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Doença de Huntington, uma herança genética rara que se confunde com outras patologias

ByJornalismo Diário PcD

set 29, 2023
Doença de Huntington, uma herança genética rara que se confunde com outras patologias

A última quarta-feira, 27, marcou o Dia Nacional da Conscientização da Doença de Huntington (DH), que foi instituído este ano para aumentar a conscientização sobre a patologia, bem como dar visibilidade às pessoas acometidas e mobilizar a sociedade para discutir políticas públicas necessárias para um maior acolhimento dessa comunidade. Rara e hereditária, a DH afeta o sistema nervoso central, causando distúrbios motores, comportamentais e cognitivos, geralmente, com o surgimento dos primeiros sintomas na idade adulta, entre 30 e 50 anos. [1] No mundo, a estimativa de prevalência da doença é de 1 em cada 10 mil pessoas. Embora não haja dados oficiais no Brasil, a Associação Brasil Huntington (ABH) avalia que de entre 13 mil e 19 mil pessoas carreguem a mutação genética. [2]

A DH é originada a partir de uma mutação no gene responsável pela produção da proteína huntingtina (HTT), resultando em uma forma anormal dessa proteína. Isso, por sua vez, desencadeia a morte de células nervosas em áreas específicas do cérebro, levando a diversas disfunções. “Esta é uma doença que tem um curso muito dramático, pois as pessoas acabam ficando totalmente dependentes do cuidador e da família. Por ser hereditária, de caráter autossômico dominante, a possibilidade de um casal com a mutação no gene ter filhos com DH é de 50%. Ou seja, dentro de uma família, é possível ter um ou mais membros acometidos. Isso pode levar a um grande impacto social e financeiro do núcleo familiar por conta do afastamento das pessoas do trabalho. Há ainda uma taxa de suicídio seis a oito vezes maior que na população em geral”, explica o neurologista Gustavo Franklin, especializado em distúrbios de movimento.

Sintomas

Um dos sintomas mais característicos é a coreia (movimentos involuntários e irregulares), que é observada em mais de 90% das pessoas acometidas. Além disso, outros sintomas estão presentes inevitavelmente, como alterações comportamentais, que se manifestam como apatia, irritabilidade, depressão e impulsividade, e declínio cognitivo, com queda na capacidade de planejamento, da fala e, com o avanço da doença, levando a um quadro de demência. 1 De acordo com Gustavo Franklin, a DH, muitas vezes, é confundida com doença de Parkinson, doença de Alzheimer, esquizofrenia e outras doenças psiquiátricas. Ele elenca ainda sintomas de alterações comportamentais, como apatia, irritabilidade, depressão e impulsividade, além de impactos cognitivos, como queda na capacidade de planejamento, da fala e, com o avanço da doença, pode se acentuar para um quadro de demência. 1

Todos esses clássicos sintomas foram apresentados por alguns familiares da psicóloga Tatiana Henrique, 30 anos, entre eles a avó, o pai e alguns tios. Ela conta que, ao longo dos anos, observou que seus parentes apresentaram os três blocos de sintomas, entretanto com evoluções bem distintas. “Um tio com quem convivi mais de perto tinha fortes tremores desde o início, enquanto uma tia apresentava poucos sintomas motores na fase intermediária, mas sofria de demência avançada”, relata ela, que, devido ao histórico familiar, se tornou voluntária na Associação Brasil Huntington (ABH) há sete anos.

A família dela é originária do município alagoano de Feira Grande, a 144 quilômetros distante da capital Maceió. Com pouco mais de 22 mil habitantes, o munícipio é um dos locais no Brasil com maior prevalência de casos de DH, assim como Ervália, na Zona da Mata em Minas Gerais, e Senador Sá, no Norte do Ceará.[3] “Desde que tomei consciência sobre a doença, vivi anos intensos em busca de redefinir o medo que sentia e transformá-lo em um propósito para ajudar outras pessoas e crianças que, assim como eu, cresceram com a doença de Huntington em suas famílias”, acrescenta ela, que recentemente recebeu o resultado negativo para a mutação genética. A decisão de fazer o teste, foi em função de se planejar para ter filhos.

Cuidados

Assim como outras patologias raras, a doença de Huntington não tem cura. “O manejo dos sintomas é o foco. Hoje contamos com um arsenal terapêutico, medicamentoso ou não, que somados geram mais qualidade de vida para o paciente e para a família. Alguns dos cuidados envolvidos são fisioterapia para reabilitação motora, fonoaudiologia para melhoria da fala e da deglutição, acompanhamento nutricional, pois é muito comum o emagrecimento, e acompanhamento psicológico tanto para o paciente como para a família”, indica Gustavo Franklin.

O gerente de Marketing, Matheus Almeida da Silva, 28 anos, conta que sua avó paterna faleceu quando ainda não se havia conhecimento sobre a hereditariedade da DH em sua família. “Diziam que era ‘problema dos nervos’ e não se tratava. Quando meu pai começou a desenvolver os sintomas, a família começou a investigar e ele foi diagnosticado com a doença de Huntington”, relembra Matheus que, conviveu com o pai até a adolescência, quando ele faleceu.

Cuidar do pai demandou um grande esforço de todos. Isso porque, com o avanço da doença, ele foi demitido sem a oportunidade de se aposentar. “Passamos a viver um aperto financeiro. Minha mãe, que cuidava de mim e dos meus irmãos, teve de trabalhar e, muitas vezes, eu que alimentava o meu pai”, relembra ele, que é voluntário da ABH, e confessa que, mesmo sob o risco de desenvolver a doença, busca encarar a situação de forma natural. “Estou chegando aos 30 anos e isso acende um alerta, mas eu busco me cuidar em termos de saúde, me informo sobre novidades em cuidados da doença e me preparo em termos financeiros caso eu tenha de parar de trabalhar”, completa.

Visibilidade e inclusão

Justamente por sintomas como a coreia, a doença de Huntington carrega um estigma social. Matheus relembra que ao sair às ruas com o pai, as pessoas comentavam e riam por achar que ele estava embriagado. “Já era ruim ver essa situação como filho, imagino como ele devia se sentir”, conta ele, alertando para a importância da conscientização das pessoas sobre a doença, o que impacta inclusive na formulação de políticas públicas que garantam mais direitos às pessoas afetadas, como na questão de se conseguir aposentadoria por invalidez. “Se um perito do INSS, que define se uma pessoa pode ou não se aposentar, conhecesse um pouco sobre a DH, saberia que a doença é incapacitante e que a pessoa com sintomas não tem condições de conseguir um emprego.”

Um grande avanço para a comunidade foi a criação da Casa do Raros, um centro de atendimento integral e treinamento em doenças raras, inaugurado em fevereiro de 2023, em Porto Alegre/RS, onde são atendidas pessoas com suspeita ou diagnóstico de qualquer doença rara, com prioridade para aqueles sem diagnóstico ou acompanhamento em andamento. “Pessoas com doenças raras ficam perdidos no sistema de saúde, peregrinando em busca de atendimento, e costumam esperar até dois anos para conseguirem uma consulta. Queremos fazer a diferença, dando um diagnóstico e traçando um plano de tratamento que pode ser conduzido em outras unidades de saúde”, afirma o médico geneticista e cofundador da Casa dos Raros, Roberto Giugliani.

Além da assistência, a Casa dos Raros se dedicará a pesquisas científicas sobre patologias, entre elas a doença de Huntington, bem como a realização de cursos para profissionais de saúde, buscando disseminar conhecimento e conscientização sobre essas doenças.



Referências


[1] National Center for Biotechnology Information. link. Acessado em setembro de 2023.
[2] European Huntington’s Disease Network. link. Acessado em setembro de 2023
[3] Associação Brasil Huntington (ABH).

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