- * Por Jairo Varella Bianeck
Prezados,
Todos os dias enfrentamos a dura realidade de lutar pelos direitos das pessoas com deficiência e neurodivergências, como TEA (Transtorno do Espectro Autista), TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) e TOD (Transtorno Opositivo-Desafiador), entre outras.
É triste saber que, apesar das leis que garantem esses direitos – como a LBI (Lei Brasileira de Inclusão) e a CF (Constituição Federal) –, a prática está muito longe do que deveria ser. As leis existem, mas quem realmente as cumpre?
O que me deixa profundamente revoltado é ver que, mesmo com o art. 28 da LBI exigindo a adaptação do currículo escolar, a capacitação dos professores e o suporte especializado, muitas famílias ainda têm que ir à Justiça para garantir que seus filhos sejam aceitos nas escolas. E quando conseguem, os filhos ainda são rotulados de “problemáticos”, “atentados”, “esquisitos” ou, pior ainda, alvo de comentários cruéis, como “parece que faz de propósito para ser zoado”. Isso é desumano. Adolescentes que deveriam ser acolhidos tornam-se alvos de crueldade. E o pior é que muitos educadores assistem a tudo isso sem mover um dedo ou, pior, reforçam esses estigmas.
Mário Sérgio Cortella ensina: “A palavra é uma das armas mais poderosas que temos. Ela transforma realidades e move consciências.”
O que falamos e como agimos – seja como pais, professores ou colegas – tem um impacto enorme na vida dessas crianças e adolescentes. A exclusão emocional dói tanto quanto uma agressão física.
Precisamos mudar isso com atitudes e palavras que ajudem, e não machuquem, pois as consequências são graves. Crianças e adolescentes que passam por bullying e discriminação perdem o interesse em aprender. A escola, que deveria ser um lugar de acolhimento, se transforma num lugar de dor. Muitos desistem de estudar porque simplesmente não aguentam mais. O resultado? Evasão escolar.
E o mais assustador é que, quando um adolescente se junta a um grupo, pode se transformar em alguém violento com o colega que é diferente. Muitos pais nem sabem o que os filhos fazem fora de casa e só descobrem o estrago quando o mal já foi feito. Pais e educadores precisam abrir os olhos! Não dá mais para justificar agressões dizendo que “são só crianças” ou que “isso faz parte do amadurecimento”. Isso não é verdade. Ignorar ou minimizar essas atitudes só perpetua o ciclo de exclusão e dor.
Infelizmente, a violência não é só emocional.
Casos de abuso físico contra crianças neurodivergentes são assustadoramente reais. Imagine uma criança sendo imobilizada fisicamente na escola, sob o pretexto de “controle de comportamento”.
Isso é desumano e ilegal!
A LBI e o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) deixam claro: qualquer forma de violência é proibida. Mas, apesar disso, essas atrocidades continuam acontecendo em escolas que deveriam proteger essas crianças.
Quantas vezes as agressões disfarçadas de “brincadeiras” violentas foram ignoradas? As piadas cruéis, as humilhações… Tudo isso deixa marcas emocionais profundas que duram para sempre. E muitos pais e professores não enxergam – ou preferem não enxergar – o quanto essas atitudes destroem as vítimas.
Além disso, a luta não para nas escolas.
Como disse Leandro Karnal: “O direito não é aquilo que está escrito, mas aquilo que é praticado.” E é isso que vemos todos os dias: os direitos das crianças neurodivergentes estão no papel, mas na prática são negligenciados. Planos de saúde constantemente negam cobertura para terapias essenciais ao desenvolvimento dessas crianças. O art. 18 da LBI garante acesso à saúde, mas, na prática, as famílias precisam recorrer à Justiça para conseguir tratamentos básicos. Isso é um absurdo!
O Ministério Público tem um papel fundamental aqui.
É urgente o uso de instrumentos como a Ação Civil Pública e o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para forçar escolas, hospitais e planos de saúde a cumprirem a lei. Mas isso só vai funcionar se a sociedade ficar atenta e cobrar resultados. Se não, continuaremos vendo direitos sendo ignorados.
A mídia também precisa fazer mais.
Quantas vezes você viu uma grande reportagem sobre as dificuldades enfrentadas por quem tem TDAH ou autismo? Essas histórias raramente aparecem, e precisamos da imprensa para jogar luz sobre esses problemas.
Incluir pessoas com deficiência e neurodivergências não é só uma obrigação legal. É uma questão de humanidade. As escolas precisam acolher, capacitar e, acima de tudo, respeitar a individualidade de cada criança.
Adotemos o ensinamento de Paulo Freire: “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou construção.” A verdadeira inclusão só acontecerá quando cada criança puder crescer e aprender de acordo com suas capacidades, num ambiente que respeite sua individualidade. E isso não é um favor, é um direito.
A luta por uma sociedade mais justa, inclusiva e humana depende de todos nós. Não adianta discursos vazios e promessas que não se cumprem. Precisamos agir. Quando o Estado, as escolas e os prestadores de saúde falham, é dever da sociedade civil, das famílias e de instituições como a ANAPcD (Associação Nacional de Apoio às Pessoas com Deficiência) se levantar e exigir que esses direitos sejam respeitados.
Vamos continuar lutando. Pelas crianças com TDAH, autismo e outras neurodivergências que merecem ser respeitadas. Pelos jovens que têm o direito de desenvolver seu potencial. Pelas famílias que não deveriam precisar da Justiça para acessar o básico: saúde e educação de qualidade. E vamos lutar por uma sociedade que trate todos com dignidade.
Com indignação e esperança,
- Jairo Varella Bianeck é advogado e Coordenador Jurídico da ANAPcD (Associação Nacional de Apoio às Pessoas com Deficiência)