OPINIÃO
- * Por Wagner Xavier de Camargo
No sábado dia 3 de agosto, durante a primeira etapa paulista do futebol de homens cegos ocorrida nas dependências do Centro de Treinamento Paralímpico em São Paulo, aconteceu um jogo diferente dos demais, que congregava futebolistas cegas de vários estados brasileiros, divididas em duas equipes (vermelha e azul), sob a representação da Federação Paulista de Desportos para Cegos (FPDC). O encontro foi organizado por esta federação e apoiado pela Confederação Brasileira de Desportos para Deficientes Visuais (CBDV) e Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB).
A importância deste jogo de apresentação do futsal de cegas não está nele em si, mas em sua simbologia, isto é, são as mulheres cegas se apropriando da bola com guizos para também jogarem futebol. A prática futebolística de homens cegos tem uma história de mais de cem anos, tendo sido iniciada dentro das escolas e institutos, de capitais e cidades interioranas, país adentro. Porém, o futebol de cegas é um fenômeno recente e tem tudo para se desenvolver grandemente nos próximos anos.
A prática do esporte moderno foi um privilégio garantido por/para homens (cisgêneros), desde o marco de fundação do esporte moderno estabelecido por Pierre de Coubertin, ao passo que restrições, decretos e proibições se impuseram longa e continuamente às mulheres (cis ou trans), tanto no Brasil quanto no mundo. Por mais que tenha havido resistências ao longo do século XX de atletas feministas pioneiras, como Alice de Miliat, e muitas outras, sempre tivemos na história do esporte uma sub-representação de gênero, com invisibilidades de corpos não bináries e não normativos, ou mesmo de mulheres outras, como quilombolas, negras, indígenas, e com deficiência.
Os Jogos Paralímpicos em si igualmente começaram masculinistas: o Dr. Ludwig Guttmann reproduziu as máximas de Coubertin nos anos pós-II Guerra e a proporção de mulheres com deficiência era muito menor do que a dos homens, inclusive na primeira edição em 1960. Tais Jogos ainda estão distantes de uma possível equiparação entre gêneros e, por isso, se faz importante ocupar os espaços canonizados das masculinidades paradesportivas – e o futebol é um deles.
Atualmente, muito se tem falado na mídia sobre “igualdade de gênero” nos Jogos Olímpicos em termos de equiparação do número de participantes atletas homens e mulheres. Pois o futebol de cegas é o ponto inicial de reivindicação desta “igualdade” entre gêneros no universo do paradesporto e dos Jogos Paralímpicos. Assim como os atletas cegos são pentacampeões no futebol paralímpico, agora é a hora das jogadoras cegas.
Se a “igualdade de gênero” não é algo facilmente solucionável no curto prazo, que as futebolistas cegas busquem incansavelmente suas vitórias, a fim de mostrarem que o futebol também pode ser jogado brilhantemente por elas. Que este jogo de apresentação seja uma fagulha de transformação! Meninas e mulheres cegas agradecem e o futebol também.
- * Wagner Xavier de Camargo é pesquisador que estuda gênero, deficiência e outros marcadores sociais dentro do esporte