OPINIÃO
- * Por Marcelo Maroco
Nos últimos anos, a informação e o conhecimento sobre uma doença rara conhecida como Atrofia Muscular Espinhal, ou simplesmente AME, têm deixado de ser tão raros. Essa mudança se deve, pelo menos em parte, aos recentes avanços em pesquisas, à compreensão da doença, aos mecanismos de ação dos medicamentos e, sobretudo, aos esforços da comunidade científica, pacientes e familiares para o acesso a tratamentos. Entretanto, ainda é preciso mais informações para que o diagnóstico de adultos com AME permita a adesão ao tratamento para esse público. Diferente do que muitos pensam, a AME não é exclusivamente pediátrica: estima-se que 35%¹ dos pacientes sejam jovens e adultos.
A AME é uma doença neurodegenerativa (progressiva) de origem genética que atinge pessoas de todas as idades. Ela causa o mal funcionamento e até a morte dos neurônios motores, responsáveis por movimentos voluntários e involuntários. Sendo assim, ela causa fraqueza muscular que pode evoluir para a perda de reflexos, incapacidade de locomoção e alterações ortopédicas, chegando a afetar as capacidades mastigatória e respiratória. Embora mais frequente e grave em bebês, os sintomas de AME podem surgir em qualquer momento da vida.
A ampliação do teste do pezinho tem possibilitado a identificação precoce e o tratamento de crianças com AME, uma conquista que representa a chance de sobrevida e amplo desenvolvimento para os pequenos. Quando a doença se manifesta em jovens e adultos, sua progressão é mais lenta, porém não menos impactante e desafiadora.
Para as pessoas mais velhas com AME, o conhecimento pode ajudar a vencer o principal obstáculo para o diagnóstico e o tratamento. É preciso entender os principais sintomas iniciais, porque eles são comuns a uma série de outras doenças. A fadiga (cansaço) e fasciculação (sensação de músculo pulando sozinho) podem ser confundidos com indícios ligados à estresse e ansiedade, atrasando o diagnóstico. Diante de um quadro de fraqueza muscular progressiva, o atendimento especializado e a inclusão de AME de início tardio na investigação é essencial. Vale lembrar que diminuição gradual da força a cada dia irá causar problemas na locomoção e o diagnóstico e tratamento adequados modificam, para melhor, a evolução clínica.
Em 2019, o Sistema Único de Saúde (SUS) incorporou os primeiros tratamentos para AME, sendo incluídos somente aos tipos mais comuns e às fases iniciais da doença. O medicamento busca a estabilização da AME, a redução da fadiga e a melhora da força e da qualidade de vida. Os principais pontos de apoio à pessoa com AME são familiares e profissionais de saúde. Para se alcançar os objetivos de controle da doença, novos passos precisam ser dados, garantindo a equidade (universalizar a possibilidade de tratamento).
O tratamento da AME permite estabilizar a doença. Ou seja, permite que um estudante tenha menos fadiga, podendo frequentar as aulas, seu círculo de amizade, ir à padaria, mercado, açougue, participar de eventos sociais, etc. Ou que uma mulher possa se cuidar, assinar um documento e não ter a sensação de piora a cada dia (permitindo que faça planos), com as funções motoras preservadas. Parece claro que estes argumentos garantem o bem-estar físico, emocional e social dos pacientes.
É preciso difundir o conhecimento para o acesso ao diagnóstico e ao tratamento. O Brasil é um país continental, onde o deslocamento pode ser uma barreira para se alcançar um centro médico especializado. É preciso garantir a equidade a todas as pessoas, de todas as idades, que precisarem e desejarem o tratamento.
As ações acima podem proporcionar novos horizontes para a pessoa com AME, deixando para trás aquela evolução de piora inevitável, e podem permitir com que os pacientes abracem cada vitória cotidiana, como qualquer outra pessoa.
1. VERHAART, Ingrid E. C. et al. A multi-source approach to determine SMA incidence and research ready population. National Library of Medicine, 2017. Disponível em <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5502065>. Acesso em 15 de fev. 2024.
- * Dr. Marcelo Maroco é neurologista