OPINIÃO
- * Por Cid Torquato
A acessibilidade é um direito fundamental, mas, infelizmente, sua implementação nos espaços urbanos ainda está longe do que deveria ser o ideal. Quando falamos sobre inclusão das pessoas com deficiência nas cidades, ainda são muitos os municípios brasileiros que possuem pouco (ou até mesmo nenhum) suporte adequado para esse fim.
Entre aqueles que mais sofrem com a falta de acessibilidade estão os surdos, que, segundo dados oficiais do IBGE, são 2,3 milhões de pessoas com algum grau de surdez em todo o Brasil. A falta de medidas efetivas para garantir sua plena participação no cotidiano das metrópoles compromete seu direito à cidadania e reforça barreiras sociais que poderiam ser superadas com soluções relativamente simples.
A experiência de uma pessoa surda quando não há acessibilidade adequada é marcada por desafios constantes. Serviços públicos, transporte, saúde, educação e até mesmo o simples ato de pedir um café em uma lanchonete podem se tornar obstáculos frustrantes, devido a barreira comunicacional com a qual os surdos se deparam diversas vezes vindas de uma sociedade majoritariamente ouvinte. Algumas das principais dificuldades enfrentadas pela comunidade surda incluem:
- Falta de intérpretes no atendimento: em hospitais, delegacias e repartições públicas, a ausência de profissionais de Libras (Língua Brasileira de Sinais) compromete o atendimento adequado a pessoas surdas, dificultando diagnósticos médicos, a resolução de questões jurídicas e o acesso a benefícios sociais.
- Legendas em serviços essenciais: muitas informações essenciais também são veiculadas apenas em áudio, sem legendas ou tradução, excluindo a população surda.
- Dificuldade de comunicação no transporte público: o transporte coletivo é um grande desafio. Paradas emergenciais são feitas apenas por meio de áudio, sem alternativas visuais. Isso pode fazer com que passageiros surdos percam o ponto de desembarque ou fiquem sem saber sobre imprevistos na viagem.
- Exclusão do mercado de trabalho: A falta de recursos acessíveis de comunicação nas empresas reduzem oportunidades de emprego para pessoas surdas e inviabiliza a progressão de suas carreiras quando inseridos no mercado de trabalho. Além disso, muitos empregadores ainda têm resistência em contratar surdos, seja por desconhecimento ou preconceito sobre sua capacidade produtiva.
- Dificuldade no acesso a informações e cultura: a maior parte do conteúdo televisivo, digital e cultural ainda não inclui legendas, audiodescrição ou tradução para Libras. Isso limita o acesso da comunidade surda ao entretenimento, à educação e a informações cruciais sobre políticas públicas e emergências.
Como transformar essa realidade?
A construção de cidades verdadeiramente acessíveis para surdos exige um compromisso coletivo entre governos, empresas e sociedade civil. A ampliação da presença de intérpretes de Libras em serviços essenciais é uma medida crucial, e a tecnologia pode ser uma grande aliada nesse processo.
Plataformas de videochamada para intérpretes remotos, por exemplo, permitem a comunicação eficiente em locais onde a presença física de um intérprete não é viável. Além disso, melhorias na acessibilidade do transporte público, como a instalação de painéis eletrônicos nos ônibus e trens que disponibilizem mensagens em Libras e em português, assim como nos aplicativos de transporte, para que os direcionem a uma plataforma de intermediação, garantindo que informações importantes cheguem a todos os passageiros, independentemente de sua capacidade auditiva.
No ambiente corporativo, a inclusão da acessibilidade comunicacional deve ser uma prioridade. Oferecer treinamentos em Libras para funcionários, adotar legendas e recursos visuais nas comunicações internas e externas e promover a contratação de profissionais surdos são ações que tornam as empresas mais inclusivas.
Paralelamente, é fundamental que haja uma legislação mais rigorosa e fiscalização eficaz para garantir que tanto empresas quanto órgãos públicos cumpram as normas de acessibilidade. Não basta que leis como a Lei 10.098 existam se elas não são devidamente fiscalizadas pelo governo para que sejam propriamente seguidas em todos os campos da sociedade às quais elas se aplicam.
A acessibilidade não beneficia apenas os surdos, mas toda a sociedade. Uma cidade mais acessível é uma cidade mais eficiente, onde todos podem exercer plenamente seus direitos. Garantir a inclusão da comunidade surda é um compromisso com a justiça social e com a construção de um futuro mais igualitário. Afinal, ninguém deveria ser refém do silêncio imposto pela falta de acessibilidade.
- * Cid Torquato é embaixador do ICOM e ex-Secretário da Pessoa com Deficiência da Prefeitura de São Paulo. Formado em Direito pela USP, Cid também já foi Secretário de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Governo de São Paulo de 2008 a 2016.