Obras como “Joca e Dado”, “Simbora, tá na hora” e “Vamos montar uma banda”, produzidas com a contribuição de pessoas com deficiência, mostram como o protagonismo deste grupo no universo literário infantil pode ser uma poderosa ferramenta de inclusão social, cultural e educacional
A leitura é uma das mais poderosas ferramentas de transformação individual e coletiva. Para pessoas com deficiência, representa mais do que acesso ao conhecimento e se configura como uma ponte para a inclusão social, cultural e profissional. Ao longo dos anos, diversos avanços foram implementados com o objetivo de ampliar o acesso à leitura para pessoas com deficiência. Livros em braile, audiolivros, recursos de leitura em voz alta, livros com pictogramas, fontes acessíveis, além de tecnologias assistivas como leitores de tela, têm possibilitado que crianças, jovens e adultos com diferentes tipos de deficiência participem mais ativamente do mundo letrado.
“Esses recursos, além de facilitar o acesso ao conteúdo literário, também promovem o convívio inclusivo desde a infância, quebrando vieses inconscientes de forma lúdica. A leitura também favorece o senso crítico e contribui para a construção da identidade social e cultural do indivíduo”, comenta Henri Zylberstajn, fundador do Instituto Serendipidade — que apoia pessoas com deficiência e suas famílias — e que é autor do livro Joca e Dado, editado pelo Clube Leiturinha.
A obra, que conta a história de dois amigos e aborda temas como respeito, admiração e o quanto as diferenças contribuem para o desenvolvimento pessoal de cada um, traz também uma perspectiva inclusiva. As ilustrações foram feitas pela equipe do Estúdio QUE, com a participação de designers que têm deficiência: dos 10 profissionais envolvidos, seis têm deficiência intelectual, como síndrome de Down, autismo e paralisia cerebral. “O processo criativo visou trazer o grande ensinamento deste livro, que é o poder do convívio com as diferenças, com o uso de técnicas diferentes, para provar visualmente que as diferenças são importantes e muito ricas. É muito importante os criativos com algum tipo de deficiência estarem em todos os lugares e o mundo dos livros infantis permite uma exploração mais lúdica e expressiva de suas artes, afirma Luiza Laloni, sócia-fundadora do Estúdio QUE.
O livro Joca e Dado já está na 3ª edição (a última, relançada em março) com mais de 174 mil exemplares impressos, entregues a leitores de todo o país por meio do Clube Leiturinha, através de doações a escolas estaduais e municipais de São Paulo e do Rio de Janeiro, além das vendas em livrarias. A obra também foi traduzida para o inglês, além de ter sido foco de intervenções culturais, em parceria com a Disney, que patrocinou contação da história do livro em uma escola pública estadual de São Paulo – sendo o narrador uma pessoa com síndrome de Down.
Outros exemplos
As obras Simbora, tá na hora e Vamos montar uma banda também podem ser classificadas como livros inclusivos. Eles foram roteirizados e escritos por um grupo de autodefensores — pessoas com deficiência intelectual que atuam na defesa de seus direitos — do Instituto Simbora Gente. Para Ariel Goldenberg, que tem síndrome de Down e liderou os autores, a experiência trouxe um impacto bastante positivo. “Adorei apoiar no roteiro junto do meu grupo de autodefensores do Simbora Gente. Como embaixador do Instituto, foi uma oportunidade da gente aprender muita coisa e eu gosto de ser roteirista porque sou ator e já vivi isso de dirigir em peças de teatro”, comenta. Letícia Shine, também autodefensora, contribuiu, ainda, com o processo criativo da equipe Leiturinha nas ilustrações do Simbora, tá na hora. “Para mim, ajudou muito na leitura, para conversar e discutir. Antes eu não era muito de falar, mas agora eu consigo me comunicar bastante com meus amigos – e essa participação no livro foi muito importante pro meu desenvolvimento, para conhecer palavras novas”, destaca.
Para Fabiana Duarte, coordenadora educacional do Instituto Simbora Gente, a produção dos dois livros com o grupo de autodefensores teve um impacto em vários sentidos. “Além de promover a inclusão e a valorização das vozes dos autodefensores, permitindo que eles compartilhassem suas histórias, ao escrever os livros, utilizaram sua criatividade e, com muita alegria e uma pitada de individualidade, reforçaram também o hábito da leitura. Além disso, os livros se tornaram recursos educacionais valiosos que já foram compartilhados com várias escolas e públicos. Essa experiência foi fundamental para desenvolver habilidades linguísticas e de compreensão, contribuindo para a formação de leitores mais críticos e empoderados”, reforça.
Os três livros foram lançados pela Editora Leiturinha com o objetivo de valorizar a diversidade e dar protagonismo às pessoas com deficiência no universo literário infantil. “Acreditamos que a leitura é uma ferramenta poderosa de transformação e inclusão. Projetos que colocam pessoas com deficiência como protagonistas na elaboração de conteúdo literário são de extrema importância e valor. Em linha com nossa busca por histórias que promovam a diversidade e a empatia, acreditamos que dar voz e protagonismo a pessoas com deficiência enriquece a literatura infantil, oferecendo representações autênticas e perspectivas únicas. Isso contribui significativamente para a quebra de estereótipos, para o fortalecimento da identidade de crianças com deficiência e para a educação de todas as crianças sobre a diversidade humana. Iniciativas como essa se alinham com nosso objetivo de levar literatura de qualidade a todas as infâncias, garantindo que todas as crianças se sintam representadas e tenham acesso a histórias que as inspirem e as façam sentir pertencentes”, afirma Juliana Tomasello, do time editorial da Leiturinha.
Ainda que iniciativas como essas apontem caminhos promissores, muitos desafios persistem. Políticas públicas de incentivo à produção e à distribuição de materiais acessíveis, capacitação profissional e investimentos em tecnologia são essenciais. “E mais do que isso: é fundamental o envolvimento da sociedade como um todo — editoras, escolas, bibliotecas, famílias e instituições — na promoção de uma cultura inclusiva, que valorize a diversidade e reconheça o direito à leitura como um direito de todos”, destaca Henri.
Sobre o Instituto Serendipidade
O Instituto Serendipidade é uma organização sem fins lucrativos que potencializa a inclusão de pessoas com deficiência, com propósito de transformar a sociedade através da inclusão. Visa ser impulsor de impacto social relevante, colaborativo e inovador, sempre prezando pela representatividade, protagonismo, de forma transversal e acima de tudo, com muito respeito. As iniciativas que atendem diretamente o público são: Programa de Iniciação Esportiva para crianças com síndrome de Down e deficiência intelectual, de famílias de baixa renda; Programa de Envelhecimento que atende mais de 60 idosos com algum tipo de deficiência intelectual para promoção do bem-estar; e o Projeto Laços, que acolhe famílias que recebem a notícia de que seu filho (a) tem algum tipo de deficiência. Atualmente, o Serendipidade impacta mais de um milhão de pessoas, criando pontes, gerando valor em prol da inclusão e através do atendimento direto a pessoas com deficiência intelectual e suas famílias.
Mais informações em www.serendipidade.org.br E nas mídias sociais @institutoserendipidade
CRÉDITO/IMAGEM: Divulgação – Letícia Shine, autodefensora que colaborou com as ilustrações do livro ‘Simbora, tá na hora!’