Pesquisador da UFSCar publica artigo sobre mães de pacientes com Aids

Foi publicada na Nature Humanities & Social Science Communications o artigo “The mothers: contesting health-illness status and cultural authority in the age of Aids“, de autoria de João Paulo Gugliotti, doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS) da UFSCar, em coautoria com Richard Miskolci, do PPGS, orientador de Gugliotti no doutorado. 

O autor é formado em Gerontologia, pela UFSCar, e fez mestrado e doutorado na mesma instituição, no âmbito do PPGS. “No doutorado investiguei a produção biogerontológica a partir da homossexualidade. Interessava-me compreender como o envelhecimento e a homossexualidade foram abordados pela especialidade e suas disciplinas correlatas desde os anos 1970, ao longo dos últimos quarenta anos. A Aids apareceu como um evento histórico associado à produção de conhecimento na Biogerontologia, principalmente, nos anos 1980, década em que a homossexualidade não mais era concebida como um distúrbio psiquiátrico pelas ciências psi (Psiquiatria, Psicologia e Psicoterapia), mas passa a ser classificada em termos de risco ao HIV/Aids pela epidemiologia”, explica ele.

Desde 2019, o pesquisador investiga o Grupo de Mães de Pacientes com Aids, formado em Nova York, em 1986, por assistentes sociais, profissionais de saúde, gerontológas e ativistas. O artigo publicado na Nature Humanities & Social Science Communications fez parte da pesquisa de doutorado de Gugliotti na Universidade de Harvard, no Departamento de História da Ciência, entre 2019 e 2020. A pesquisa que originou o artigo é resultado do projeto “(Bio)marcadores de envelhecimento na produção em Gerontologia: entre a resposta global à epidemia de HIV/Aids e a (re)patologização da homossexualidade”, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), sob a supervisão de Sarah S. Richardson e Richard Miskolci.

Apesar da prevalência das pesquisas que produziram conhecimento sobre grupos e comunidades estigmatizadas ao longo das décadas de 1980 e 1990, nos Estados Unidos, os estudos que investigaram a relação entre HIV/Aids, estigma interseccional e a situação de saúde-doença entre grupos considerados hegemônicos são incipientes, ou seja, grupos formados por pessoas heterossexuais e brancas, que não sofreram estigma devido à sexualidade e raça/cor, por exemplo. Neste estudo, essa lacuna foi examinada a fim de observar os efeitos do estigma em comunidades não-expostas. 

“Além disso, o artigo explorou a formação de um grupo pioneiro de cuidadores na cidade de Nova York, as Mães de Pacientes com Aids (MPWA) e analisou narrativas sobre saúde-doença a partir de uma agenda de cuidado coletivo estabelecida por mães de meia idade e idosas que lidavam com os desafios e necessidades de filhos adultos e pessoas com graus moderado e alto de dependência”, completa o autor, acrescentando que o estudo fez parte de um projeto maior que investigou o surgimento de organizações sem fins lucrativos e grupos de assistência gerontológica no contexto da epidemia de HIV-Aids em Nova York nas décadas de 1980 e 1990.

Quando iniciou a pesquisa nos Estados Unidos, o pesquisador se deparou com alguns arquivos de mães de filhos/pacientes com Aids no contexto das décadas de 1980 e 1990. O arquivo de Florence Rush, em particular, foi relevante para a compreensão de algo fundamental: enquanto a tese (e seus resultados preliminares) mostravam que a epidemia de Aids originou um enquadramento moral nas Ciências Biomédicas via epidemiologia que chegou, inclusive, na Biogerontologia, a sociedade civil e os movimentos sociais organizados em saúde produziam formas de ativismo que deram importância e visibilidade à situação da Aids nos Estados Unidos.

Dessa forma, o artigo amplia a discussão da tese e insere o debate sobre autoridade cultural – conceito sociológico proveniente da subcampo da Sociologia Médica dos anos 1960/70, em que se discute, na pesquisa em tela, a partir da Aids, os embates entre profissionais de saúde e pacientes na produção dos diagnósticos. No artigo, foi explorada a produção de diagnósticos de Aids a partir dos relatos das mães recolhidos por Florence Rush, em que elas, as mães, por exemplo, apresentam os conflitos e disputas com médicos e especialistas em consultas de rotina, a relação vexatória que os diagnósticos de Aids impunham perpetuamente em suas vidas cotidianas e a emergência do termo “câncer” como uma espécie de eufemismo. 

“Muitas mães, e mulheres heterossexuais, naquele contexto, preferiam utilizar a expressão “câncer” para se referir à doença em espaços familiares, nos ambientes de trabalho e até mesmo de lazer. Esse é um dos achados mais importantes e nos mostra, então, como a linguagem patológica e a forma pela qual os eufemismos ganhavam centralidade na vida das pessoas também estavam relacionados ao fato de que as pessoas não temiam a Aids apenas pelo seu aspecto mortal, ela era uma doença mortal; porém, e precisamente, o medo do estigma e do preconceito e a forma como eles tocavam a experiência cotidiana da doença. Assim, concluímos que pessoas heterossexuais experimentavam formas de preconceito porque o estigma é interseccional e não, portanto, estático ou confinado a identidades sexuais específicas”, considera o autor.

A pesquisa resultante da tese de Gugliotti será publicada em livro pela Editora da UFSCar (EdUFSCar), ainda no primeiro semestre deste ano. Atualmente, a pesquisa é também desenvolvida no Departamento de Medicina Preventiva da Universidade de São Paulo (USP) e no Departamento de Saúde Global e Medicina Social do Kingtons College London, sob supervisão das professoras Lilia Blima Schraiber, Anne Pollock e Laia Becares, com apoio da Fapesp.

O artigo completo pode ser conferido aqui. Outros trabalhos produzidos pelo autor e seus colaboradores podem ser também encontrados no site do núcleo de pesquisa que Gugliotti coordena, em www.nupage.org.

Fonte: https://www.ufscar.br/

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