OPINIÃO
- * Por Maria Regina Paes
Descobrir a AME tipo 3 da minha filha Bruna foi como ter o chão arrancado dos pés. Ela tinha apenas 3 anos quando o diagnóstico veio após uma biópsia. Era difícil até pronunciar o nome da doença. Na época, os médicos nos disseram que não havia tratamento – apenas fisioterapia e hidroterapia. Nenhum medicamento. E assim tem sido desde então. Hoje, Bruna tem 27 anos.
Por orientação médica, decidimos não contar a ela sobre a gravidade da doença enquanto era pequena. Mas aos 10 anos, durante uma consulta com um novo ortopedista, ela descobriu. Ele perguntou se já tínhamos dito a ela que a condição não tinha cura. A forma como ela nos olhou naquele momento eu nunca vou esquecer. Foi como se a verdade tivesse quebrado algo dentro dela – e dentro de mim também.
Desde então, tem sido um desafio diário para manter a rotina de terapias. Ela faz fisioterapia, mas com dificuldade e muita resistência emocional. É doloroso ver uma filha se entregando, aos poucos, à progressão da doença, e saber que existem medicamentos no mundo que poderiam ajudar, mas que não estão disponíveis para ela.
A Bruna andou até os 10 anos. Depois, como previsto pelos médicos, perdeu progressivamente os movimentos. Hoje, precisa de ajuda para tudo: ir ao banheiro, tomar banho, se vestir, pentear os cabelos. Sou mãe, mas também sou cuidadora, enfermeira, companhia, suporte emocional. Vinte e quatro horas por dia.
Apesar de tudo, ela é extremamente lúcida, inteligente, formada, trabalha de casa e se dedica diariamente a manter a sua autonomia. Isso me enche de orgulho – e, ao mesmo tempo, me angustia. Ver a força dela e saber que ainda faltam políticas públicas para dar suporte a pessoas como ela é revoltante.
As dificuldades não param na porta de casa. Acessibilidade, preconceito, desinformação – tudo isso ainda está presente. Já ouvi comentários cruéis até na fila do posto de saúde, questionando o nosso direito à vacina gratuita, como se o fato dela ter uma condição rara e crônica a colocasse automaticamente fora do SUS.
A vida dela escolar foi um capítulo à parte. Ela estudou em escola pública e, graças às amigas e a uma diretora atenciosa, teve apoio e conseguiu concluir os estudos. Mas quando entrou na faculdade, se sentiu sozinha e desamparada – não havia mais cuidadoras nem adaptação. Ela desistiu. Só depois de muita conversa e apoio da família é que conseguiu retomar. Se formou. Venceu.
Hoje, ela trabalha remotamente e tem um ritmo independente no que consegue fazer. Mas eu ainda sinto medo – medo de deixá-la sozinha, medo de não estar aqui amanhã. Medo do futuro. Porque não é fácil cuidar de um filho com deficiência rara em um país onde o acesso ao tratamento ainda não está disponível para todos.
Costumo lembrar de uma frase da minha avó: “A lã nunca pesa pro carneiro”. Eu entendo isso hoje. Se Deus me deu essa missão, é porque confiou que eu poderia cumpri-la. E aqui estou, todos os dias, tentando fazer o melhor por ela – com amor, dor, coragem e fé.
- * *Maria Regina Paes, mãe da Bruna, paciente com AME 3