OPINIÃO
- * Por Fernanda Fortes
A concessão de benefícios previdenciários e assistenciais para pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) ainda enfrenta desafios significativos no Brasil. Apesar da Lei 12.764/2012 caracterizar o autista como pessoa com deficiência para todos os fins, na prática, os critérios adotados pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) geram inúmeras negativas injustas. Nisso, a pergunta que surge é: os peritos estão realmente preparados para avaliar as necessidades e limitações de uma pessoa com TEA?
Um dos principais problemas está na perícia médica do INSS, que muitas vezes não é conduzida por especialistas na área. Atualmente, os servidores responsáveis por essa análise são clínicos gerais, sem formação específica para avaliar as peculiaridades do autismo. Sendo assim, há uma grande dificuldade em compreender as limitações enfrentadas por essas pessoas no dia a dia, especialmente no caso de indivíduos com diagnostico de TEA nivel 1 de suporte.
Para a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e aposentadoria da pessoa com deficiência, o INSS adota a avaliação biopsicossocial, que considera as barreiras enfrentadas pelo indivíduo no cotidiano. Porém, a forma como essa análise é conduzida nem sempre respeita o que determina a legislação. Muitas vezes, o foco da perícia se restringe a uma avaliação superficial, sem levar em conta aspectos invisíveis da deficiência e as dificuldades que de fato são enfrentadas no dia a dia.
A Turma Nacional de Uniformização (TNU) recentemente afetou um tema importante sobre o BPC para autistas, que pode influenciar futuramente a concessão de aposentadoria para pessoas com deficiência. A discussão gira em torno da necessidade ou não de perícia, uma vez que a lei já classifica o autista como pessoa com deficiência.
Sendo assim, o INSS deve seguir automaticamente esse enquadramento ou a perícia individual ainda é necessária para avaliar caso a caso? Essa incerteza tem levado a um número expressivo de indeferimentos administrativos, que acabam sendo revertidos na Justiça. Isso ocorre porque, no âmbito judicial, o juiz normalmente nomeia um médico especialista para realizar a perícia, garantindo uma análise mais aprofundada da condição do segurado.
Uma das maiores dificuldades na concessão dos benefícios para pessoas com TEA é a falta de compreensão sobre as barreiras que elas enfrentam. O autismo não se manifesta da mesma forma para todos, e a funcionalidade em algumas áreas não significa ausência de limitações significativas em outras.
Por exemplo, um autista de nível 1 de suporte pode conseguir trabalhar, falar em público ou interagir socialmente de maneira aparente. Porém, isso não significa que não enfrente desafios diários que impactam diretamente sua qualidade de vida. A exaustão extrema após interações sociais, a dificuldade em lidar com mudanças na rotina e a sobrecarga sensorial são fatores que muitas vezes não são considerados na perícia administrativa.
A avaliação realizada pelo INSS frequentemente ignora essa complexidade. O tempo curto da perícia – muitas vezes de apenas cinco minutos – é insuficiente para analisar com profundidade a condição do segurado. Muitos autistas passam por uma série de exames e testes para obter um diagnóstico completo, e esperar que um clínico geral consiga compreender toda essa complexidade em poucos minutos é um equívoco que prejudica milhares de pessoas.
Diante desse cenário, é urgente uma reformulação na forma como o INSS conduz as perícias. Alguns pontos que precisam ser revistos incluem a nomeação de médicos com conhecimento específico sobre TEA e outras deficiências neurodivergentes, ampliação da avaliação biopsicossocial e o maior alinhamento com a legislação.
Enquanto essas mudanças não são implementadas, muitas pessoas com TEA continuam tendo seus pedidos negados injustamente. Felizmente, a via judicial tem corrigido algumas dessas falhas, nomeando especialistas para a perícia e garantindo o acesso aos benefícios. No entanto, é preciso avançar para que o direito dessas pessoas seja respeitado desde a fase administrativa, evitando que tenham que recorrer à Justiça para obter o que já lhes é garantido por lei.
*Fernanda Fortes é advogada especialista em Direito Previdenciário e da Pessoa com Deficiência e sócia do escritório Fernanda Fortes Advocacia