- Por: Mariana Macedo
A transição do Ensino Básico para o Superior é um marco importante na vida de qualquer estudante, mas para pessoas com deficiência, representa ainda mais: é a superação de estatísticas e preconceitos. Dados do Censo Escolar de 2020 mostram que apenas 29,9% dos estudantes com deficiência que concluem o ensino médio no Brasil ingressam em cursos de graduação. Essa baixa taxa, geralmente está associada, a algumas possibilidades.
Segundo a professora Carina Martini, coordenadora de cursos de graduação e pós-graduação nas áreas de educação, comunicação e negócios, os desafios enfrentados por estudantes com deficiência no ingresso e na permanência no ensino superior são múltiplos e complexos. Esses desafios incluem fragilidades na acessibilidade física e pedagógica das universidades, barreiras atitudinais, falta de políticas públicas específicas e lacunas na preparação deste aluno durante o ensino básico.
“A acessibilidade física e pedagógica permanece um desafio significativo em muitas instituições de ensino superior. Há carência de infraestrutura adequada, incluindo rampas, elevadores, sanitários acessíveis e materiais didáticos adaptados, como textos em braille, audiolivros e outros recursos digitais compatíveis com tecnologias assistivas. Além disso, observa-se uma lacuna no investimento na formação continuada de professores para atender às demandas de inclusão e diversidade nas práticas educacionais. A estrutura de apoio especializado também é insuficiente, abrangendo a escassez de profissionais como intérpretes de Libras, ledores, acompanhantes terapêuticos, mediadores escolares e consultores especializados em inclusão”, ressalta a professora.
A professora também destaca que “os estigmas relacionados à deficiência permanecem como barreiras atitudinais significativas, sendo atitudes limitadoras que perpetuam desigualdades e reforçam obstáculos desnecessários no caminho para a inclusão”.
Quando se trata de políticas públicas, há avanços importantes, mas eles ainda não são suficientes. Carina menciona a necessidade de maior articulação em áreas como bolsas de estudo, assistência técnica, transporte e programas de absorção no mercado de trabalho.
Outro ponto de atenção, segundo Carina, é a falta de suporte adequado no ensino básico, o que compromete o desenvolvimento das competências acadêmicas e socioemocionais necessárias para o sucesso no ensino superior. “Sem essa base sólida, os desafios enfrentados pelos estudantes com deficiência se tornam ainda mais difíceis de superar”, conclui.
A fala da professora ressalta a urgência de ações integradas e eficazes para garantir uma educação mais inclusiva e equitativa, desde as etapas iniciais até o ensino superior.
O professor Renato Vieira, doutor em Comunicação Social, compartilha as estratégias que criou ao lidar com situações sem ter formação específica para inclusão. “Quando recebi uma aluna com deficiência visual e outra com paralisia cerebral, ambas acompanhadas por seus respectivos tutores em salas de aula com grande número de alunos, precisei buscar referências na minha vivência pessoal e profissional em outras áreas”, relata.
A primeira estratégia do professor universitário foi garantir que as alunas não fossem tratadas de forma distinta por conta de seus desafios. “Elas foram motivadas a participar das atividades da mesma maneira que os demais estudantes, e é interessante observar que os tutores também se integravam às dinâmicas de sala”, comenta.
Outro ponto essencial foi incentivá-las a se expressarem durante os exercícios, mesmo com eventuais dificuldades. “Proporcionei espaços onde elas pudessem liderar discussões e expor seus pontos de vista, respondendo perguntas sobre os conteúdos trabalhados.” Renato também enfatizou a importância da comunicação empática para toda a turma. “Trabalhei para desenvolver o hábito da escuta atenta e da compreensão, reduzindo tensões quando as dificuldades de fala ou raciocínio provocavam momentos de impaciência.”
Além disso, ele cultivou proximidade com as alunas fora do ambiente acadêmico. “Mantive uma relação de apoio para que elas pudessem expressar livremente suas dúvidas ou necessidades, permitindo intervenções pedagógicas mais direcionadas”, afirma.
“Essas experiências me proporcionaram um rico aprendizado que levo para toda a vida, além do reconhecimento e amizade que construí ao vê-las formadas e direcionadas em suas escolhas”, conclui o professor, que transformou os desafios em uma oportunidade de crescimento tanto pessoal quanto profissional.
A professora Patrícia Ceolin, doutora em Ciências da Comunicação, ressalta a importância de o docente estar aberto a adaptações pedagógicas para promover a inclusão. “O professor precisa estar disposto a ajustar o que for necessário, inclusive reformular aulas, se for o caso”, afirma. Ela cita dois exemplos de sua experiência: “Tive um aluno surdo, e foi essencial incorporar vídeos com legendas para garantir o acesso ao conteúdo. Além disso, contamos com o apoio de um intérprete para facilitar o acompanhamento em aulas específicas.” Outro caso destacado por Patrícia foi o de uma aluna com deficiência visual. “Sempre que utilizávamos slides nas apresentações, procurei contextualizar as imagens para que ela pudesse compreender o conteúdo de forma mais completa”, explica. Para Patrícia, o mais importante é incentivar a participação ativa de todos os alunos na sala de aula, independentemente de suas particularidades.
Eu, Mariana, pessoa com paralisia cerebral, fui privilegiada em conseguir ingressar no curso de Jornalismo, estando dentro da minoria de 29,9% pesquisada pelo Censo Escolar de 2020. E mais do que isso: me formei, superando os desafios que frequentemente levam tantos a desistirem ou trancarem seus percursos acadêmicos. Essa conquista foi fruto de muita determinação e também do apoio de profissionais que encontrei ao longo do caminho.
Tive o privilégio de ter aula com esses três professores que participam desta matéria, assim como outros que, no Ensino Superior, contribuíram de maneira verdadeira, empática e técnica para o meu desenvolvimento profissional. Suas orientações foram essenciais para que eu pudesse não apenas me formar, mas também desenvolver a confiança necessária para exercer a profissão de jornalista com paixão e competência.
Nem todas as experiências dessa trilha foram um mar de rosas. No livro que publiquei, minha biografia, chamado “Alma de Borboleta: Um Voo de Transformação, Liberdade e Resiliência com a Paralisia Cerebral”, compartilho em detalhes os altos e baixos dessa jornada. Nos capítulos “Do Jardim do Éden à Explosão de uma Bomba Atômica” e “Da Tempestade à Bonança”, relato como enfrentei adversidades que, muitas vezes, pareciam intransponíveis.
Hoje, ao olhar para trás, percebo que todas essas vivências moldaram quem eu sou e reforçaram meu compromisso de usar minha experiência para inspirar outras pessoas. Mais do que uma jornada acadêmica ou profissional, essa foi uma trajetória de autodescoberta.
Espero que minha história possa servir como um lembrete de que, com determinação, apoio e a crença em nosso potencial, somos capazes de voar mais alto do que jamais imaginamos.
* Mariana Macedo de Melo é jornalista, com paralisia cerebral. É apresentadora do canal @conexaoinclusiva.videocast, influenciadora no @marianamacedojornalista e autora do livro “Alma de Borboleta: um voo de transformação, liberdade e resiliência com a paralisia cerebral”, publicado neste ano pela editora In House, podendo ser comprado direto com ela em suas redes sociais.