• seg. maio 19th, 2025

Acessibilidade na COP30: Por que só agora?

Acessibilidade na COP30: Por que só agora? OPINIÃO - Por Ciça Cordeiro

OPINIÃO

A Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, a COP30, será realizada em Belém do Pará entre os dias 10 e 21 de novembro. O anúncio oficial foi feito em maio de 2023 — há quase dois anos. E só agora, em maio de 2025, surge um termo de referência para contratação de um(a) profissional de acessibilidade.

Até poderia dizer aqui: antes tarde do que mais tarde! Mas não é o caso. Pensar em acessibilidade é necessário. Incluir uma consultoria especializada no processo é um avanço. Mas a pergunta que não quer calar é: por que só agora?

Sabemos que a acessibilidade não se improvisa. Ela deve ser pensada desde o início, com planejamento estratégico, orçamento próprio, alinhamento com normas nacionais e internacionais e, principalmente, com a escuta ativa de pessoas com deficiência. Qualquer tentativa de incorporar acessibilidade na reta final corre o risco de se tornar apenas uma resposta simbólica, feita para constar — e não para realmente garantir a participação plena. E claro, tem muita chance de não dar certo.

A conferência e a ausência que grita

A COP30 é um dos eventos mais importantes do planeta. É onde se discute o futuro do mundo — e o futuro precisa ser acessível. Não é possível falar de justiça climática sem falar de justiça social. Não se pode planejar um evento internacional sobre o futuro da humanidade ignorando parte dela — especialmente a parcela que mais sofre os impactos das mudanças climáticas e que menos tem recursos para enfrentá-los: pessoas com deficiência, pessoas idosas, crianças, povos originários e populações empobrecidas. Falando sobre isso, vale ver um post que fiz recentemente sobre o Projeto Resgate Inclusivo – Pessoas com Deficiência e Eventos Climáticos Extremos.

Se acessibilidade não está presente na infraestrutura, na comunicação, nos transportes, nos meios digitais e nas relações humanas, o evento deixa de ser verdadeiramente inclusivo. E, pior, envia uma mensagem perigosa: a de que participar plenamente é um privilégio — não um direito.

Belém e os desafios

Belém é uma cidade com riqueza cultural e potencial imenso. Mas também é uma cidade marcada por desafios estruturais históricos, como muitas cidades brasileiras: calçadas precárias, transporte público limitado, ausência de sinalização acessível, escassez de intérpretes, falta de acessibilidade nos espaços públicos e privados. Sem contar que o megaevento internacional, como tem sido chamado, tem causado aumento nos preços e reclamações dos moradores, basta ver inúmeras reportagens publicadas pela imprensa.

A preparação para um evento do porte da COP30 exigiria um plano de acessibilidade robusto, intersetorial, com envolvimento de todos os níveis de governo e da sociedade civil, desde o início. O legado que a COP30 pode deixar para Belém e para o Brasil depende de como acessibilidade será tratada — e de quando será priorizada.

Não é só sobre contratar um especialista

É importante sim ter uma pessoa especialista em acessibilidade dentro da organização da COP30. Mas isso, por si só, não garante acessibilidade. Garante apenas uma intenção, e ainda assim, tardia.

A acessibilidade precisa estar no centro do planejamento, com orçamento previsto, com metas, com prazos, com entregas. Precisa estar nas estruturas temporárias e permanentes, nos sistemas de informação, no treinamento de equipes, na sinalização, nos banheiros, no transporte, no digital, no protocolo, na comunicação e, principalmente, no respeito às pessoas. Se ainda estão em busca de um especialista será mesmo que terão tempo para tudo que será necessário? E verba para acessibilidade, será que planejaram um investimento no tema? Não adianta colocar uma rampa e meia dúzia de intérpretes e achar que é o suficiente. Seria uma vergonha!

Nada sobre nós, sem nós

A COP30 será realmente inclusiva se pessoas com deficiência puderem estar lá não apenas como público, mas como especialistas, palestrantes, lideranças e tomadoras de decisão. Se não for assim, estamos apenas repetindo o ciclo de exclusão que marca tantos outros eventos.

Fica o alerta: não basta incluir no final aquilo que deveria ser e estar desde a fundação. Que a COP30 em Belém seja um marco — não por repetir erros, mas por corrigi-los. Que os aprendizados sirvam para transformar. Porque não existe sustentabilidade sem inclusão. E não há inclusão sem acessibilidade planejada, garantida e vivida na prática.

  • * Ciça Cordeiro é Jornalista e consultora em Acessibilidade, Diversidade e Inclusão

Artigo originalmente publicado em https://www.linkedin.com/posts/ci%C3%A7acordeiro_cop30-acessibilidade-nadasobrenaejssemnaejs-activity-7328146611845443586-x9uL?utm_source=share&utm_medium=member_desktop&rcm=ACoAABMkBSgBeCNHQYZPDXnSxwXDNkXLVVAYq-Y

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