OPINIÃO
- * Por Edilayne Ribeiro – Colunista ASID Brasil
Eu sou uma pessoa com deficiência. Uma deficiência física, motora, e de cunho diagnóstico não identificado. Nasci e conheço apenas esta realidade há quase 3 décadas. Mas, para isso acontecer, eu tive que aprender e ensinar a mim mesma todos os dias, porque eu olhava para os lados e não via ninguém como eu… Prestava atenção na minha família e ninguém tinha nascido assim… Os meus amigos da escola não passavam pelas mesmas dificuldades que eu e, por isso, não precisavam todos os anos lutar as mesmas lutas que eu lutava… E eu ligava e desligava a televisão sem ver um ator ou atriz sequer que representasse o que eu vivia…
Como saber viver assim?
É a pergunta que eu continuo me fazendo, mesmo sendo adulta. Agora eu vejo mais pessoas com deficiência nas ruas; conheci colegas na faculdade; trabalhei com quem tinha um histórico semelhante ao meu; em cada esquina de qualquer cidade se fala em inclusão, e já até existem leis que nos protegem. Mas e a TV, heim? Até a TV já nem é mais o elemento principal de uma casa, haja vista que está sendo substituída pelos celulares, e mesmo assim a realidade dos filmes, das séries, dos livros…continua a mesma: quase não há pessoas com deficiência nesse contexto!
Quando há, são personagens bem característicos, e que têm a deficiência como centro da narrativa. Esse é um tipo de representatividade que não deixa de ser importante, claro! Considerando que vivíamos em uma época que não era respeitada a mera existência das pessoas com deficiência, saber que devagar fomos conseguindo espaço e, com isso, abrindo portas para que assuntos como inclusão, acessibilidade, tecnologias assistivas e outros fossem sendo discutidos é um avanço e tanto!
Mas, ao fazer isso, também acabamos mantendo estereótipos de deficiências. Essas representações mais tradicionais, apesar de valiosas, podem reafirmar clichês de superação, de falta de autonomia, de infantilização da pessoa com deficiência… Ademais, por geralmente serem representadas por pessoas sem deficiência, faz com que seja um retrato simplificado e muitas vezes inadequado do que é, de fato, a deficiência.
Como seria, então, um outro tipo de representatividade, aquela que não precisasse colocar a deficiência no centro da discussão, mas que pudesse simplesmente ter a pessoa com deficiência por ali, convivendo e protagonizando como qualquer outra?
Representações autênticas da deficiência: uma pessoa não é somente sua deficiência. Ela também é mãe/pai; funcionária/funcionário de uma empresa; namorada/namorado de alguém; tem dificuldades comuns como cantar desafinado embaixo do chuveiro, não saber cozinhar ou às vezes esquecer a etiqueta pra fora da blusa; e tenta novos hábitos para mudar de vida, como tomar banho gelado no frio (dizem que faz bem pra pele!). Além disso, pessoas com deficiência também têm personalidade difícil, um signo desagradável, dramas na vida amorosa, brigas bobas com amigos, esquecem de pagar a conta de luz ou odeiam o Excel! Se tudo isso pudesse ser o centro das narrativas cinematográficas e literárias, as representações de sua vida seriam mais autênticas e abririam um espaço mais respeitoso para, juntamente a tudo isso, também falar sobre inclusão em um capítulo ou outro.
Oportunização para pessoas com deficiência da vida real: abrindo espaços mais reais, a probabilidade de que as próprias pessoas com deficiência pudessem interpretar esses papéis seria maior! E isso deveria acontecer em todos os aspectos da diversidade: mulheres lésbicas interpretando mulheres lésbicas; indígenas interpretando indígenas; logo… pessoas com deficiência interpretando pessoas com deficiência! Assim não corremos o risco de atravessar a realidade de ninguém, e ainda daríamos oportunidade de conhecimento, trabalho e experiência para pessoas que pertencem aos grupos da diversidade.
Inclusão de pessoas com deficiência em mais papéis e funções: com tudo isso em pauta, também começaríamos a inserir pessoas com deficiência em outras funções. Imagina quão bonito seria se estivessem envolvidas também no processo criativo de um filme, como na escrita, produção, direção, consultoria…? Quão bonito seria se pudéssemos recomendar para alguém a música de uma cantora muito boa e que é pessoa com deficiência; ou se pudéssemos finalizar um livro emocionante e, ao encontrar a aba de “Sobre o autor”, descobríssemos que é uma pessoa com deficiência? Dessa forma estaríamos vivendo em um mundo em que não seríamos designadas apenas para cargos operacionais de uma empresa, ou utilizadas em campanhas publicitárias sensacionalistas, por exemplo. Estaríamos em tudo, sendo e fazendo tudo!
Quem sabe daqui mais 3 décadas eu volte aqui e sinta orgulho de mim mesma por ter escrito sobre um cenário que, de repente, começou a acontecer!
Quem sabe ao ver muito mais semelhanças por aí, eu tenha conseguido aprender e ensinar a mim mesma outras coisas, porque essas questões já estariam respondidas!
- * Edilayne Ribeiro é psicóloga, especialista em Neuropsicologia e mestra em Educação, membra da Comissão de Educação Inclusiva da Universidade Tuiuti do Paraná e palestrante nos temas pessoa com deficiência e sexualidade. Atualmente é Líder na ASID em Projetos de inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho.
Sobre a ASID Brasil:
A ASID Brasil é uma ONG que promove a inclusão socioeconômica da população com deficiência. Somos agentes empreendedores que alcançam a excelência realizando mudanças sociais movido a metodologias, estudos e inteligência plural.
Fonte: https://asidbrasil.org.br/