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Importância da acessibilidade e do compromisso do Judiciário com as pessoas com deficiência

Importância da acessibilidade e do compromisso do Judiciário com as pessoas com deficiência - OPINIÃO * Por Brisa Nogueira

OPINIÃO

  • * Por Brisa Nogueira

No dia 18 de setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF), em conjunto com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), lançou uma campanha nacional de combate ao capacitismo. A ação, visualmente marcante, separa a palavra “capacitismo” em sílabas, acompanhada da definição clara: preconceito contra pessoas com deficiência. A adesão dessa campanha pelos tribunais foi ampla e, sem dúvida, ela é um passo importante no caminho da conscientização.

Tal iniciativa é significativa e não podemos ignorar a simbologia do momento. A campanha foi lançada apenas três dias antes do Dia Nacional de Luta das Pessoas com Deficiência, comemorado em 21 de setembro. Isso demonstra uma sensibilidade do Judiciário em reconhecer essa data. Entretanto, a garantia de direitos deve ser mais do que uma peça institucional — materializar-se no cotidiano das pessoas com deficiência, especialmente nos espaços do próprio Poder Judiciário.

Uma das barreiras mais visíveis é a falta de acessibilidade nos próprios tribunais. Faz parte da rotina dos operadores do direito em todos os cantos do país encontrar prédios do Judiciário que não possuem acessos adequados, como rampas, elevadores adaptados ou sinalização para pessoas com deficiência visual. Isso impacta diretamente advogados, partes e qualquer cidadão com deficiência que precise acessar esses espaços.

Também se insere no cotidiano situações em que profissionais da advocacia apresentam dificuldades para se locomover em tribunais, o que é inadmissível. A acessibilidade não é uma “cortesia” — é um direito. O Poder Judiciário, que deveria ser o exemplo máximo da garantia de direitos, ainda não consegue, em muitos casos, proporcionar um ambiente acessível para todos.

Um exemplo recente no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) ilustra essa realidade. A corte paulista está implementando uma nova plataforma digital a partir do ano que vem, o que impactará diretamente advogados e usuários. No entanto, a Comissão de Direito das Pessoas com Deficiência da OAB de São Paulo, órgão que mais entende das necessidades de acessibilidade, não foi sequer consultada sobre essas mudanças. Isso demonstra um claro descompasso entre a intenção de promover a acessibilidade e a prática cotidiana.

Quando falamos de pessoas com deficiência, o direito ao trabalho é central. Mas como exercer tal direito se os próprios ambientes de trabalho, como os tribunais, ainda não oferecem as condições necessárias? A acessibilidade deve ser plena, tanto no espaço físico quanto nas ferramentas digitais que utilizamos. O Judiciário tem a responsabilidade de garantir que seus sistemas sejam inclusivos.

No entanto, muitas vezes, o que vemos é uma falta de consulta e diálogo com as pessoas que realmente entendem das demandas de acessibilidade. Essa ausência de participação de especialistas em decisões tão relevantes e necessárias prejudica diretamente os profissionais com deficiência, dificultando ainda mais sua atuação.

Outro ponto crítico que não pode ser ignorado é o crescente número de processos envolvendo o direito à saúde de pessoas com deficiência, em especial aquelas dentro do espectro autista. Muitas famílias têm recorrido ao Judiciário para garantir o acesso a terapias e tratamentos negados pelos planos de saúde. Quando um advogado consegue uma tutela antecipada, a decisão judicial muitas vezes não é cumprida, prejudicando diretamente o tratamento dessas pessoas.

É comum que os planos de saúde descumpram ordens judiciais, mesmo sob a ameaça de multas. E, infelizmente, essas multas não têm sido suficientes para forçar o cumprimento imediato das decisões. O impacto disso é devastador para as famílias, que sofrem com atrasos no tratamento de seus entes queridos, além de um desgaste emocional e financeiro significativo.

E, do mesmo modo, quando os profissionais da advocacia representantes destas pessoas solicitam medidas mais rigorosas, como o aumento das multas ou até a instauração de inquéritos penais pelo descumprimento, raramente vemos os tribunais adotarem tais providências. Isto também perpetua uma cultura de impunidade entre os planos de saúde, que continuam a desrespeitar as ordens judiciais sem consequências adequadas.

Apesar de todo o valor simbólico que a campanha de combate ao capacitismo representa, não basta conscientizar sobre o preconceito: é necessário que o próprio Judiciário assuma a liderança na eliminação das barreiras — tanto físicas quanto processuais — que ainda limitam o acesso das pessoas com deficiência à Justiça.

A campanha da Suprema Corte é bem-vinda, mas a luta pela acessibilidade e pelos direitos das pessoas com deficiência vai muito além de slogans. É necessário que o Judiciário seja o primeiro a dar o exemplo, promovendo uma inclusão verdadeira onde os direitos não precisem ser judicializados para serem respeitados. O mundo ideal teria todos os operadores do direito unidos em prol dessa tarefa.

*Brisa Nogueira é advogada especialista nos direitos da pessoa com deficiência, integrante da Comissão de Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB/SP e sócia do escritório Brossa & Nogueira Advogadas

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