OPINIÃO
- Por Jairo Varella Bianeck
À Comunidade Brasileira e aos Representantes do Poder Público
O veto presidencial que reduz os auxílios às vítimas da Zika impõe uma reflexão crítica à luz da Constituição Federal, dos compromissos internacionais e dos valores fundamentais que orientam o Estado Democrático de Direito. Este posicionamento não busca deslegitimar o governo, mas apelar à coerência com os princípios de justiça social, inclusão e proteção dos mais vulneráveis, que constituem os pilares de um governo comprometido com os direitos humanos.
A Constituição Federal de 1988 estabelece a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado (art. 1º, III) e assegura o direito à saúde como direito social (art. 6º). Adicionalmente, reconhece como objetivos fundamentais da República a construção de uma sociedade justa e solidária e a redução das desigualdades sociais (art. 3º, I e III). Esses princípios devem nortear as ações do Poder Público, especialmente em relação às pessoas em situação de vulnerabilidade.
As vítimas da Zika, especialmente crianças com microcefalia, dependem de políticas públicas efetivas para garantir acesso a cuidados médicos, terapias, alimentação adequada e condições mínimas de existência digna. A decisão de vetar medidas que ampliam os auxílios destinados a essas famílias viola não apenas a proteção integral da criança e do adolescente (art. 227, CF/88), mas também o direito à saúde e à assistência social, pilares indispensáveis do texto constitucional.
Além disso, o Brasil, como signatário da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, tem o dever de promover a inclusão e a igualdade de oportunidades, assegurando proteção especial às pessoas com deficiência. Essa convenção foi incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro com status de norma constitucional por meio do Decreto Legislativo nº 186/2008 e promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009, reforçando a obrigação estatal de garantir condições dignas a esses indivíduos e suas famílias.
O princípio da vedação ao retrocesso social, consolidado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (ADI 5095/DF), estabelece que direitos fundamentais e avanços sociais não podem ser reduzidos ou eliminados. A redução de auxílios essenciais para as vítimas da Zika configura uma afronta direta a esse princípio, já que compromete direitos básicos e indispensáveis à sobrevivência digna.
Embora os desafios fiscais sejam legítimos, a contenção de despesas não pode se sobrepor à proteção de direitos fundamentais. Decisões orçamentárias que impactam diretamente populações vulneráveis devem priorizar a dignidade humana e a equidade. Como destacado pelo STF, os direitos sociais e a garantia de um mínimo existencial possuem prevalência sobre questões econômicas (RE 592.581).
O veto presidencial ignora o princípio da prioridade absoluta, previsto no art. 227 da Constituição Federal e reforçado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 4º, ECA). Famílias com crianças afetadas pela Zika enfrentam um contexto de exclusão social e dificuldades financeiras que demandam intervenção direta do Estado.
Reduzir os auxílios destinados a essa parcela da população é uma escolha política incompatível com os deveres constitucionais e representa um retrocesso nos direitos sociais conquistados. A ausência de apoio estatal aprofunda as desigualdades e nega a essas famílias o mínimo necessário para o pleno desenvolvimento e bem-estar de seus filhos.
Embora o governo enfrente desafios fiscais, é imprescindível que a responsabilidade orçamentária seja compatível com os deveres constitucionais de proteção social. Cortes em áreas essenciais não podem ser tratados como solução viável, especialmente quando existem alternativas que não impactam os mais vulneráveis.
Uma possibilidade seria a revisão de subsídios fiscais concedidos a setores privilegiados, redirecionando esses recursos para políticas sociais. Outra alternativa seria a criação de um fundo específico para garantir a proteção das vítimas da Zika, financiado por tributos progressivos ou pela redistribuição de recursos de áreas menos prioritárias.
Adotar soluções que equilibrem responsabilidade fiscal e justiça social é indispensável para preservar a legitimidade de um governo progressista e comprometido com os direitos humanos.
A redução dos auxílios às vítimas da Zika, promovida pelo veto presidencial, contradiz os princípios constitucionais de dignidade, justiça social e prioridade absoluta aos vulneráveis. Além disso, representa um retrocesso que afronta compromissos nacionais e internacionais assumidos pelo Brasil em prol da inclusão e da equidade.
É imperativo que o governo revise essa decisão, reafirmando seu compromisso com a justiça social como pilar fundamental do Estado brasileiro e garantindo que nenhuma família seja abandonada em sua luta por dignidade e inclusão. A proteção das vítimas da Zika não é apenas um dever jurídico, mas um compromisso ético e político que reflete os ideais de uma sociedade mais justa, solidária e inclusiva.
Atenciosamente,
Jairo Varella Bianeck é Advogado Especialista em Direitos das Pessoas com Deficiência e Membro da Associação Nacional de Apoio às Pessoas com Deficiência (ANAPcD)