- * Por Flávia Mentone
Nesta semana comemoramos o Dia Mundial de Conscientização Sobre o Autismo, uma data criada para abrir diálogos e trazer mais informação sobre o tema. O Transtorno do Espectro Autista (TEA), como é conhecido, aparece na infância e pode estar associado também a outras condições como o TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), epilepsia, depressão e ansiedade, sendo a vida adulta bastante desafiadora para pessoas que convivem com o transtorno, especialmente no contexto profissional.
No Brasil, o TEA é reconhecido como uma deficiência pela Lei nº 12.764/2012, que assegura os direitos das pessoas autistas no que diz respeito ao acesso à saúde, assistência social e educação. Além disso, a legislação prevê também a inclusão dessas pessoas no mercado de trabalho, com vagas destinadas especificamente às Pessoas com Deficiência (PcD).
Por isso, é importante reforçar como o recrutamento de pessoas autistas exige um olhar mais cuidadoso, com foco na inclusão e na valorização das habilidades reais do profissional. Nesse sentido, algumas boas práticas podem ser adotadas pelos RHs e recrutadores, a fim de tornar o processo seletivo mais eficiente e respeitoso:
1. Descrição clara da vaga anunciada
- Evite termos genéricos como “boa comunicação” ou “proatividade”;
- Verifique se as descrições realmente refletem as tarefas do cargo;
- Especifique as atividades, o local de trabalho, a rotina e os requisitos técnicos.
2. Capacitação da equipe recrutadora
- Os profissionais devem estar preparados para lidar com diferentes perfis de neurodiversidade;
- É importante entender que algumas formas de comunicação ou comportamento são diferentes, mas não menos válidas.
3. Etapas adaptadas
- Evite dinâmicas de grupo ou entrevistas com muitas pessoas. Isso pode gerar desconforto e afetar o desempenho dos candidatos neurodivergentes, por causa da dificuldade de interação social;
- Evite testes com perguntas hipotéticas como: “Como você lidaria com…? pouco provável, neutro, muito provável”.
4. Entrevistas
- Evite perguntas hipotéticas ou abstratas, como: “O que você faria se…?”, “Como você lidaria com…?” ou ainda “Como lidou com algo no passado?”;
- Prefira perguntas práticas, como: “Você pode me mostrar como usa este software?”;
- Converse com o profissional para entender suas necessidades específicas e coloque essas necessidades, de adaptação no ambiente e/ou interações sociais, no parecer da entrevista;
- Dê instruções verbais e também por escrito garantindo que a pessoa possa consultar qualquer material posteriormente, caso seja necessário;
- Deixe claro todas as etapas do processo seletivo e os prazos. A previsibilidade ajuda a reduzir a ansiedade e melhora o engajamento no processo.
5. Ambiente acolhedor
- Ofereça materiais e formações sobre neurodiversidade para as equipes que vão receber esse profissional;
A diversidade no ambiente de trabalho só se torna realmente efetiva quando há uma preparação adequada para receber e, de fato, integrar pessoas autistas às equipes. Para auxiliar nesse processo, compartilho 8 dicas para lideranças que desejam se tornar modelos de inclusão em suas organizações:
1. Busque conhecimento e promova a inclusão
- Aprenda sobre o autismo e compartilhe esse conhecimento com o time.
- Mostre que a empresa valoriza a diversidade, com treinamentos e iniciativas que criem um ambiente favorável à revelação.
- Muitas pessoas autistas não se revelam por medo de estigma ou bullying. O acolhimento começa pela segurança psicológica.
2. Converse diretamente com a pessoa
- Pergunte o que funciona melhor para ela: tipo de comunicação, ambiente de trabalho, rotina;
- Não presuma necessidades. Cada pessoa autista é única.
3. Ofereça uma rotina clara e estruturada
- Defina prioridades e prazos e evite passar várias tarefas ao mesmo tempo;
- Dê instruções de forma verbal e escrita.
4. Acompanhe os primeiros meses
- Faça check-ins frequentes nos primeiros 3 meses;
- Garanta que a pessoa entenda suas responsabilidades e tenha espaço para tirar dúvidas.
5. Respeite a sensibilidade sensorial
- Ofereça ambientes mais silenciosos ou salas de descompressão;
- Permita o uso de fones com cancelamento de ruído ou home office em alguns dias da semana;
- Evite sobrecarga sensorial, que pode levar à exaustão.
6. Reavalie as interações sociais
- Muitas interações sociais são desgastantes para pessoas autistas;
- Avalie a real necessidade de reuniões com muitas pessoas ou participação em eventos sociais;
- Sempre que possível, ofereça alternativas.
7. Adapte a avaliação de desempenho
- Modelos que valorizam exclusivamente soft skills como “trabalho em equipe”, “flexibilidade” e “comunicação” podem ser injustos;
- Avalie a entrega com base em resultados concretos e no que é essencial para a função.
8. Facilite a comunicação
- Pergunte qual forma de comunicação funciona melhor para a pessoa (mensagens escritas, reuniões rápidas, e-mails com tópicos claros etc.);
- Evite linguagem ambígua ou indireta.
Além das adaptações no ambiente, o aspecto humano é essencial e por isso as empresas precisam investir na formação e letramento de gestores e pessoas que exercem um papel de liderança dentro das organizações. A partir disso é possível desenvolver um ambiente empático e de escuta ativa que verdadeiramente será inclusivo para as pessoas com TEA.
*Por Flávia Mentone, CEO e sócio-fundadora da Reponto, empresa especializada em recrutamento e seleção de Pessoas com Deficiência