OPINIÃO
- * Por Marta Almeida Gil
Tudo é loucura ou sonho no começo. Nada do que o homem fez no mundo teve início de outra maneira – mas tantos sonhos se realizaram que não temos o direito de duvidar de nenhum. Monteiro Lobato
Era finzinho de abril de 2024 e o noticiário sobre as enchentes no Rio Grande do Sul me mobilizou ou, melhor dizendo, me tomou, de uma forma que nunca havia sentido.
Imediatamente comecei a procurar notícias sobre pessoas com deficiência na mídia e junto a amigos. Nada. As fotos das reportagens impactavam, mas… onde estavam as pessoas com deficiência?
Parei o que estava fazendo e comecei a ler matérias de climatologistas e outros especialistas.
Notícias chegavam gradualmente: Rita Mendonça, sempre parceira, enviou algumas fotos, tiradas com celular, sem créditos; amigos de Porto Alegre enviaram notícias esparsas: ninguém estava preparado. As pessoas não tinham se dado conta da gravidade e não se sentiam ameaçadas.
Jairo Marques, colunista da Folha de São Paulo, especialista em jornalismo social, inclusão e diversidade gravou um vídeo provocador no LinkedIn, em maio:
Se houver um incidente na empresa que você trabalha, sabe como agir com pessoas com deficiência, com questões de mobilidade ou mais vulneráveis? Em catástrofes como agora no RS, fica exposta a fragilidade geral de planos de contingência com grupos diversos….
Sua pergunta ressoou: foi a primeira vez que li uma menção às pessoas com deficiência. Falei com ele que, como bom jornalista, imediatamente me apresentou à Paula Pimenta, sua colega de faculdade, que trabalha na Agência Senado. Conversamos longamente e dia 7 de junho sua matéria “Número de municípios vulneráveis dobra, com aumento do risco de catástrofes” [1], abordou a invisibilização das pessoas com deficiência no cenário nacional, como resultado da falta de informação, prevenção e preparação da população.
A roda estava começando a girar, impulsionada pela rede de contatos pessoais e potencializada pela Internet.
Ainda em junho, fui convidada por Flávia Oliveira Machado, Coordenadora do setor de Acessibilidade e Multimídia da TV Aparecida para uma entrevista. Dia 17 estava eu no estúdio[1], desta que está entre as 14 maiores redes de televisão do Brasil em abrangência e programação com recursos de acessibilidade.
Contatos continuavam a ser feitos e, mesmo me arriscando a cometer injustiças, cito alguns nomes: Cilene Marcondes, especialista em abordagem interseccional sobre Gênero, Raça e Mudanças climáticas, me apresentou à Andréa de Lima e Tatiane Matheus, Rosangela Berman Bieler, especialista em Desenvolvimento Inclusivo e Direitos das Pessoas com Deficiência e Marcos Weiss Bliacheris sugeriram contatos. Nas pessoas deles agradeço a todos. Retomei contato com Tchaurea Fleury e conheci Laís Silveira Costa (Fiocruz), amiga de Patrícia Almeida, Cleunice Bohn de Lima (presidente da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down/FBASD), sempre atenta, garimpa notícias relevantes desde então.
Convidei Rita Mendonça, Tuca Munhoz, Ciça Cordeiro, Giulia Jesus, Sidney Schames (Som da Luz), Êmilly Oliveira e Carolina Domingos para comporem a equipe técnica. Joelson Dias (Instituto de Estudos Jurídicos e Diálogos Constitucionais) e Laércio Sant’ Anna são consultores.
O título inicial do Projeto era: “Pessoas com Deficiência e Mobilidade Reduzida nos Eventos Climáticos Extremos”; o atual é “Resgate Inclusivo – Pessoas com Deficiência e Eventos Climáticos Extremos”.
Ao conhecer o Projeto, a Secretária Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Anna Paula Feminella reconheceu seu ineditismo e importância, ao designar Marcelo Oliveira e Tauvana Yung como pontos focais.
Com esse apoio institucional, ampliamos a rede de contatos e partimos para a ação:
- O Amankay foi representado por Giulia Jesus em três eventos internacionais na cidade do Rio de Janeiro (novembro e dezembro 2024), quando participaram profissionais brasileiros e de outros países trazendo a pauta da interseccionalidade: pessoas com deficiência, raça, gênero e classe dos movimentos negro, quilombola, indígena e LGBTQIA+. Os eventos foram: Cúpula Regional sobre Deficiência na América Latina e Caribe; Deficiência20, que promoveu a participação política das pessoas com deficiência nos debates do G20 e entregou suas recomendações às autoridades; e G20 Social, que ampliou a participação da sociedade civil nas decisões do G20;
- Registro dos domínios https://www.resgateinclusivo.com.br e https://www.resgateinclusivo.org.br;
- Contato com parlamentares compromissados com o tema do Meio Ambiente, nas esferas federal e estadual;
- Criação da logomarca do Projeto, por Isadora Leone;
- Capítulo “Pessoas com Deficiência e Desastres Climáticos Extremos”, por Jorge Amaro de Souza Borges e Marta Almeida Gil, a ser publicado no livro “Diversidade, Inclusão e suas Dimensões” – vol. III, org. Luciano Amato, lançamento 28/03 – São Paulo.
Subsequentes leituras, contatos com a academia, órgãos públicos nacionais, entidades internacionais – especialmente ONU e suas agências e com profissionais que são referência na área da Inclusão reforçavam a conclusão: a autoria do termo “Resgate Inclusivo” pode ser atribuída a uma criação coletiva da nossa equipe.
Ao tomar conhecimento do “Glossário Transdisciplinar” do projeto “Capacidades Organizacionais de Preparação para Eventos Extremos/COPE” (agosto 2024) [1] sentimo-nos mais seguros para assumir a autoria, pois esse termo não consta.
Definimos “Resgate Inclusivo” como o conjunto articulado de conhecimentos e ações voltados para a Prevenção, Mitigação, Preparação, Resposta a eventos climáticos extremos e posterior Reconstrução, tendo como eixos: Direitos Humanos, Acessibilidade (em todas as suas dimensões), Escuta de Pessoas com Deficiência, Produção e Disseminação de Informações, Fornecimento de subsídios para políticas públicas, Formação e Multiplicação de equipes de salvamento: Defesa Civil (federal, estadual e municipal), Corpo de Bombeiros da Polícia Militar, brigadas, organizações de Assistência Humanitária (Cruz Vermelha, Médicos sem Fronteiras), Conselhos e entidades de Pessoas com Deficiência, órgãos públicos, entidades internacionais, Universidades, voluntários, entre outros.
Resgate Inclusivo: esse é o sonho que impulsiona nossa equipe:
O mundo deve agir sobre falhas inaceitáveis [no sentido de modificá-las] para proteger as pessoas com deficiência de desastres.
Elas constituem 16% da população mundial, com 80% vivendo no Sul Global. São frequentemente as mais afetadas por riscos naturais, desastres induzidos pelo clima e emergências de saúde globais.
Pesquisa Global Pessoas com Deficiência e Desastres OPAS/OMS, 2023
[1] https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/06/07/numero-de-municipios-vulneraveis-dobra-com-aumento-do-risco-de-catastrofes?utm_medium=share-button&utm_source=whatsapp
[2] https://www.youtube.com/watch?v=FNdeUrBesIY
[3] https://www.gov.br/cemaden/pt-br/assuntos/noticias-cemaden/projeto-cope-e-cemaden-lancam-glossario-voltado-a-preparacao-para-eventos-extremos-de-tempo-e-clima
(*) Marta Gil é Socióloga, Fundadora e Coordenadora Executiva do Amankay Instituto de Estudos e Pesquisas; consultora para empresas e órgãos públicos, palestrante em eventos nacionais e internacionais, produtora de conteúdo