- * Por Inajara Piedade da Silva
O diagnóstico de um filho com TEA – Transtorno do Espectro Autista pode ser devastador para muitas famílias. Não foi diferente na minha. O período de luto e aceitação que cada família precisa trilhar, é diferente e justificável diante da diversidade humana.
De um dia para o outro o que era importante não é mais. A mudança imposta, precisa ser encarada. As atitudes diante do novo quadro necessitam ser implementadas. Este relato objetiva demonstrar que a família é a ponte mais segura para o desenvolvimento de uma criança diagnosticada com autismo.
O autismo é um transtorno global do desenvolvimento, normalmente se manifesta até os 3 anos de idade e dura a vida toda. Não existe cura do autismo, e sim tratamentos adequados que auxiliam na diminuição dos traços que normalmente são encontrados nas pessoas com autismo.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que uma em cada 160 crianças tem transtorno do espectro autista (TEA), é mais comum que o câncer, a Aids e o diabete em crianças. No Brasil não existe dados precisos quanto ao número de pessoas autistas, apenas em 2019 a Lei n. 13.861 incluiu nos censos demográficos as especificidades inerentes ao transtorno do espectro autista.
A família não está preparada para receber uma criança com TEA e na maioria dos casos, não consegue identificar o transtorno. Um complicador que é encontrado com facilidade pelas famílias está no fato de que muitos médicos quando indagados sobre alguns dos indícios de TEA justificam a criança com a frase “cada um tem seu tempo”!
Esperar esse tempo da criança é perder um tempo precioso, “é deixar uma ave rara presa em uma gaiola e esperar que ela saia voando sem abrirmos a porta”. (SILVA p.25)
Quando meu filho tinha 2 anos e 2 meses chegou para nossa família o diagnóstico de autismo. Não sabíamos do que se tratava, assim como muitas famílias não sabem. Por mais em luto que estivéssemos, resolvi que deveria buscar informação sobre o assunto. A partir deste ponto passei a avaliar meu filho, suas características próprias, quais eram as necessidades que precisavam ser trabalhadas e ir à luta.
Realizei inúmeras leituras sobre o tema, assisti diversas palestras, congressos e seminários, mas o principal foi que dediquei muito tempo ao lado do meu filho, observando e interagindo quando ele dava oportunidade. Com o tempo fui desenvolvendo material adaptado para as suas necessidades.
Com os estímulos certos, as três grandes áreas que são afetadas pelo autismo tiveram avanços significativos. Um dos grandes problemas que o autismo gera é na área da comunicação, no nosso caso a fala, só aconteceu aos 4 anos de idade, mas a comunicação foi ainda mais demorada.
As pessoas com autismo são diferentes entre si, mas é necessário entender que as pessoas são diferentes. Entretanto, é possível apontar algumas características que podem ser mais frequentes em pessoas com TEA: dificuldade de interação social; dificuldade de contato visual; comportamentos repetitivos; hiperfoco; risos inadequados; hiperatividade; atraso de linguagem; uso estereotipado e repetitivo da linguagem; a pessoa com autismo não são hábeis em mentir e enganar; sinceridade e a ingenuidade são mais intensas na pessoa com autismo; dificuldade no entendimento de ironias; possuem pensamento concreto e não entendem expressões em sentido figurado; dificuldade sensorial como por exemplo barulhos, cheiros, texturas, iluminação, toque de outrem; dificuldade em alterar a rotina; podem apresentar insônia; dificuldade de coordenação motora; andam na ponta dos pés; autoagressão; dificuldade em imaginar; utilizam os cuidadores como instrumentos para o que querem, não apontam para o objeto; possuem habilidades específicas, podem ser muitos bons em desenhos, matemática ou quebra-cabeças; hábitos alimentares restritos.
Todas as características apontadas podem ser encontradas em maior ou menor proporção, por vezes não se configuram. Elas estão presentes nas três áreas afetadas pelo transtorno, área social, comportamental e de comunicação.
O diagnóstico feito precocemente é fundamental para um melhor desenvolvimento no caso do autismo. Este deve estar conectado a uma intervenção imediata. Que normalmente é realizada com psicopedagogos, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais. A intervenção precoce pode mudar a vida da pessoa com autismo. Mas é necessário lembrar que a família precisa estar bem emocionalmente, “quando os pais estão bem eles podem ajudar ainda mais seus filhos” (TIBYRIÇÁ, BONOTTO, MEYER, KIRST p.7)
Silva, Gaiato e Reveles apontam dez mandamentos para o bom desenvolvimento da criança com autismo são eles: tratamento individualizado; currículo adaptado; hiperinvestimento em comunicação; ensino sistematizado e estruturado; engajamento de no mínimo 20 horas semanais; práticas adequadas para o desenvolvimento; contato com crianças que não possuem transtorno do espectro autista; atividades físicas; envolvimento familiar e psicoeducação familiar. (p. 223-227)
As estratégias para auxiliar no desenvolvimento da pessoa com autismo devem ser individualizadas, mas de maneira geral é possível apontar:
- Os primeiros anos são essenciais nesse processo, aproveite cada momento para desenvolver habilidades.
- Forme uma equipe de apoio.
- Priorize a formação do vínculo com a equipe multidisciplinar.
- Crie rotinas visuais.
- Materialize tudo que for possível para a criança.
- Trabalhe as Atividades da Vida Diária (AVD).
- Mantenha a casa limpa e calma, inclusive visualmente.
- Nunca falte as terapias e consultas médicas.
- Use a música como um instrumento para o aprendizado.
- Propicie novas vivências para seu filho.
Diante da experiência vivenciada em oito anos de autismo é importante que as famílias, e em especial as mães que estão entrando nesse novo mundo, se dispam dos preconceitos e das projeções que provavelmente fizeram para seus filhos. Façam um esforço e iniciem uma intervenção amorosa, com treinamentos individualizados e muito carinho. Esperar pelo Estado, pela sociedade, pelos profissionais da saúde, não levará seu filho a um melhor caminho evolutivo. “É inútil dizer: ‘estamos fazendo o possível’. Precisamos fazer o que é necessário.” (CHURCHILL, Winston)
Referências bibliográficas:
BRASIL. Lei n. 13.861 de 18 de julho de 2019. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13861.htm acesso em 02 de abril de 2024.
Organização Mundial da Saúde (OMS). https://www.paho.org/pt/topicos/transtorno-do-espectro-autista acesso em 02 de abril de 2024.
KIDD, Susan Larson. Meu filho tem autismo, e agora? São Paulo: M. Books do Brasil Editora Ltda, 2013. 128p.
SILVA, Ana Beatriz Barbosa. GAIATO, Mayra Bonifácio. REVELES, Leandro Thadeu. Mundo singular: entenda o autismo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. 287p.
TIBYRIÇÁ Renata Flores, BONOTTO Renata Costa de Sá, MEYER Claudia Luckow, KIRST Nelson. Cartilha direitos das pessoas com autismo: edição para o Rio Grande do Sul. 2013. 25p.
- Inajara Piedade da Silva é advogada, professora do IFRS campus PoA, doutoranda e mestre em Direito, investigadora do Ratio Legis Centro de Investigação e Desenvolvimento em Ciências Jurídicas da UAL – Portugal, pesquisadora CNPQ grupo de pesquisa “Trabalho e Capital” (GPTC) vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), escritora e palestrante na área de inclusão. Instagram @inajara.piedade.