OPINIÃO
- Por Jairo Varella Bianeck
O Projeto de Lei nº 4614/2024, atualmente em tramitação, representa um marco preocupante no cenário legislativo brasileiro. Sob o pretexto de ajustes fiscais e modernização administrativa, o texto propõe alterações no Benefício de Prestação Continuada (BPC), impactando diretamente pessoas com deficiência e outros grupos em situação de vulnerabilidade.
Embora seja inegável a importância da sustentabilidade fiscal, a análise do projeto evidencia não apenas violações a princípios constitucionais fundamentais, mas também um desrespeito às normas internacionais ratificadas pelo Brasil. A proposta, longe de apresentar soluções eficazes, pode agravar desigualdades e excluir beneficiários legítimos, comprometendo a dignidade de milhares de brasileiros.
Dignidade em Xeque
A Constituição Federal de 1988, alicerce de nossa democracia, consagra o princípio da dignidade da pessoa humana como um de seus fundamentos. O BPC, ao garantir uma renda mínima para pessoas com deficiência e idosos em situação de extrema pobreza, concretiza esse princípio.
O PL, no entanto, cria barreiras como a obrigatoriedade de cadastro biométrico e a redefinição de critérios para elegibilidade. Em regiões remotas, onde o acesso a tecnologias básicas é escasso, essas exigências tornam-se obstáculos quase intransponíveis. Pior ainda, ao vincular deficiência exclusivamente à incapacidade total para o trabalho e vida independente, o projeto ignora a visão ampla e inclusiva consagrada pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD).
O Retrocesso Proibido
Um dos pilares do Estado Democrático de Direito é a vedação ao retrocesso social. Esse princípio, amplamente reconhecido na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), impede que conquistas históricas em direitos sociais sejam desfeitas.
O PL 4614/2024 desconsidera essa proteção ao propor mudanças que excluem beneficiários e limitam a universalidade da seguridade social. Inclui, por exemplo, propriedades improdutivas no cálculo de renda, afetando trabalhadores rurais que já enfrentam precariedades. Ao desconsiderar as especificidades de grupos vulneráveis, o projeto não apenas enfraquece o BPC, mas também compromete os direitos fundamentais garantidos pela Constituição e tratados internacionais.
O Custo do Desmonte Social
Defensores do PL argumentam que as mudanças são necessárias para equilibrar as contas públicas. Contudo, restringir o acesso ao BPC pode gerar custos indiretos ainda maiores, como a sobrecarga nos sistemas de saúde e assistência social. A exclusão de beneficiários legítimos tende a intensificar a pobreza, aumentando demandas por serviços emergenciais.
Além disso, existem alternativas menos prejudiciais e mais eficazes para promover equilíbrio fiscal, como o combate a fraudes e o aprimoramento dos mecanismos de fiscalização. É imperativo que o debate público priorize soluções que respeitem direitos fundamentais e garantam a proteção dos mais vulneráveis.
Por um Futuro Mais Justo
O Brasil ratificou compromissos internacionais, como o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), que exige a utilização máxima dos recursos disponíveis para garantir direitos sociais. O PL 4614/2024 contraria essa diretriz ao desmantelar políticas inclusivas sem oferecer alternativas viáveis.
Em um momento de crescente desigualdade, é crucial que nossas legislações reforcem, e não enfraqueçam, o tecido social. Revisar o projeto para preservar critérios inclusivos e respeitar os princípios constitucionais não é apenas uma questão de legalidade, mas de ética e justiça.
Conclusão
O PL 4614/2024, como está, ameaça um dos direitos mais essenciais das pessoas com deficiência: o direito à dignidade. Suas propostas representam um retrocesso inaceitável, violando não apenas a Constituição, mas também compromissos internacionais que colocam o Brasil como defensor dos direitos humanos.
Mais do que nunca, é necessário mobilizar a sociedade civil, juristas e legisladores para que este projeto seja revisado e alinhado aos princípios de equidade e inclusão que devem nortear qualquer política pública. Em um país marcado por desigualdades, o BPC é mais do que um benefício — é um símbolo de esperança e justiça social.
* Jairo Varella Bianeck é Advogado e um dos Coordenadores Jurídico da Associação Nacional de Apoio às Pessoas com Deficiência (ANAPcD).