacional Especializado/PAEE e o Estudo de Caso.
Não adianta os sistemas de ensino universalizarem o acesso e continuarem a excluir pessoas e grupos considerados fora dos padrões homogeneizadores da escola. A criação de bolhas ao redor dos alunos com deficiência dentro da escola é contrária à Inclusão.
O quadro comparativo entre o Plano de Atendimento Educacional Especializado/PAEE e o Plano Educacional Individualizado/PEI (pág. 52 e 53) traz um equívoco quanto ao local de implementação do PAEE, ao afirmar que deve estar no “(…) âmbito das Salas de Recursos Multifuncionais ou em centros de Atendimento Educacional Especializado da rede pública, ou de instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos.”
Esta afirmação não corresponde à legislação: o local de implementação do AEE é em todos os locais da escola, principalmente e inclusive na sala de aula regular.
O Parecer 50/2023 desconsidera o que já existe e foi amplamente discutido pelo legislador com a promulgação da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência e se refere genericamente a “práticas baseadas em evidências” e afirma haver “carência de evidências científicas de experiências brasileiras”.
Ora, a Pedagogia brasileira é referência internacional: professores e professoras brasileiros têm trabalhos de inclusão, documentados em farta produção acadêmica, artigos, notícias e vídeos.
Pelo exposto, instamos ao MEC não homologar o Parecer 50/2023, que já está publicado em sua página oficial e alardeado por seus criadores nas redes sociais como algo já posto, como um normativo a se seguir, embora ainda aguarde homologação, o que pode induzir a entendimento errôneo. O simples fato de o Parecer 50/2023 ter sido construído e estar aguardando homologação, já tem movimentado sistemas de educação e mercados, infelizmente.
Além da não homologação, reivindicamos que o MEC produza conteúdo em linguagem simples e com recursos de acessibilidade sobre a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, com ênfase sobre a concepção de Educação Inclusiva em vigor desde 2008 (Decreto legislativo 186) e destine recursos para IMPLEMENTÁ-LA com qualidade e em sua totalidade.
Assinam o documento:
- Tereza Cristina Rodrigues Villela – Doutora em Educação Especial –
Universidade Federal de São Carlos – Professora do Atendimento Educacional
Especializado, pessoa com baixa visão. - Pedro Lucas Costa, Autista e Mestre em Educação Especial no Domínio
Cognitivo e Motor – Universidade Fernando Pessoa/Porto-Portugal; Especialista
em Orientação Educacional, Psicopedagogia Institucional e Clínica e
Neuropedagogia; Licenciado em Pedagogia – IESB. Atua como Psicopedagogo
e Professor de Atendimento Educacional Especializado. - Marta Esteves de Almeida Gil; socióloga/USP; Consultora nas áreas Educação
e Trabalho; Coordenadora Executiva do Amankay Instituto de Estudos e
Pesquisas. - Luciana Xavier Sans de Carvalho – Auditora Fiscal do Trabalho – Coordenadora
Estadual dos Projetos de Aprendizagem Profissional, Combate ao Trabalho
Infantil e Inclusão de Pessoas com Deficiência e Reabilitadas do INSS no
Mundo do Trabalho em Santa Catarina – Conselheira do Instituto Trabalho
DIGNO. - Cleunice Bohn de Lima, formação em Administração – graduação e
especialização/USP, militante em movimentos, conselhos de direitos e
representações da sociedade civil organizada pelos direitos das pessoas com
deficiência; mãe de uma pessoa com síndrome de Down. - Gislana Maria do Socorro Monte do Vale. Doutoranda em
Psicologia/Universidade Federal Fluminense; Mestre em Avaliação de Políticas
Públicas/Universidade Federal do Ceará; Especialista em Política Educacional
pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte; Consultora em Políticas
Públicas e Acessibilidade Cultural. - Rosana Lago, fundadora da Frente Nacional de Mulheres com Deficiência,
Administradora, especialista em Auditoria em Serviços de Saúde e graduanda
em Direito, membra da ONG Vida Brasil.
Excelente e importante reportagem! Assunto muito relevante para a nossa sociedade contemporânea!
Parabéns aos envolvidos!