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  • qua. set 18th, 2024

Diversidade sem Inclusão: o paradoxo da Lei de Cotas após 33 anos

Diversidade sem Inclusão: o paradoxo da Lei de Cotas após 33 anos OPINIÃO - * Por Katya Hemelrijk

OPINIÃO

  • * Por Katya Hemelrijk

 A Lei de Cotas para pessoas com deficiência no Brasil (nº 8.213/1991), chega aos 33 anos como uma das principais ações afirmativas já estabelecidas para colaborar com a promoção e a inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho. A Lei de Cotas trouxe a obrigatoriedade para que as empresas com 100 ou mais funcionários destinem de 2% a 5% de suas vagas a pessoas com deficiência.
 

Ela ainda tem sido o principal motivo de abertura de vagas nas empresas. Porém, nesses 33 anos de vigência, precisamos refletir sobre os aprendizados e sobre as atualizações e melhorias que a lei precisa receber, a partir de temas que a deixam “desatualizada” e que já poderiam ter avançado para acompanhar os desafios do mundo do trabalho.


A primeira e mais importante questão que precisamos jogar luz é sobre o fato de não ter um ano sequer que a Lei de Cotas não sofra alguma ameaça. Volta e meia surge uma PL que tenta diminuir nossos direitos de inclusão em prol de flexibilizar e eximir as empresas da responsabilidade pela inclusão das pessoas com deficiência. Esses projetos de lei são normalmente a favor das empresas, dificultando ainda mais a empregabilidade, principalmente às pessoas com deficiência que têm menos acesso à oportunidades. É como se a gente já não precisasse dela para que o mercado nos contrate pelos nossos talentos, além das nossas deficiências. Torcemos para que um dia a gente vivencie esse momento, em que a inclusão será natural e não imposta, mas ainda não chegamos lá.


Outro ponto, tem a ver com a inclusão além da contratação. A Lei de Cotas tem impulsionado a contratação de pessoas com deficiência, mas falta fiscalização e garantia para o desenvolvimento e crescimento dessas pessoas dentro das empresas. Muitas vezes, ficamos confinados em cargos de entrada por anos, apenas para que as empresas cumpram a cota, sem reconhecer nosso potencial de crescimento. As empresas frequentemente resolvem suas demandas de cotas, mas não acreditam nem investem em nossas carreiras, o que impede a promoção e o avanço profissional.


De acordo com um levantamento feito este ano pela Talento Incluiros cargos de liderança nas empresas ainda estão bem distantes das pessoas com deficiência. Entre as empresas que abriram vagas específicas para profissionais com deficiência por meio da Talento Incluir, menos de 0,5% delas ofereciam oportunidades para cargos de liderança, sendo que dessas, 0,30% apresentavam salários acima de R$8.900,00.

No ano passado, do total das vagas preenchidas por pessoas com deficiência por meio da Talento Incluir, 82% foram para cargos de entrada, com salários médios de R$1.634,00 sendo, 17% para áreas operacionais e 22% para áreas comerciais e 61% em áreas administrativas das empresas contratantes. Esse é um sinal de que a Lei de Cotas precisa atuar no nosso desenvolvimento profissional também, além da contratação criando e cobrando das empresas indicadores de desenvolvimento de carreira, considerando promoções e equiparação salarial.

Aliás, a exclusão de oportunidades para a mulher com deficiência é outra questão ‘’ que a Lei de Cotas poderia resolver. Hoje, a realidade da mulher com deficiência no mercado de trabalho é a mesma das mulheres sem deficiência. Falta de equidade. De acordo com a RAIS/CAGED de 2022, apenas metade das vagas reservadas para as pessoas com deficiência são ocupadas no mercado de trabalho. Dessas, apenas 42% são ocupadas por mulheres com deficiência. Os homens com deficiência ainda têm mais oportunidades de trabalho.


Dar emprego e oportunidade de crescimento na carreira da pessoa com deficiência traz um avanço comprovado de inovação, de cultura de inclusão e respeito nas equipes. Quem não convive com as pessoas com deficiência não é capaz de criar para elas produtos e serviços, não as considera como consumidoras que de fato são.
 

Segundo a Relação Anual das Informações Sociais (RAIS) de 2021, 9 milhões de pessoas com deficiência estão aptas para o trabalho, mas apenas 521 mil possuem empregos com carteira assinada. Cerca de 8,5 milhões de pessoas com deficiência aptas para o trabalho ainda não foram contratadas. Agora imagine como ficaria esse número se não fosse a Lei de Cotas?
 

Outra situação que deixa a Lei de Cotas “desatualizada” tem a ver com a atitude capacitista das empresas que ainda escolhem os tipos de deficiências das pessoas que vão preencher suas cotas e dão preferência por contratar as pessoas com deficiências não visíveis ou “mais leves”. Isso só aumenta a exclusão dos profissionais com deficiência que, por uma oportunidade de crescimento profissional, escondem e até chegam a negar suas deficiências.
 

Para finalizar, o que está valendo mesmo é a atitude inclusiva. É o respeito ao próximo. A Lei de Cotas não é um privilégio. Ela é uma ação de equidade necessária para transformar aos poucos o conjunto de valores e crenças do mercado de trabalho para uma sociedade mais justa para todos.

  • * Katya Hemelrijk é CEO da Consultoria Talento Incluir, pioneira no país com soluções focadas nos pilares de D&I Conscientização, Contratação, Carreira e Acessibilidade e Consultoria Estratégica de Marketing e Comunicação para pessoas com deficiência. Formada em Administração de Empresas, Katya Hemelrijk tem especialização em Neurociência do Consumo e é certificada como Coach Internacional pelo ICC. É uma mulher com deficiência, que nasceu com a Osteogênese Imperfeita. Em sua trajetória profissional, traz uma bagagem corporativa e de empreendedorismo de mais de 20 anos, sendo 12 como líder de comunicação na Natura. É também palestrante, atriz e coautora do livro “Maria de Rodas” e Diversidade e inclusão e suas dimensões – Volume II (clique aqui).

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