OPINIÃO
- * Por Por Flávia Marçal e Lucelmo Lacerda
O princípio da gestão democrática da educação, previsto no artigo 206 da Constituição de 88, é também uma luta histórica dos movimentos a favor dos direitos das pessoas com deficiência. Assim, ao falarmos da participação desse público e de suas famílias na elaboração das políticas educacionais, é possível destacar dois pontos essenciais. O primeiro considera a participação na elaboração de políticas públicas, cuja formatação deve considerar o olhar de quem vivência diuturnamente a ausência de igualdade de oportunidades motivada pela não retirada de barreiras. Instrumentos colegiados podem ser significativos neste processo, como conselhos, fóruns e grupos representativos.
O segundo ponto se traduz em como fazer a participação ocorrer, de fato, no chão da escola. Aqui o destaque aponta para a participação dos alunos com deficiência e suas famílias na elaboração do Projeto Político Pedagógico (PPP) como ferramenta de planejamento e compliance inclusivo para toda a instituição. Somada ao PPP, a participação dos estudantes com deficiência e suas famílias na adoção de medidas individualizadas e coletivas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, como propõe o artigo 28, inciso V da LBI, também é um caminho valoroso.
Isto porque os planos, seja o Plano de Atendimento Educacional Especializado (PAEE), seja o Plano Educacional Individualizado (PEI), são potenciais mecanismos de mediação de perspectivas, vez que neles poderão constar as atividades que serão realizadas, formas de participação, adaptações razoáveis e tecnologias assistivas, com a concordância de todos e monitoramento conjunto sobre seu cumprimento. Assim, planejamento, deliberação conjunta, adaptações razoáveis e uma vontade ímpar de garantir efetividade à Lei propiciam que as necessidades, potencialidades e habilidades das pessoas com deficiência mereçam a devida atenção.
O comentário Geral da ONU nº 7 que trata sobre a participação de pessoas com deficiência, inclusive crianças com deficiência, por meio de suas organizações representativas, na implementação e monitoramento da Convenção internacional de Direitos das Pessoas com deficiência traz importantes aspectos para o tema. Portanto, o processo de efetividades destas políticas não deve prescindir esse processo de escuta, o que se traduz em uma mudança cultural significativa de participação.
Destaque-se que há pessoas com autismo que possuem severas dificuldades comunicacionais e podem não conseguir comunicar-se indicando seus interesses e necessidades – inclusive do ponto de vista da formulação de políticas públicas –, ainda que com a utilização das tecnologias assistivas, como pranchas de comunicação alternativa. Por isso, a oitiva de suas famílias é tão essencial nesse processo de representatividade.
Logo, a tríade família, escola e pessoa com autismo é mola propulsora para uma gestão democrática. Um caminho valoroso a se trilhar em tempos onde desafios e potencialidades se apresentam no cotidiano escolar.
- * Flávia Marçal é advogada, professora da UFRa, Doutora em Ciências Sociais e gestora do Grupo Mundo Azul.
- * Lucelmo Lacerda é Doutor em Educação, pesquisador de educação inclusiva e autor do livro “Transtorno do Espectro do Autismo: uma brevíssima introdução”.