OPINIÃO
- * Por Érica dos Santos e Claudio Bezerra
Trabalhar com inclusão e diversidade e buscar a empregabilidade de pessoas com deficiência no mercado tem sido uma demanda e um desafio crescente para as organizações diante do aumento em importância das práticas de ESG. E os centros de formação de profissionais, em especial as universidades, precisam ser colocados no centro do debate como parceiros estratégicos na prospecção de talentos com deficiências.
Ao abordar a inclusão, é crucial compreender que se trata de uma jornada contínua. São diversas ações que, unidas, constroem algo maior e com um impacto significativo, mas que ainda dependem bastante da iniciativa privada para ampliar o alcance das políticas públicas.
Há mais de 30 anos, a Lei Brasileira 8.213/91 determina que empresas com mais de 100 funcionários reservem de 2% a 5% de seus cargos para pessoas com deficiência. O objetivo desta legislação é amparar essas pessoas, garantindo-lhes espaço no mercado de trabalho e estimulando as empresas a promoverem sua inclusão profissional e econômica na sociedade.
Essa lei é de suma importância, pois abre portas para as pessoas com deficiência. Já, para as empresas que buscam seriamente promover a inclusão desses profissionais, ela serve como uma porta de entrada e um respaldo para garantir sua inserção.
Mas, e a etapa anterior à entrada no mercado de trabalho, quando falamos de mão de obra qualificada? Surge daí uma questão crucial: o preparo desses profissionais, que têm espaço garantido nas empresas para ingressar no mercado de trabalho, também está assegurado nas instituições de ensino, para que possam receber conhecimento trilhar uma carreira de sucesso? Ou estão fadados a preencher uma cota e se limitarem a funções muitas vezes operacionais e de baixa complexidade?
De acordo com o Censo de 2022, 9,1% da população brasileira possui algum tipo de deficiência, abrangendo deficiências físicas, visuais, auditivas ou cognitivas. No entanto, apenas 0,6% possuem ensino superior completo. Observa-se uma evasão significativa de estudantes com deficiência desde o ensino básico, o que se reflete nos cursos de ensino superior. Embora os dados precisos sobre a presença de estudantes com deficiência nas universidades sejam limitados devido à necessidade de autodeclaração no momento da matrícula, em 2019, o estado de São Paulo contava com 9.326 estudantes autodeclarados com deficiência matriculados no ensino superior, representando 0,48% do total de matriculados. A maior parte desses estudantes estão nas universidades privadas, enquanto as universidades públicas estaduais e federais contam, em média, com apenas 200 estudantes autodeclarados com deficiência, o que equivale a menos de 0,2% do corpo discente em muitas delas.
Como mencionado anteriormente, cada passo nesta jornada é crucial. Um avanço significativo já alcançado pela maioria das universidades e instituições de vestibular é garantir a acessibilidade nos processos seletivos. Nos editais dos principais vestibulares do país, como ENEM, FUVEST e VUNESP, é possível encontrar uma série de recursos disponíveis para permitir que todos os candidatos realizem as provas de forma equitativa. Esses recursos incluem interpretação em Libras, leitura labial, ledores, transcritores, provas ampliadas, provas em braile, tempo adicional de prova, uso de aparelhos próprios e acessibilidade para deslocamento nos locais de aplicação.
Um próximo passo a ser conquistado é a implementação de cotas nos vestibulares, assim como existe atualmente para pessoas pretas, pardas e indígenas. Isso garantiria um aumento no número de estudantes com deficiência e proporcionaria oportunidades para muitos futuros talentos brilhantes que, de outra forma, poderiam ser excluídos devido a barreiras socioeconômicas.
Acesso garantido por lei
Um Projeto de Lei (PL 1527/2019), em tramitação no Congresso, propõe a reserva de vagas para pessoas com deficiência nos concursos seletivos para ingresso em cursos de instituições federais de ensino superior e ensino técnico de nível médio.
Além disso, é fundamental garantir acessibilidade e recursos nas universidades para que os futuros universitários com deficiência possam cursar todos os cursos sem restrições. Atualmente, muitas universidades públicas não dispõem de verbas direcionadas, por exemplo, para a contratação de intérpretes de Libras. Isso pode resultar na exclusão desses estudantes, mesmo após terem sido aprovados nos vestibulares. Além disso, persistem desafios relacionados à acessibilidade arquitetônica, impedindo a plena participação de alunos cadeirantes ou com deficiência visual.
Até que todas essas etapas sejam concluídas e a jornada rumo à inclusão seja efetivamente realizada, é fundamental que empresas sérias continuem investindo na capacitação de seus colaboradores com deficiência. Programas como a Trilha de Desenvolvimento da Dow, voltados exclusivamente para pessoas com deficiência, oferecem oportunidades para que esses profissionais identifiquem suas habilidades e busquem os recursos necessários para crescerem profissionalmente. Soma-se a isso a função social das ONGs, pois muitas ajudam a capacitar e a fornecer ferramentas para que as pessoas com deficiência iniciem uma carreira significativa e autônoma, em vez de simplesmente preencherem cotas.
Ainda temos um longo caminho pela frente, mas temos certeza de que o processo de capacitar novos talentos e criar um mercado de trabalho mais justo e equitativo é uma tendência irreversível. Nós, como organização, devemos estar atentos ao nosso papel como influenciadores e responsáveis por possibilitar transformações profundas e positivas na cultura da nossa sociedade.
Fontes utilizadas:
- Censo 2022, sites das universidades citadas, Censo Escolar do Ensino Superior Aluno em 2019 do Governo de São Paulo, TV Globo.
- https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2194284
- * Érica dos Santos e Claudio Bezerra são co-líderes do Disability Employee Network (DEN), grupo de afinidade da Dow para integração das pessoas com deficiência