OPINIÃO
- * Por Jairo Varella Bianeck
A frase dita pelo senador Marcos Rogério à ministra Marina Silva carrega mais do que um desabafo político. Em sua formulação, esconde-se uma tentativa de restabelecer hierarquias arcaicas, silenciar vozes plurais e diminuir simbolicamente uma mulher negra, amazônida e ministra de Estado. A linguagem, como já destacava Pierre Bourdieu, nunca é neutra — é um instrumento de poder e exclusão.
No campo constitucional, a fala do senador afronta diretamente princípios fundamentais: a moralidade administrativa, a dignidade da pessoa humana, a igualdade de gênero, o decoro parlamentar e a função institucional legítima do cargo ministerial. Reduzir simbolicamente a atuação de uma ministra é, por extensão, fragilizar os pilares da própria República.
Como nos alertava Umberto Eco, os sinais do autoritarismo muitas vezes se escondem nos detalhes banais — frases aparentemente inofensivas que, no fundo, tentam restabelecer a monocromia do poder. Ao dizer “se ponha no seu lugar”, o que se busca não é ordem, mas submissão.
Esse gesto não atinge apenas o cargo; atinge o corpo político que o ocupa — um corpo marcado por lutas interseccionais. Kimberlé Crenshaw nos ensina que raça, gênero e classe se entrelaçam. Assim, o ataque à ministra torna-se também uma tentativa de calar todas as vozes que ela representa.
A analogia com pessoas com deficiência é possível e respeitosa: há também sobre esses corpos uma histórica tentativa de confinamento simbólico. O capacitismo, como o racismo e o sexismo, se revela em gestos cotidianos que delimitam quem pode ocupar o centro da narrativa pública.
O silêncio institucional, por sua vez, também é forma de violência. A Constituição exige que o Estado puna qualquer ato discriminatório. Por isso, é urgente uma reação: uma representação por quebra de decoro e a atuação do Ministério Público como guardião dos direitos fundamentais.
Que este episódio se transforme em ponto de inflexão. A linguagem constrói mundos — e o mundo que construímos com ela pode ser uma praça pública de igualdade ou uma prisão simbólica de espelhos quebrados. Que escolhamos a praça. E que Marina Silva — com sua história e seu lugar — permaneça onde a democracia a colocou: no centro legítimo das decisões que moldam nosso futuro comum.
* Jairo Bianeck é Advogado dedicado ao direito das Pessoas com Deficiência e Direito de Família.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
CRENSHAW, Kimberlé. Demarginalizing the Intersection of Race and Sex. University of Chicago Legal Forum, 1989.
ECO, Umberto. Cinco escritos morais. Rio de Janeiro: Record, 2002.
ECO, Umberto. A Estrutura Ausente. São Paulo: Perspectiva, 2005.