OPINIÃO
- * Por Alessandra dos Santos Silva
Algumas perguntas precisam ser feitas: estamos mesmo sendo inclusivos? As escolas, sociedade e profissionais de saúde proporcionam às pessoas com diagnóstico de alguma doença rara um ambiente no qual elas possam se sentir valorizadas e apoiadas?
Por minha formação como cirurgiã craniofacial, tenho o privilégio de trabalhar com crianças que enfrentam desafios que vão muito além do que a maioria de nós pode imaginar. Uma dessas crianças é uma menina incrível com síndrome de Apert, doença genética de herança autossômica dominante (um gene dominante que predomina sobre um recessivo), que afeta o desenvolvimento facial, das mãos e, em alguns casos, o desenvolvimento cognitivo. Mais comumente diagnosticada ao nascimento, os sinais físicos mais comuns são testa alta e proeminente, maxilar subdesenvolvido, olhos proeminentes e dedos das mãos e pés fundidos. Rara, a condição afeta aproximadamente 15 a cada 1 milhão de pessoas.
Apesar de suas deformidades, a menina tem uma paixão por aprender e explorar o mundo ao seu redor. Recentemente, ela tirou mais de 9 em um curso de informática – uma conquista notável para qualquer criança, ainda mais impressionante para alguém que enfrenta muitas dificuldades físicas diárias. No entanto, a vida dela na escola não tem sido tão gratificante. Sua mãe foi chamada recentemente na escola, para ser alertada que sua filha bateu em um colega. Mas, ao investigar o ocorrido, descobriu-se que a situação é muito mais complexa. A auxiliar, que deveria acompanhá-la e apoiá-la em suas interações sociais, infelizmente, não está cumprindo seu papel. Ela não fica na sala, nem a acompanha adequadamente, deixando essa menina vulnerável a situações sociais que ela ainda está aprendendo a navegar.
Quando conversei com ela, algo que ela me disse ficou gravado na minha mente: “Eu gosto de ficar só com pessoas parecidas comigo”. Sua mãe confirmou que ela se sente muito mais confortável e feliz entre outras crianças com síndromes ou deficiências, como o autismo. Ela se relaciona bem com eles, enquanto luta para encontrar seu lugar entre crianças sem essas condições. A partir desse contexto, entendo que algumas perguntas precisam ser feitas: estamos realmente sendo inclusivos? As escolas, a sociedade e nós, profissionais de saúde, estamos proporcionando um ambiente onde todas as crianças, independentemente de suas condições, possam se sentir valorizadas e apoiadas? Ou estamos falhando, permitindo que a inclusão seja apenas uma palavra vazia, sem ações concretas para garantir que todas as crianças possam realmente participar e prosperar?
A inclusão verdadeira vai além de adaptar currículos ou construir rampas de acesso. Trata-se de garantir que cada criança, com suas próprias batalhas e triunfos, tenha o apoio necessário para desenvolver seu potencial completo. Trata-se de educar não só as crianças, mas também os adultos – professores, auxiliares, e todos que interagem com elas – para que compreendam as necessidades únicas dessas crianças e as ajudem a navegar em um mundo que muitas vezes não está preparado para elas.
Precisamos fazer mais do que simplesmente aceitar as diferenças; precisamos celebrar esses talentos e paixões, como o amor pela informática desta menina, e garantir que ela, e tantas outras como ela, tenham as mesmas oportunidades de sucesso e felicidade. Com isso, situações de bem-estar não serão raras.
- * Alessandra dos Santos Silva é cirurgiã plástica e craniofacial, diretora/fundadora do Centro de Excelência em Medicina (CEM)