Muitos têm curiosidade em saber o que acontece após a morte. Eles se surpreenderiam ao descobrir que depois da morte há vida. Isto é o que revela o documentário “Olhares: vidas pós-AVC”, que estreou no dia 16 de agosto, na Cinemateca, em Curitiba-PR.
A audaciosa revelação é contada por 25 sobreviventes de AVC (Acidente Vascular Cerebral) que tiveram suas vidas transformadas após o evento em que adquiriram uma permanente lesão cerebral. O AVC é um dos principais fatores de mortes no mundo e a segunda maior causa de incapacidade, tendo em vista que ele pode ocorrer em qualquer idade. Tais dados são acessíveis nas principais redes de informação e impactam direta ou indiretamente a vida da população: atualmente é difícil encontrar quem não conheça alguém que sofreu um AVC.
Infelizmente, a maioria dessas pessoas falecem em decorrência do acidente, e os poucos que sobrevivem, sofrem com a “morte em vida”, intensificada pela negligência e pelo capacitismo (discriminação de pessoas com deficiência). O impacto é tamanho ao ponto de suicídios serem comuns entre sobreviventes, sobretudo no primeiro ano de reabilitação.
Com o intuito de evitar tal ocorrência, AVCistas (nome pelo qual esses sobreviventes se identificam) se encontram nas redes sociais e se apoiam mutuamente em busca da ressignificação de suas vidas. São pessoas de diversas etnias, classes sociais, profissões e regiões do país que, apesar de serem tão diferentes, têm o mesmo trauma em comum: foram impactadas por um acidente vascular cerebral.
Juntas, elas se informam, se escutam, se reabilitam e enfrentam as dores das sequelas, da solidão e dos olhares piedosos recebidos pela sociedade. Um olhar que julga, castiga e determina um ilusório sentimento de incapacidade. É por meio desse entrelaçamento de vidas que elas ganham coragem para resistir ao dia a dia e, aos poucos, voltam a se humanizar, transformando suas dores em vitórias. Assim, um novo olhar é construído, com mais generosidade para si mesmo.
“Olhares: vidas pós-AVC” vai além de uma obra artística, já que relata a realidade de milhares de pessoas que sobreviveram a um AVC: suas adaptações perante as sequelas, os traumas decorrentes da negligência e violência hospitalar, a aceitação do novo corpo e a constatação de que, apesar da tudo, é possível ressignificar a vida e usufruí-la da melhor maneira possível. Toda essa narrativa se repete de tal forma, que é possível que mais de 20 depoentes a construam por meio de seus relatos. A história de cada um deles é a de todos, e ela se repete a cada dia em uma comunidade que só cresce.
Uma das evidências da veracidade do documentário parte da própria proponente do projeto, Camila Fabro, que é uma das depoentes por ter sobrevivido a três AVCs em maio de 2019, aos 34 anos. A paranaense também passou por todos os revezes relatados e recuperou seus movimentos e sua autoestima com o auxílio dos outros entrevistados, que formam a sua rede de apoio. Ainda em seu primeiro ano de reabilitação, a roteirista iniciou o projeto por meio de sua candidatura no edital do mecenato da Fundação Cultural de Curitiba em 2020. E em meio a diversos desafios (incluindo uma pandemia), o documentário foi, finalmente, finalizado. Ele também é resiliente. Hoje ele faz parte de uma história que não é só de Curitiba, mas de todos aqueles que sobreviveram a um acidente vascular cerebral.