Apesar dos avanços nas políticas de inclusão, a presença de pessoas com deficiência intelectual no mercado de trabalho brasileiro segue sendo mínima — e desigual. Um levantamento realizado pela Diversitera mostra que esse grupo representa menos de 0,1% da força de trabalho no país. Quando conseguem uma vaga, os salários são, em média, 46% inferiores aos de profissionais sem deficiência que exercem as mesmas funções.
O dado é alarmante, mas reflete a realidade de milhares de famílias. É o caso de Viviane Quaresma de Menezes Gomes, mãe de Mateus, jovem com Síndrome do X Frágil, condição genética que afeta o desenvolvimento cognitivo. A transição do filho para a vida adulta foi marcada por incertezas e dificuldade de inserção no mundo do trabalho.
“Quando o Matheus terminou o ensino médio, veio a pandemia e ele ficou em casa. Eu comecei a procurar alguma ocupação para ele, mas é muito difícil conseguir uma vaga adequada. Foi quando recebemos a indicação do Instituto Buko Kaesemodel. Foi uma tábua de salvação. Deu motivação para ele e trouxe de volta o convívio social”, conta Viviane.
A Síndrome do X Frágil é a principal causa genética hereditária de deficiência intelectual. Os jovens com o diagnóstico enfrentam obstáculos significativos para continuar os estudos e, mais tarde, para ingressar em um mercado de trabalho pouco preparado para acolhê-los de forma efetiva.
“Enquanto crianças e adolescentes, ainda há atividades e interações sociais. Mas, ao fim da vida escolar, surgem as maiores dificuldades. As opções são escassas, e quando existe uma vaga, quase sempre falta inclusão real. É apenas uma exigência legal sendo cumprida, sem o preparo necessário”, diz Viviane.
O cenário é conhecido pelo Instituto Buko Kaesemodel, responsável pelo programa Eu Digo X, que apoia famílias de pessoas com a síndrome. A proposta é promover autonomia, qualidade de vida e acesso a oportunidades. “A contribuição do projeto é fundamental. Ele acolhe, orienta e abre caminhos num momento em que muitas famílias se sentem perdidas”, afirma Viviane.
Foi dentro desse contexto que o projeto Despertar, uma iniciativa do Centro Universitário Internacional Uninter, por meio do Instituto IBGPEX, surgiu como ponte entre a capacitação e a verdadeira inclusão no ambiente profissional. Em julho de 2024, o programa concluiu seu primeiro ciclo completo com resultados animadores: os participantes saíram aptos para o mercado, com conhecimento prático e vivência real de uma rotina de trabalho.
“O Programa Despertar nasceu da observação atenta das necessidades de jovens com deficiência, incluindo aqueles com a Síndrome do X Frágil, que muitas vezes encontravam barreiras significativas no acesso a oportunidades de desenvolvimento pessoal e principalmente profissional”, explica Fernanda Milane, assistente social do Instituto IBGPEX. “A equipe multidisciplinar percebeu a urgência de criar um espaço que realmente acolhesse as particularidades e potencializasse as habilidades dessas pessoas.”
Com foco no desenvolvimento integral e na autonomia, o Despertar utiliza metodologias ativas e abordagens individualizadas. “Reconhecemos que cada jovem é único e possui seu próprio ritmo e forma de aprender. Utilizamos muito a aprendizagem baseada em projetos, com atividades práticas e significativas que estimulam desde a coordenação motora até o raciocínio lógico e a criatividade. Também oferecemos oficinas temáticas, como culinária, arteterapia, informática, administração e práticas integrativas, sempre adaptadas às suas necessidades e interesses”, detalha Fernanda.
As atividades de socialização em grupo e o acompanhamento social, tanto individual quanto coletivo, são outras frentes importantes do programa. “O convívio com os pares é essencial para o desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais. E o suporte às famílias é parte central da proposta”, completa.
Um dos casos que mais marcaram a trajetória do Despertar, segundo Fernanda, foi o de Mateus. “Ele chegou com muita timidez e dificuldades de interação. Através das oficinas de arteterapia, descobriu uma habilidade manual incrível e passou a se expressar melhor por meio dos desenhos. Com o tempo, construiu amizades, ganhou confiança e hoje participa ativamente das atividades, inclusive ajudando outros colegas. Sua mãe relata uma melhora significativa na comunicação e na interação social em casa também.”
A reação das famílias tem sido de engajamento e gratidão. “Elas percebem o progresso dos filhos e se tornam parceiras ativas do programa, participando de oficinas, encontros e trocando experiências. O apoio institucional do Grupo Educacional Uninter é fundamental — disponibiliza infraestrutura, contribui com a formação continuada da equipe e fortalece o impacto social do programa”, destaca Fernanda.
“Eu espero que essa oportunidade que a Uninter deu continue abrindo portas, mostrando que esses jovens podem, sim, desenvolver uma atividade a longo prazo e serem eficientes. Tudo depende do olhar, do acolhimento e da disposição para fazer a verdadeira inclusão. Só precisa boa vontade”, afirma Viviane, emocionada.
Para Luz Maria Romero, gestora do Instituto Buko Kaesemodel, os números da pesquisa apenas reforçam o que o instituto observa diariamente: a deficiência intelectual segue como uma das mais negligenciadas quando se trata de oportunidades profissionais.
“O preconceito, a desinformação e a falta de estrutura nas empresas ainda são barreiras importantes. Mas projetos como o Despertar demonstram que, com capacitação e apoio adequados, esses jovens podem e devem ocupar seu espaço no mundo do trabalho”, diz Luz Maria.
Enquanto os dados escancaram a exclusão, iniciativas como o Eu Digo X e o Despertar mostram que a mudança é possível — e urgente. Mais do que abrir vagas, é preciso garantir que a inclusão aconteça de fato, com acolhimento, respeito e oportunidade real de crescimento.