Nos últimos anos tem sido registrado um aumento notável no número de casos diagnosticados de autismo em território brasileiro. Este fenômeno pode ser atribuído a uma combinação de fatores, incluindo um aprimoramento dos métodos de diagnóstico, maior conscientização por parte da sociedade, acesso à informação e mudanças nos critérios de diagnóstico. Esse aumento não somente destaca a necessidade de compreensão e aceitação, mas também a importância de fornecer suporte e recursos adequados para famílias e indivíduos com autismo.
De acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC – Center of Diseases Control and Prevention), nos Estados Unidos, estima-se que cerca de 1 em cada 44 crianças tem diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Infelizmente, os dados específicos sobre o aumento de diagnósticos de autismo no Brasil podem ser mais difíceis de encontrar devido a variações regionais e limitações nos levantamentos estatísticos. No entanto estima-se que cerca de 4 milhões de pessoas vivem com o autismo no Brasil. Dados do CDC mostram que até 2% da população mundial tenha o transtorno.
Esses dados de crescimento trazem, em conjunto, desafios e oportunidades. À medida que mais pessoas são diagnosticadas, surge a necessidade de uma resposta mais abrangente por parte das instituições de saúde, educação e da sociedade em geral. É essencial que o sistema esteja preparado para oferecer um suporte eficaz e acolhedor para todos os indivíduos com autismo, garantindo que possam alcançar seu potencial e participar plenamente da sociedade.
Mas apesar do aumento significativo no número de diagnósticos de autismo, o acesso ao tratamento e suporte adequados para pessoas com autismo no Brasil continua sendo um desafio. Famílias muitas vezes se deparam com a falta de serviços especializados, longas listas de espera e barreiras financeiras, tornando a jornada do autismo ainda mais desafiadora.
A carência de terapias e recursos especializados pode impactar negativamente no desenvolvimento e no bem-estar das pessoas com autismo. Além disso, a falta de compreensão e aceitação na sociedade e, muitas vezes, das próprias famílias, por falta de acesso ao conhecimento, pode aumentar ainda mais as dificuldades enfrentadas.
Dificuldades de acesso ao tratamento especializado para Autismo
Joanilson Silva, de 38 anos, relata as lutas emocionais, financeiras e logísticas para garantir o melhor cuidado para o filho Abner, de 9 ano, diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Eles moram na cidade de São Fernando, localizada no Rio Grande do Norte, e enfrentam desafios diários ao procurar tratamento especializado para o filho:
“A falta de acesso ao tratamento adequado impacta profundamente a qualidade de vida da nossa família. Para atender às necessidades do meu filho, enfrentamos desafios financeiros significativos devido ao alto custo do tratamento especializado para o autismo – em Análise do Comportamento Aplicada (ABA). A escassez de profissionais e instalações capacitadas na nossa região do Seridó-RN, aliada à ausência de cobertura por planos de saúde, torna ainda mais difícil a obtenção do tratamento necessário.”
Joanilson descreve as dificuldades adicionais de adquirir conhecimento especializado sobre o manejo do autismo em um ambiente com recursos limitados:
“Embora tenhamos implementado várias estratégias por conta própria, a falta de acesso contínuo ao tratamento em ABA é uma barreira significativa para o progresso ideal de Abner”, relata o pai.
E o caso de Francisca Nascimento, de 40 anos, residente da cidade de Campinas, São Paulo, não é diferente. A dificuldade em obter cuidados adequados para seu filho Nicollas, de 7 anos, diagnosticado com autismo, tem impactado em diversos aspectos a vida da família, revelando as lacunas existentes, mesmo em regiões com acesso aparente a recursos e conhecimentos. Francisca descreve as lutas diárias que enfrenta devido à falta de tratamento especializado para seu filho:
“A ausência desse suporte impacta diretamente o desenvolvimento do meu filho, interferindo em sua capacidade de se comunicar e aprender na escola. É angustiante a incapacidade do meu filho de se expressar claramente. Isso nos faz sentir impotentes e incapazes de prover o apoio necessário que ele merece. Quero tanto ajudá-lo a se alfabetizar corretamente, mas sinto que não tenho o conhecimento necessário para oferecer o suporte adequado.”
Esses desafios têm impacto significativo na saúde mental de Francisca, levando-a a noites de insônia e angústia:
“Há momentos em que me sinto completamente sobrecarregada. Ver o potencial do meu filho, e não conseguir ajudá-lo da forma que ele precisa me consome emocionalmente. Já enfrentei momentos de depressão e muito desespero.”
Desafios no acesso ao tratamento para o autismo pelo SUS
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição complexa que afeta a comunicação, interação social e comportamento. No Brasil, milhares de famílias enfrentam o desafio de lidar com o TEA – assim como relatado nessa reportagem – e não possuem recursos financeiros para buscar tratamento particular, restando apenas o acesso ao tratamento através do Sistema Único de Saúde (SUS).
Segundo informações do ministério da Saúde, em casos suspeitos de TEA, o paciente é encaminhado à Unidade Básica de Saúde para avaliação da equipe de Atenção Primária. Caso necessário, o paciente é direcionado à Atenção Especializada em Reabilitação, onde passará por avaliação biopsicossocial e terá elaborado um Projeto Terapêutico Singular (PTS). A gestão direta dos serviços aos usuários no âmbito da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência é de responsabilidade dos gestores locais (Secretarias de Saúde), visando programar e regular os serviços de acordo com as necessidades identificadas.
O atendimento às pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) no Sistema Único de Saúde (SUS) é uma jornada complexa que exige um enfoque integrado e sensível às necessidades específicas de cada indivíduo.
Embora exemplificado o atendimento em nível nacional, é necessário ressaltar que cada região do país pode ter suas particularidades e desafios específicos. A busca pela melhoria contínua do atendimento às pessoas com TEA exige o comprometimento das autoridades locais, dos profissionais de saúde e de toda a sociedade, para garantir que as pessoas com TEA recebam a atenção e os cuidados necessários para seu desenvolvimento e qualidade de vida.
Diante desse cenário, é crucial que políticas públicas, iniciativas privadas, organizações sem fins lucrativos se unam para promover o acesso equitativo a serviços de saúde e educação, garantindo que todas as pessoas com autismo recebam o suporte necessário, independentemente de sua localização geográfica ou situação financeira.
Violência contra crianças e adolescentes com deficiência: um grave problema a ser enfrentado
A violência contra crianças e adolescentes é um fenômeno amplo e complexo. No Brasil, os números relatados são igualmente preocupantes, com um número alarmante de casos de violência letal por agressão, principalmente devido à violência doméstica.
De acordo com último relatório INSPIRE publicado pela Organização Mundial as Saúde (OMS), o Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF) e a Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a violência atinge 1 bilhão de crianças, e mais de 50% de crianças e adolescentes de 2 a 7 anos de idade já sofreram violência psicológica, física ou sexual, dentre essas, crianças que possuem alguma deficiência ou se enquadram no espectro do autismo.
De acordo com a especialista no Direito da Criança e do Adolescente, Dra. Marina Bittencourt, trata-se de um sério problema global que afeta pessoas, famílias e comunidades, independentemente de sua classe social, variando de acordo com ambientes e contextos socioculturais:
“A violência pode se manifestar de diversas formas, tais como física, psicológica, negligência e sexual. A violência física ocorre quando um adulto, intencionalmente, por meio de ações e atitudes, afeta a integridade física ou saúde corporal da criança ou adolescente, infringindo assim as leis de proteção à infância. Da mesma forma, a violência psicológica, negligência e abuso sexual são formas graves de violência, gerando grande sofrimento mental e emocional, e podendo afetar significativamente o desenvolvimento e bem-estar das vítimas.”
E uma triste realidade que muitas vezes passa desapercebida, é a violência contra crianças e adolescentes com deficiência. Infelizmente, elas estão mais propensas a serem vítimas de violência devido às suas dificuldades em relatar, entender ou pedir ajuda. Muitas vezes, as denúncias são descredibilizadas e elas se sentem inseguras em compartilhar suas experiências, e ainda quando conseguem. Essa vulnerabilidade adicional exige uma atenção especial por parte da sociedade e das autoridades para garantir a proteção e segurança desse grupo mais vulnerável.
A abordagem da violência contra crianças e adolescentes requer um amplo leque de ações coordenadas. A atuação em rede de órgãos, autoridades e sociedade civil é crucial, alinhada a três eixos essenciais: promoção, defesa e controle social da efetivação dos direitos das crianças e adolescentes.
Os organismos como Conselhos Tutelares, Delegacias Especializadas, o Ministério Público, a Defensoria Pública, entre outros, são essenciais na defesa dos direitos da infância. Por outro lado, a promoção dos direitos é liderada pelo governo em parceria com a sociedade civil, e o controle social visa garantir a efetivação desses direitos.
É importante ressaltar que muitos casos não são notificados, o que torna a situação ainda mais preocupante. A implementação de programas sociais desempenha um papel fundamental na conscientização e na prevenção da violência contra crianças e adolescentes. Esses programas não apenas educam os pais e cuidadores sobre os diferentes tipos de violência, sinais e consequências, mas também visam quebrar o ciclo da violência.
Dra. Marina Bittencourt cita o “Programa ABA Sem Fronteiras”, idealizado pelo Instituto Spectra – órgão sem fins lucrativos – que visa promover a proteção das crianças com TEA (Transtorno do Espectro Autista), como um exemplo valioso de como os programas sociais podem desempenhar um papel ativo no combate à violência:
“O treinamento gratuito para pais e cuidadores de crianças autistas, oferecido pelo Instituto Spectra, por exemplo, juntamente com palestras sobre os direitos das crianças e adolescentes e a violência, têm o potencial de plantar sementes de transformação social, e são iniciativa essenciais para a garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes.”
Projeto “ABA Sem Fronteiras”: levando conhecimento, cuidado e proteção”
Apesar de a ABA (Análise do Comportamento Aplicada) ser uma intervenção comprovada cientificamente, a realidade é que a maior parte das famílias e indivíduos autistas no Brasil se vê privada do acesso a esse tipo de tratamento.
Questões financeiras desempenham um papel central nesse cenário desafiador. O custo elevado das intervenções em ABA muitas vezes se revela inacessível para a maioria das famílias, criando disparidades significativas e privando aquelas que mais necessitam desse apoio fundamental. Além disso, a escassez de profissionais qualificados em ABA em regiões mais remotas do país faz com que muitas famílias enfrentem não apenas dificuldades financeiras, mas também limitações geográficas no acesso a tratamentos adequados.
Nesse contexto desafiador, o Instituto Spectra tem desempenhado um papel crucial por meio do Projeto “ABA Sem Fronteiras”, buscando preencher lacunas e levar esperança a essas famílias.
Ao promover a conscientização sobre os desafios enfrentados pelas famílias e indivíduos com TEA, o Instituto busca quebrar as barreiras que limitam o acesso a abordagens terapêuticas essenciais, levando educação, apoio e assistência, tanto para as famílias quanto para os profissionais, com o intuito de fortalecer a rede de apoio de crianças e adolescentes com TEA, para as comunidades carentes, famílias de baixa renda que mais necessitam.
De acordo com a presidente do Instituto Spectra, Renata Michel, o projeto visa promover uma mudança significativa no atual panorama de tratamento do TEA no Brasil:
“O Instituto Spectra oferece uma variedade de programas, incluindo terapias comportamentais, suporte para famílias, programas de educação especializados e treinamento para habilidades sociais. Além disso, promovemos a conscientização por meio de eventos comunitários, palestras e workshops destinados a disseminar informações sobre o TEA. Buscamos criar um impacto positivo e duradouro na vida das famílias.”
Outro ponto de destaque nos objetivos do projeto é a promoção da educação em Direitos das Crianças e Adolescentes, esclarecendo o que é violência e explicando o Sistema de Garantias dos Direitos das Crianças e Adolescentes. Segundo Renata Michel, essa abordagem visa empoderar pais e cuidadores, promovendo uma cultura de paz e o desenvolvimento saudável das pessoas com TEA.
Estabelecer melhores práticas e fornecer orientações especializadas representa um passo crucial na garantia de que os indivíduos com TEA recebam o suporte adequado para seu desenvolvimento e bem-estar.
“Precisamos nos reunir como sociedade para melhorar e ampliar os serviços voltados para a assistência de nossas crianças e adolescentes com TEA. O programa ABA sem Fronteiras tem esse nome justamente para alcançarmos regiões do país que enfrentam dificuldades de acesso à informação e serviços essenciais. Precisamos assegurar que todas as crianças, independentemente de sua localização, recebam o apoio de que precisam para alcançar uma melhor qualidade de vida”, comenta a presidente do Instituto Renata Michel.
Vale ressaltar que o Instituto Spectra é uma organização sem fins lucrativos, financiada em parte por doações e parcerias com empresas privadas que compartilham sua missão de inclusão e desenvolvimento comunitário.
A esperança da família e de muitas outras na mesma situação reside em iniciativas como essas. Francisca, mãe de Nicollas, citada na reportagem, acredita no potencial desse projeto para transformar vidas, citando a mudança radical que ocorreu na vida de seu filho como exemplo:
“Antes do projeto, meu filho sofria imensamente. No entanto, após participar, ele se tornou uma criança mais feliz, comunicativa e autônoma. Essa iniciativa é incrivelmente importante para famílias como a nossa.”
A esperança é que iniciativas como o ‘ABA Sem Fronteiras’ possam se expandir, oferecendo apoio e recursos vitais para as famílias de crianças autistas, garantindo a elas a chance de alcançar seu pleno potencial. Além disso, o evento marcado para a cidade de Caicó, no Rio Grande do Norte, em março de 2024, representará um momento importante para um grande passo desta iniciativa.
Evento ABA Sem Fronteiras – Caicó/Rio Grande do Norte
O acesso ao tratamento para pessoas com TEA no Rio Grande do Norte tem sido um desafio para muitas famílias. O Centro de Educação e Reabilitação (CER) em Caicó enfrenta uma alta lista de espera de crianças com autismo devido à falta de profissionais e infraestrutura. Mesmo com a abertura de outro CER em Currais Novos, a demanda ainda é muito superior à capacidade de atendimento.
Esses desafios ressaltam a necessidade de mais investimentos em recursos e profissionais especializados para atender adequadamente as pessoas com TEA na região. A espera prolongada por serviços essenciais coloca em evidência a urgência de uma resposta efetiva para atender a demanda crescente por tratamentos especializados em TEA no Rio Grande do Norte.
O Instituto Spectra, que lidera o Projeto ABA Sem Fronteiras, busca conscientizar e capacitar profissionais da saúde, educação, assistência social, conselheiros tutelares, pais e cuidadores de crianças e adolescentes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) na cidade, através da promoção do evento local.
A presidente do Instituto Spectra, Renata Michel, enfatiza a urgente necessidade de ampliar o acesso ao tratamento para indivíduos com autismo no país. Ela destaca que o evento ABA Sem Fronteiras, que ocorrerá em Caicó/RN, tem como objetivo promover a conscientização e treinamento em Análise do Comportamento Aplicada (ABA) para pais e profissionais. Além disso, a palestra visa informar pais, profissionais e cuidadores sobre os direitos das crianças e dos adolescentes com autismo:
“O público-alvo desse evento inclui profissionais da saúde, educação, assistência social, conselheiros tutelares, pais e cuidadores de crianças e adolescentes com TEA. As ações planejadas para o evento incluem treinamento em ABA para pais e profissionais, palestras de conscientização, sessões de acolhimento com crianças/adolescentes e seus cuidadores, e aconselhamento individual para pais e cuidadores sobre os direitos das crianças e dos adolescentes com autismo.”
Até o momento, o projeto permanece 100% financiado pela iniciativa privada. O evento conta com o apoio oficial da 10ª DIRED – Diretoria Regional de Educação e Cultura e dos Desportos – Caicó/RN, Rede de Proteção à criança e ao adolescente, Secretaria Municipal de Saúde de Caicó, Corujas do Seridó, Centro Especializado de Reabilitação – CER III e da Rádio Solidariedade 106 FM.
A conscientização sobre a importância do acesso ao tratamento e suporte para pessoas com autismo é fundamental para promover uma sociedade mais inclusiva e justa. A garantia de recursos e serviços adequados não apenas melhora a qualidade de vida das pessoas com autismo, mas também enriquece a sociedade como um todo, promovendo a diversidade e o respeito às diferenças
Este evento tem o potencial de fornecer conhecimento, orientação e suporte necessários para melhorar a vida dos filhos com autismo e famílias. Joanilson, morador da região de Caicó, e citado no início da reportagem, acredita que o evento representa uma luz no fim do túnel para famílias como a dele:
“Essa iniciativa permite que famílias como a nossa obtenham acesso a informações valiosas e recursos essenciais para o cuidado e o desenvolvimento das nossas crianças autistas.”