Maus-tratos a criança com paralisia cerebral e autismo revelam falhas na proteção em ambientes familiares e escolar
A história da menina de 2 anos, com paralisia cerebral, que supostamente teria sofrido maus-tratos por parte do pai, um influencer digital, somada à história do menino autista, também de 2 anos, cuja escola é suspeita de dopá-lo, acenderam o alerta sobre a importância de proteger as crianças com deficiência. Quais são as principais formas de garantir a segurança delas, até mesmo nos espaços em que deveriam estar amparadas?
O advogado e professor Gustavo Henrique Velasco Boyadjian, presidente da Comissão da Pessoa com Deficiência do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, explica que a obrigação dos pais ou responsáveis em relação à assistência, criação e educação dos filhos menores de 18 anos é dever constitucional, previsto no Código Civil, que independe da criança ou do adolescente ter alguma deficiência.
Ainda assim, ele destaca a importância dos dispositivos previstos no Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015). “A norma tipifica como crime o abandono da pessoa com alguma deficiência em hospitais, casas de saúde e entidades que forneçam abrigo. Este crime é punível com reclusão de seis meses a três anos, além de multa. O parágrafo único deste mesmo dispositivo faz a previsão de que estão sujeitos a esta mesma pena aqueles que, em razão de obrigação decorrente de lei, não proverem as necessidades das pessoas com deficiência pelas quais são responsáveis”, explica.
A mesma lei estabelece como crime discriminar ou induzir a discriminação em razão de deficiência, punível com reclusão de um a três anos e multa. “A pena deve ser aumentada em um terço quando a vítima está sob os cuidados ou a responsabilidade do autor do delito”, acrescenta.
“O ordenamento jurídico brasileiro protege de forma abrangente os indivíduos. O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (8.069/1990), por exemplo, estabelece que nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão e que, em havendo suspeita ou a confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos, deverá haver comunicação ao Conselho Tutelar”, afirma.
Ações efetivas de proteção
O procurador Fernando Salzer, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, também chama a atenção para a importância do ECA diante de casos de negligência contra crianças e adolescentes. Sobre essa questão, ele destaca os artigos 13 e 130.
O primeiro prevê que os casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais. O segundo dispõe que, verificada a hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária pode determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum e a fixação provisória dos alimentos de que necessita a criança.
“O ECA também confere como atribuição do Conselho Tutelar a adoção, na esfera de sua competência, de ações efetivas direcionadas à identificação da agressão, à agilidade no atendimento da criança vítima de violência doméstica e familiar e à responsabilização do agressor, devendo solicitar, se entender necessário, o afastamento do convívio familiar, comunicando de imediato o fato ao Ministério Público, prestando-lhe informações sobre os motivos de tal entendimento e as providências tomadas”, ele explica.
O procurador destaca outras duas legislações que tratam da importância da denúncia e da intervenção precoce nos casos de violência. Trata-se da Lei 13.431/2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, e do Decreto 9.603/2018, que orienta a intervenção precoce, mínima e urgente das autoridades competentes assim que a situação de violência seja conhecida.
Outra importante legislação no combate à violência contra crianças e adolescentes é a Lei Henry Borel (14.344/2022), que declara a violência doméstica e familiar contra a criança como uma das formas de violação dos direitos humanos.
“A norma determina que as medidas protetivas de urgência poderão, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, da autoridade policial, do Conselho Tutelar ou a pedido da pessoa que atue em favor da criança e do adolescente”, explica.
Fernando Salzer acrescenta que, nos casos em que a criança seja do sexo feminino, também se aplicam as disposições contidas na Lei Maria da Penha (11.340/2006).
Como denunciar?
O procurador explica que a denúncia de maus-tratos contra crianças pode ser feita pelo Disque 100, do Conselho Tutelar, da autoridade policial ou do Ministério Público.
“Deixar de comunicar à autoridade pública a prática de violência, de tratamento cruel ou degradante ou de formas violentas de educação, correção ou disciplina contra criança ou adolescente, é crime, previsto no art. 26 da Lei Henry Borel”, pontua.
O procurador ainda esclarece que a prática do sharenting, expressão em inglês que define o hábito de compartilhar, na internet, vídeos e fotos do dia a dia dos filhos, também pode configurar maus-tratos.
“A exposição exagerada da criança em redes sociais viola o dever de preservação da imagem e da intimidade da criança, o que configura violência psicológica, nos termos da Lei 13.431/2017. Quando a exposição tem o objetivo de obter lucros financeiros, também pode configurar uma forma de violência patrimonial”, explica.
Conselho Tutelar retira criança com paralisia cerebral de influencer
Na última terça-feira (25), o Conselho Tutelar retirou da casa do pai a menina de 2 anos, que tem paralisia cerebral, e a levou para a casa da avó paterna. O homem ficou conhecido por compartilhar a rotina da filha nas redes sociais e até debochar da criança.
A polícia investiga o influenciador digital por maus-tratos, estelionato, desvio de proventos de pessoa com deficiência e por causar constrangimento à criança.
A mãe da menina também é suspeita de desviar o dinheiro da filha e, se confirmadas as autorias dos crimes pelos quais o pai, Igor, é investigado, ela pode responder também por omissão.
De acordo com o site G1, os pais se separaram amigavelmente, mas fingiam ter uma relação conturbada nas redes sociais em prol da criação de conteúdo. Eles tinham um acordo verbal de que Igor moraria com a filha. Os seguidores, sensibilizados com a situação, enviavam doações em dinheiro para ajudar nos cuidados com a criança.
Exame revelou intoxicação por remédio em menino autista
Já o caso do menino autista que teria sido dopado na escola remonta ao dia 16 de junho, quando os pais perceberam que o menino não conseguia andar normalmente ou segurar a mamadeira, por exemplo. A mãe alegou que a criança estava com um cansaço incomum e sem a coordenação motora que costuma ter.
Preocupados, os pais levaram a criança para a emergência, onde a criança passou por uma lavagem estomacal e recebeu medicação. Segundo a família, o médico teria sugerido que eles procurassem a polícia porque os exames indicavam que ele teria sido dopado. No boletim médico, a situação foi classificada como intoxicação aguda.
A família registrou a ocorrência. Segundo eles, a Polícia Civil não pediu nenhum exame. Por isso, eles fizeram em uma clínica particular, que encontrou 0,18 miligramas de Zolpidem no organismo do menino.
Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM – https://ibdfam.org.br/