OPINIÃO
- * Por Jairo Varella Bianeck
A Reforma Tributária Desconsidera a Natureza do Espectro Autista, que Pode Variar Amplamente em Suas Manifestações e Impactos na Vida dos Indivíduos
A proposta de reforma tributária em tramitação no Brasil tem gerado intensas publicações, principalmente sobre os impactos econômicos e sociais das mudanças fiscais sugeridas. No entanto, um ponto importante, mas pouco abordado, é como essa reforma afeta as pessoas com deficiência, especialmente aquelas no espectro autista. Ao padronizar regras tributárias sem considerar as particularidades dessa condição, a reforma ignora a natureza do espectro autista, que pode se manifestar de maneiras muito variadas e com diferentes impactos na vida das pessoas. Este artigo analisa a necessidade de adaptar o sistema tributário às diversas realidades das pessoas autistas, visando garantir a justiça fiscal e social.
1. O Espectro Autista: Diversidade e Complexidade
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição neurodivergente que afeta cada pessoa de forma única, com grandes diferenças em termos de habilidades, comportamentos e necessidades de apoio. Enquanto alguns indivíduos autistas conseguem levar uma vida independente, outros enfrentam dificuldades mais severas, que afetam sua capacidade de realizar atividades cotidianas e de se integrarem plenamente à sociedade. Essa diversidade torna essencial que as políticas públicas sejam flexíveis para atender às diferentes necessidades dessas pessoas.
A falta de uma abordagem inclusiva na reforma tributária ignora essa realidade. O autismo não pode ser tratado de forma uniforme. Suas manifestações variam em grau e forma, e as variações dessa variação recai diretamente sobre as necessidades de acesso a serviços de saúde, educação e inclusão social. Qualquer mudança nas políticas fiscais deve refletir essa diversidade para que não haja prejuízo aos direitos das pessoas autistas.
2. Reforma Tributária: O que está em jogo?
A reforma tributária em discussão propõe a unificação de diversos impostos, como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o Imposto sobre Serviços (ISS), o PIS e a COFINS, em um único Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), além de mudanças no Imposto de Renda. Embora o objetivo de simplificar o sistema tributário seja válido, a falta de atenção às especificidades das pessoas com deficiência, incluindo como com TEA, revela um grande problema: a padronização das regras fiscais ignora o fato de que os custos de vida dessas pessoas podem ser muito maiores devido às suas condições de saúde.
Muitas famílias de pessoas autistas precisam gastar com tratamentos médicos especializados, terapias multidisciplinares, medicamentos, além de educação adaptada e cuidadores. Uma reforma que não considere essas particularidades pode aumentar o peso fiscal dessas famílias, comprometendo o acesso a serviços essenciais e ampliando as desigualdades.
3. A Necessidade de um Tratamento Tributário Diferenciado
O princípio da igualdade tributária, consagrado no artigo 150 da Constituição Federal, exige que o tratamento fiscal seja adequado às condições particulares dos contribuintes. Em se tratando de pessoas com deficiência, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada no Brasil pelo Decreto nº 6.949/2009, impõe ao Estado o dever de adotar medidas para garantir o pleno exercício dos direitos e liberdades fundamentais por essa parcela da população.
Nesse sentido, é necessário que a reforma tributária preveja isenções e alíquotas reduzidas para pessoas com autismo e suas famílias, além de garantir que os tratamentos de saúde, serviços educacionais e produtos adaptados não sofram aumento de impostos. Essas medidas já existem em alguns âmbitos, mas a reforma deve consolidá-las e ampliá-las, evitando retrocessos.
A inclusão de disposições específicas na legislação tributária que atendem a essa população não seria apenas uma questão de justiça social, mas também uma adequação à normativa constitucional e internacional de proteção aos direitos humanos.
4. O Impacto das Isenções Tributárias para Pessoas com Deficiência
O Brasil possui leis que garantem isenções tributárias para pessoas com deficiência, como a isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na compra de veículos adaptados ou a isenção de Imposto de Renda sobre proventos de aposentadoria. No entanto, a abrangência dessas isenções pode ser limitada, principalmente para pessoas autistas cujas deficiências não são fisicamente aparentes, mas que exigem apoio constante.
Uma reforma tributária que desconsidera essas nuances pode aumentar a carga fiscal de forma desproporcional sobre pessoas que já enfrentam desafios significativos. A prevenção ou restrição de isenções fiscais pode limitar o acesso a bens e serviços essenciais para a qualidade de vida dessas pessoas, ou que seria um retrocesso em termos de inclusão social e econômica.
5. Propostas para uma Reforma Inclusiva
Para que a reforma tributária seja justa e equilibrada, é fundamental que ela leve em consideração a diversidade dentro do espectro autista. Algumas propostas incluem:
- Manutenção e Ampliação das Isenções Fiscais: Garantir a permanência das isenções existentes para pessoas com deficiência e expandir essas isenções para cobrir uma gama mais ampla de produtos e serviços, como terapias, medicamentos e equipamentos adaptados.
- Criação de um Crédito Fiscal para Famílias de Pessoas com Deficiência: Introduzir um crédito tributário que compensa as famílias pelos altos custos com saúde e educação adaptada. Este crédito poderia ser usado para reduzir despesas com terapias, tratamentos médicos e materiais educacionais.
- Alíquotas Reduzidas para Produtos Essenciais: Estabelecer alíquotas de imposto reduzidas para produtos e serviços indispensáveis ao bem-estar de pessoas com autismo, como medicamentos, produtos de tecnologia assistiva e serviços de reabilitação.
- Reconhecimento da Deficiência Invisível: Assegurar que as pessoas com deficiências invisíveis, como o autismo, tenham acesso pleno aos benefícios fiscais, independentemente de uma avaliação restrita a aspectos físicos de suas deficiências.
6. Conclusão
A reforma tributária tem o potencial de transformar profundamente o sistema fiscal brasileiro, mas para que seja realmente inclusivo e justo, precisa levar em consideração as complexidades do espectro autista. Ignorar essa diversidade é perpetuar um sistema desigual, onde pessoas com autismo e suas famílias podem ser ainda mais marginalizadas. Portanto, é essencial que o legislador adote uma abordagem que contemple as particularidades dessas pessoas, garantindo-lhes um tratamento fiscal adequado e respeitando os princípios constitucionais de igualdade e justiça social.
A justiça tributária só será alcançada quando todos, independentemente de suas condições, tiverem acesso igualitário aos recursos e direitos que a sociedade oferece.
* Jairo Varella Bianeck é Advogado, Coordenador Jurídico da Associação Nacional de Apoio às Pessoas com Deficiência (ANAPcD) e Conselheiro de Saúde