• sex. maio 23rd, 2025

Autismo: os desafios do diagnóstico tardio e da inclusão na vida adulta ganham destaque em congresso nacional

Autismo: os desafios do diagnóstico tardio e da inclusão na vida adulta ganham destaque em congresso nacional

Com presença de especialistas em saúde, educação e direito, Jornada do Autismo aborda lacunas no atendimento e estratégias de apoio ao TEA após a infância

Apesar dos avanços no reconhecimento e intervenção precoce do Transtorno do Espectro Autista (TEA), muitos indivíduos só recebem o diagnóstico na adolescência ou fase adulta — o que pode comprometer o bem-estar emocional, os relacionamentos interpessoais e o desenvolvimento da autonomia. Essa questão será um dos temas abordados no Congresso Jornada do Autismo 2025, que ocorre nos dias 31 de maio e 1º de junho, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília (DF).

Segundo o IBGE, cerca de 1% da população brasileira está dentro do espectro autista — o que representa aproximadamente dois milhões de pessoas. Mesmo assim, a maior parte das políticas públicas, atendimentos clínicos e ações educacionais ainda se concentra na infância, deixando adolescentes e adultos com TEA sem suporte adequado. “A ideia de que o autismo está restrito à infância ainda é muito comum, mas profundamente equivocada. O transtorno do espectro autista acompanha o indivíduo ao longo de toda a sua trajetória”, explica o médico neurologista e doutor em neurociências Paulo Liberalesso, que integra a programação do congresso.

Segundo ele, o que muda com o passar dos anos não é a presença do autismo, mas a forma como se manifestam as dificuldades. Na adolescência, surgem novas demandas sociais, acadêmicas e afetivas, com aumento da ansiedade, sobrecarga sensorial e dificuldades em compreender regras sociais implícitas. Já na fase adulta, muitos relatam frustrações com relacionamentos amorosos, instabilidade no mercado de trabalho e desafios na condução da rotina — sobretudo quando o diagnóstico chega apenas após anos de tentativas frustradas de adaptação.

“Muitas pessoas no espectro passaram pela infância sem serem identificadas, especialmente quando seus sinais foram mascarados ou confundidos com traços de personalidade. É comum que recebam diagnósticos equivocados, como transtorno de personalidade, ansiedade, depressão ou bipolaridade. Isso retarda o acesso a intervenções adequadas e impacta profundamente a saúde mental”, afirma Liberalesso. Ele destaca ainda o ‘autistic burnout’ — um esgotamento físico e emocional causado pelo esforço constante para se adaptar ao convívio social — como uma das consequências mais frequentes da identificação clínica tardia.

Entre os fatores que dificultam o reconhecimento do TEA em jovens e adultos estão o mascaramento social (mais comum entre mulheres), o suporte informal oferecido na infância por familiares e escolas e o desconhecimento, por parte de profissionais de saúde, sobre as manifestações menos evidentes do espectro. “Existe uma crença equivocada de que, se a pessoa se comunica bem ou tem bom desempenho escolar, ela não pode ser autista. Essa visão precisa ser superada”, alerta.

As dificuldades nas interações sociais também interferem diretamente na construção de vínculos. “Muitos têm limitações na leitura de expressões faciais, linguagem corporal e tons de voz. Isso gera mal-entendidos e sensação de inadequação. Além disso, o desejo de pertencer pode levar essas pessoas a tolerarem relações tóxicas ou ambientes hostis por medo da rejeição”, explica o médico. A forma de demonstrar afeto ou manter laços também pode diferir dos padrões sociais esperados, o que muitas vezes é interpretado erroneamente como frieza ou desinteresse.

Apesar dos obstáculos, Liberalesso reforça que desenvolver habilidades sociais pode transformar profundamente a experiência de quem vive com TEA. “Não se trata de apagar a identidade do autista, mas de oferecer recursos que tornem a comunicação mais clara, as relações mais seguras e o cotidiano mais previsível. Isso contribui para a autonomia e fortalece a autoestima”, finaliza.

Essas e outras questões serão debatidas por mais de 20 especialistas de áreas como saúde, educação, direito e comunicação durante o Congresso Jornada do Autismo. A proposta é ampliar o acesso a informações baseadas em evidências científicas e fortalecer o debate sobre inclusão em todas as fases da existência. A programação contempla palestras, rodas de conversa, certificação para os participantes e espaços de interação entre famílias, profissionais e cuidadores.

Sobre o Congresso Jornada do Autismo

Desde a sua criação, o Congresso Jornada do Autismo se consolidou como um dos principais espaços de troca de conhecimento e experiências sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA) no Brasil. O congresso é multidisciplinar e reúne pais, familiares, professores, terapeutas, cuidadores, pesquisadores e profissionais do setor, promovendo debates e capacitação dos profissionais. Em 2024, o encontro reuniu 21 palestrantes e mais um público de 2 mil pessoas em dois dias. A próxima edição, que será realizada nos dias 31 de maio e 1 de junho de 2025 em Brasília (DF), busca ampliar ainda mais o seu impacto na comunidade, garantindo que informações baseadas em evidências sejam compreendidas por todos, num ambiente de networking, que facilita trocas de conhecimento e apoio mútuo entre os participantes, além de proporcionar uma experiência transformadora, com acolhimento e pertencimento ao público.

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