Matéria originalmente publicada em 19 de setembro! Atualizada em 9 de julho
Continuam sendo divulgadas notas de apoio à Sônia Maria de Jesus, que viveu por décadas na residência de um Desembargador de Justiça em Santa Catarina, em ‘situação análoga à escravidão’. As investigações e apurações ainda tramitam no judiciário brasileiro, entretanto diversas entidades já se manifestaram em apoio a Sônia.
O Diário PcD teve acesso a uma NOTA DE REPÚDIO, redigida e assinada pelos Doutores Surdos e Doutoras Surdas.
Confira a íntegra do documento:
Nós, Doutores Surdos e Doutoras Surdas, dedicados à nobre causa da Educação de Surdos,
explorando os âmbitos da Educação Básica e do Ensino Superior, em prol das disciplinas de Letras:
Libras, Pedagogia Bilíngue, nos domínios da Linguística, Tradução e Interpretação de Libras-Português, bem como em outras áreas relevantes nas Universidades Federais, nas Universidades
Estaduais, nos Colégios de Aplicação, nos Institutos Federais, no Instituto Nacional de Educação de
Surdos, tanto na esfera pública quanto privada, levantamos nossas mãos em uníssono, em um coro
de solidariedade inquebrantável na batalha incansável pela justiça. E é com veemência que
repudiamos a decisão que provém do âmago do sistema judiciário brasileiro, uma decisão que
perpetua a injustiça que se abateu sobre Sônia, uma mulher negra surda, cujas correntes foram
forjadas em padrões desumanos de escravidão ao longo de décadas, dentro dos domínios da família
do desembargador Jorge Luiz de Borba, de Santa Catarina, e de sua esposa, Ana Cristina Gayotto
de Borba.
É-nos impossível aceitar, sem sobressaltos e com angústia profunda, a sentença proferida pelo
Ministro do Supremo Tribunal Federal, Senhor André Mendonça, referendando, infelizmente, a
decisão proveniente do Superior Tribunal de Justiça. Tal decisão configura-se como um golpe às
esperanças de Sônia, uma alma martirizada, sujeita a abusos e privações linguísticas durante quatro
décadas de penúria, privada de seu retorno ao convívio de sua família e de sua comunidade. Nesse
período, seus direitos elementares, a própria dignidade humana e, de modo particular, os direitos
linguísticos, foram vilipendiados, restringindo seu acesso à linguagem e negando-lhe a educação
que lhe seria de direito, na vibrante comunidade linguística surda.
Sônia, aos olhos da justiça, foi submetida a um cruel regime de audismo, sujeição a negações de
direitos e a um processo de desumanização que se contrapõe de forma categórica às premissas
fundadoras da Constituição Brasileira e aos tratados internacionais que proclamam os direitos
humanos e linguísticos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a Convenção nº 29
da Organização Internacional do Trabalho e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência de 2006, todos ratificados pelo Brasil, erguem-se como pilares da justiça universal, cuja
flagrante violação permeia a presente decisão.
Em solo brasileiro, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi incorporada à
Constituição Federal, com status de Emenda Constitucional, enquanto a Lei Brasileira de Inclusão
garante direitos como a educação bilíngue de surdos, a assistência social, o acesso à saúde e o
direito a um trabalho digno para todos os cidadãos, independentemente de sua condição.
Esta decisão é inadmissível em seu cerne. Sônia, que jamais deteve parentesco consanguíneo com
o Desembargador, figura, na realidade, como uma trabalhadora desprovida de direitos, merecedora
de justiça e reparação. É nosso apelo urgente à sociedade brasileira, aos movimentos sociais e às
autoridades políticas que se unam para combater esta decisão injusta e pressionar os demais
ministros do Supremo Tribunal Federal a retificarem este grave e inaceitável erro no âmbito da justiça.